Carros atolados nos lamaçais fazem parte da rotina neste bairro
Tudo é abandono. Ninguém agüenta mais
De repente, Waldir Gonçalves Chartre deparou com uma cobra
de mais de um metro de comprimento. Não acreditou no que via. Jogou o carro em cima e ela não morreu. Continuou vivinha, se remexendo no meio da
rua.
Waldir só tem queixas a fazer e pede providências
Quando
se fala assim, até parece que o Jardim São Manoel é um sítio desses bem isolados do mundo e tão abandonado que as cobras nascem e engordam à
vontade. Sítio, não. Abandonado, sim. É o único bairro de Santos que não tem nenhuma rua asfaltada e o esgoto corre a céu aberto em todas.
Os moradores não encontram adjetivos para fazer referência ao estado das vias. Simplesmente apontam para elas,
com ar de desconsolo. A lama só seca depois de muitos dias de sol e, quando isso acontece, ninguém consegue suportar a poeira.
Para Maria José Brógio, faz parte da rotina sair de casa de chinelos e só trocar o calçado quando chega à firma
onde trabalha. Ela mora na Rua Frei Jesuíno do Monte Carmelo e não há exagero de sua parte: o motorista autônomo Aparecido Pereira de Oliveira
sequer consegue vencer o lamaçal e os buracos da via com seu caminhão.
Isaura Freire de Novaes e Amadene Maria dos Santos reclamam da Rua Lucas Rodrigues Junot e Tomás Batista dos
Santos afirma que quebrou o carro em uma cratera da rua onde reside, a Mário Graccho. Seu Vavá faz um adendo: Nélson de Abreu Sá é
um dos mais prejudicados da rua, pois trabalha fora o dia inteiro e muitas vezes, ao retornar, depara com dejetos humanos dentro da casa. Isso
acontece quando chove muito, a vala transborda e a água invade quintais e residências.
A vala à direita da Rua Mário Graccho é daquelas problemáticas, pois não garante o devido escoamento de águas
servidas. Tanto que alguns moradores trataram de instalar manilhas para não serem tão prejudicados.
O pessoal não fica mais à espera da Prefeitura. Teodomiro José da Silva, dono da Mercearia e Bar Recife, o
estabelecimento comercial mais antigo do bairro, vive de enxada na mão, limpando valas e ajeitando a rua para a água não ficar empoçada. E seu
Vavá fica indignado quando se lembra: uma das poucas vezes que o Município destinou alguns caminhões de aterro para ruas do São Manoel, havia
até restos de caixões (de defunto, mesmo!) misturados ao material.
Tudo pior - Isolado, com tantas praças e terrenos baldios cheios de mato, o São Manoel se constitui num
chamariz de desocupados. Segundo os moradores, os assaltos acontecem a qualquer hora do dia ou da noite e Maria José Brógio já presenciou até um
tiroteio.
Teodomiro só tem queixas a fazer e pede providências
O perigo é maior
na passarela sobre a Via Anchieta, construída há uns seis anos, depois que muitos haviam morrido tentando atravessar a pista. Agora, os moradores
voltam a correr o risco de atropelamentos, uma vez que preferem não utilizar a passarela, principalmente à noite.
Em termos de comércio, o bairro dispõe de uma farmácia, um bazar, uma padaria, uma mercearia, alguns bares e um
posto de venda da Cobal. A feira-livre, que o pessoal conquistou depois de muita luta, não durou mais do que duas semanas: os feirantes não
conseguiram suportar a lama das ruas por um período mais longo que esse.
O posto de atendimento médico só funciona pela manhã, na sede da sociedade de melhoramentos, e ultimamente não
estão mais sendo fornecidos remédios. A Escola Estadual de 1º Grau José Carlos de Azevedo Júnior também decaiu em termos de atendimento à
comunidade: não há mais aulas no período noturno. Ou seja, os escolares que trabalham de dia não podem mais freqüentar a unidade. Sem contar que a
quadra de esportes está abandonada, cercada por mato e, por falta de uma zeladoria, às vezes é invadida por gente de fora.
Alguns argumentam que, se a molecada invade a quadra, tem seus motivos: o bairro não tem áreas de lazer. As
crianças brincam nas ruas e vez ou outra caem nas valas, onde tentam pegar peixinhos. Isso pode continuar assim?
Maria José só tem queixas a fazer e pede providências
Ônibus,
o melhor? - Os moradores comentam que o ônibus é o que há de melhor no bairro. mesmo assim, já recebeu um apelido: Comprimido. Só passa
de 40 em 40 minutos, e isso quando cumpre seus horários normais.
Existem dois coletivos para a Linha 15 e mais dois para a linha 51. Quando um deles sai de circulação por algum
motivo, não é feita substituição. Por isso mesmo, tem gente que nem conta com eles. É o caso de Adail Rangel, que trabalha no Gonzaga e prefere
pegar o coletivo que vem de Cubatão até o Centro e, de lá, outro para chegar àquele bairro.
Como se não bastasse, os ônibus não percorrem ruas internas do São Manoel, nem mesmo chegam próximo do colégio.
Não é à toa que o pessoal prefere o serviço de transporte prestado por seu Bino: com seu barco a remo, ele transporta passageiros do São
Manoel para o Jardim Bom Retiro em não mais que cinco minutos.
Com toda essa imensa lista de problemas, parece até que o bairro não tem uma sociedade de melhoramentos para
reivindicar em seu nome. Existe a entidade, mas os moradores não andam nada satisfeitos com o presidente Benedito Lobo Siqueira, que trabalha na
Prefeitura. Usam até o termo "ditador" para definir seus trabalhos à frente da sociedade. |