Dois hospitais e grandes colégios fazem parte do patrimônio desse bairro,
mas o orgulho é o Estádio Urbano Caldeira e o Santos
Uma história de glórias, fama e muitos dólares
O trabalho que deu escrever todas aquelas cartas não foi
brincadeira. Raimundo Marques, Mário Ferraz de Campos e Argemiro de Souza Júnior levaram semanas e mais semanas para aprontá-las. Mas achavam que
valia a pena, pois tratava-se de um convite para fundar um clube.
A receptividade à idéia não poderia ter sido melhor: a 14 de abril de 1912, às 20 horas, o salão do Concórdia -
Rua do Rosário, 10 - estava quase lotado. E, quando Raimundo Marques perguntou solenemente o que os senhores presentes achavam de fundarem um
clube, ninguém disse nada em contrário. Momentos depois, foi escolhida a primeira diretoria e Sizino Patusca assumiu a presidência. Mas a
presidência de qual clube, afinal?
"África Football Club", grita um dos rapazes. Proposta rejeitada. Alguém dá outra sugestão: Associação Esportiva
Brasil. Mas esse nome também não agradou. E os presentes igualmente não concordaram com Concórdia Football Club, embora o Concórdia tenha cedido a
sede para aquela reunião.
Quando parecia que nunca se chegaria a um acordo, Antônio Araújo Cunha grita lá do fundo: "E por que não
chamamos o nosso clube de Santos, de Santos Football Club?" Finalmente houve consenso, e exatamente às 22 horas daquele dia, Raimundo Marques
sentenciava: "Meus senhores, acaba de ser fundado o Santos Football Club".
Duas semanas depois, o Santos já tinha seu campo, no Macuco, mas as dimensões não eram oficiais e só servia para
treinamentos. As cores também já estavam escolhidas: branco e azul, com um friso amarelo no meio. Mais tarde, o azul e o friso amarelo foram
substituídos pelo preto, cor da nobreza.
Pois não é que já no ano seguinte a Liga Paulista de Futebol convida o Santos para participar do Campeonato
Paulista, na época disputado apenas por clubes da Capital?
E o time saiu-se muito melhor do que se poderia esperar. Só que, quando faltavam apenas dois jogos para a final
do campeonato, o clube pediu licença à liga para se retirar do certame, porque as viagens a São Paulo estavam pondo por água abaixo as finanças.
Deixou o campeonato como vice-campeão.
O clube chega à Vila Belmiro, para nunca mais sair - Em 1915, os diretores estavam decididos a adquirir
uma área própria e partir para novos empreendimentos. Alguns logo pensaram em comprar o terreno onde está hoje a Beneficência Portuguesa, mas
prevaleceu a vontade dos que desejavam a compra de uma área entre aquele mundo de chácaras de japoneses que dominava a Vila Belmiro.
Em dezembro o Santos adquire o tal terreno e a 12 de outubro de 1916 instala-se definitivamente no bairro. Este
já foi até chamado de Vila Famosa, tantas as glórias que o Santos carregou para lá.
Já em 1923 uma torcida grande e organizada acompanhava o Santos. Os torcedores iam aos campos com a camisa do
clube e vestiam calças com uma perna branca e outra preta. Essa torcida durou até 1932 e não chegou a presenciar a conquista do título de campeão
paulista, em 1935.
Por uma questão de justiça, é preciso dizer que esse título começou a ser conquistado nos tempos de Urbano
Caldeira, que dá nome ao estádio da Vila Belmiro. Urbano amava o clube de tal jeito que ajudava até mesmo a cuidar do gramado.
Como jogador não era lá essas coisas, tampouco tinha dinheiro para investir no clube. Mas, criou até um mito.
Antes de cada partida, ele e os jogadores chegavam na beirada do campo, punham as mãos umas sobre as outras e gritavam: Giba. Era o sinônimo de
garra, luta, vitórias.
Pelo que se diz até hoje, o título de campeão paulista poderia ter saído muito antes, não fossem as gavetas.
Os mais velhos testemunham que, durante todo esse tempo, o Santos foi roubado por juízes. Como se não bastasse, parece que alguns de seus craques
tinham o hábito nada salutar de se venderem. Certa vez disseram que o Hélvio e o Ivan foram tirados da equipe porque aceitaram suborno às vésperas
da partida. O Modesto Roma foi alertado e não deixou por menos: impediu os dois de jogar.
Jogadores como Araken, Ciro, Junqueirinha, Mário Pereira e outros brilharam na primeira conquista. Mas, o Santos
esperaria 20 anos para conquistar um novo título de campeão paulista.
Em 1948, o Santos iniciou a construção do Estádio Urbano Caldeira, que só ficou parcialmente pronto em 1955. Na
época tinha capacidade para 15 mil pessoas e só depois de pronto, em 1959, passou a ter capacidade máxima para 33 mil pessoas.
Um crioulo magrinho chega à Vila e marca o início de uma nova era - Quem simplesmente olhava aquele
crioulo magrinho não punha muita fé. Chegou à Vila Belmiro, em 1956, vindo de Bauru. A princípio o chamavam de Gasolina, depois de Pelé.
Quando ele entrou no time principal o Santos já era uma equipe respeitada. A partir de seu aparecimento, a equipe conquistou tantas glórias e
tantos títulos, que a torcida até se mostrava saturada de tantas alegrias. A melhor fase durou até 1969.
Mas sabem que o Santos quase perdeu Pelé? Pelo menos é o que conta o jornalista De Vaney em seu livro, A
Verdade sobre Pelé. A diretoria estava decidida a trocá-lo por Getúlio,um bom lateral direito do Jabaquara. O garoto vinha jogando mal e
acabou perdendo um pênalti contra o próprio Jabaquara, quando o jogo estava empatado por 2 a 2 e o Santos precisava de uma vitória para ser
campeão juvenil. Só não foi trocado porque o Jabaquara não aceitou. Quem poderia imaginar que aquele seria o Pelé dos mil gols, tricampeão do
mundo, assunto de bate-papo em tudo quanto é país?
Excursões, dólares, taças e troféus de todas as partes do mundo não faltaram ao Santos em seus 68 anos de
existência. Talvez nenhum clube possua troféus tão valiosos, bastando citar a bola e a caravela de ouro. Três deles o clube conserva guardados em
cofres de bancos, tal o valor. Olhando-se todos aqueles troféus, dá para se saber exatamente porque a Vila Belmiro é o bairro mais famoso do
mundo.
Além de Pelé, outros jogadores ficaram na história como verdadeiros monstros sagrados. Quem não se lembra dos
lances do ponta-esquerda Pepe, dono de chute fortíssimo e ótima pontaria?
Mas nem sempre o que é bom dura para sempre e aos poucos a geração de craques como Dorval, Coutinho, Zito,
Mengálvio, Pepe e muitos outros foi se acabando. Não houve preocupação com com renovação e, quando o grande ídolo Pelé deixou de jogar pelo
clube, em 1974, o Santos tornou-se um time comum.
Os torcedores, é evidente, não aceitam essa idéia do time comum, porque afinal o Santos conseguiu superar uma
das piores fases de sua história e até conquistou um título, em 1978, sem Pelé. Os líderes da Sangue Santista, Baleia, Tubarões e outras torcidas
uniformizadas estão nas ruas, nos campos e já não pensam tanto em Pelé. Põem fé nos "meninos da Vila", apesar de as vitórias estarem um tanto
difíceis nos últimos tempos. Esperam a hora da farra e de poder dizer: "Isso, meu velho, é o Santos". |