Os chalés ainda resistem, mas não se sabe por quanto tempo,
pois os donos vivem sendo assediados por corretores de imóveis
Tem de tudo um pouco. É ver para crer
Vamos imaginar um absurdo: o Visconde do Embaré dando um
passeio pelo bairro que conheceu no século XIX. O que diria ele? Na certa ficaria mudo de espanto, no mínimo abismado diante do mar escuro e do
paredão de concreto que acompanha a orla da praia. Cuidado! Não dá para ficar espantado muito tempo, distraído, boca aberta para o ar, porque os
carros passam varrendo tudo que há pela frente. Com essa crise hospitalar, livre-se de acidentes!
As coisas são outras nesse Embaré onde vivem quase 40 mil pessoas. Só para se ter uma pequena idéia, basta saber
que seus limites são dados por quatro das principais avenidas de Santos: Bartolomeu de Gusmão, Almirante Cócrane, Afonso Pena e Siqueira Campos,
até a praia.
Mas, guardadas as diferenças de época e refeito do primeiro susto, nosso visconde certamente gostaria de morar
no Embaré, um dos melhores bairros de Santos. Dá até para optar pelo lado mais nobre e movimentado, ou por outro mais simples e tranqüilo, onde
crianças brincam na rua, mulheres se reúnem nos portões e homens conversam nos bares.
Quem conhece só a zona da praia pode não acreditar que ainda restam em várias ruas, para os lados da Afonso
Pena, muitos chalés construídos há mais de meio século, em amplos quintais de 15 metros de frente por 50 de fundo.
Não demore muito para conhecer esse outro Embaré. Os donos dos chalés vêm sendo assediados por corretores que
tentam convencê-los das maravilhas de se viver em um apartamento. Maria José empolgou-se e cedeu o chalé de número 114 da Rua São José para se
construir um prédio. Arrependeu-se? E como! Mas sua argumentação não é suficiente para convencer a vizinha, Neide Gonçalves, a entregar o chalé de
número 108 da mesma rua às imobiliárias.
Os chalés ainda resistem, mas não se sabe por quanto tempo...
Os
velhos casarões de madeira se vão, mas o Embaré ainda guarda muito de pitoresco. Os becos, as travessa sem nome são tradicionais e neles se vive
um pouco diferente. O isolamento dos becos parece unir as famílias, paira um clima de pequena cidade. As crianças sentem-se mais donas da rua,
fazem dela uma extensão do quintal. E como não poderia deixar de ser, sai muita briga entre a molecada de um beco e outro.
O Embaré é também reduto de casas populares antiqüíssimas, das primeiras que se construiu em Santos, na década
de 1930, pela Fundação das Casas Populares. Na época custavam cerca de 100 contos de réis e os interessados tiveram 20 anos para pagar esses
imóveis com dois quartos, sala e cozinha. Há núcleos do tipo nas ruas São José, Liberdade e Frei Francisco Sampaio e Praça Joaquim Murtinho.
Manoel Olavo Costa, morador do conjunto da Joaquim Murtinho, 76 anos, aposentado, não se arrepende nem um pouco
de ter adquirido uma daquelas casas, que muitos rejeitaram por considerarem moradia para cachorro, segundo conta. Ao redor só havia lama, e seu
filho caçula quase morreu afogado em uma das valas próximas.
Hoje, a realidade é outra: há muitos prédios nas proximidades e, para não se sentir tão encurralado, contempla
as ingazeiras bravas plantadas anos atrás no pátio do núcleo. Américo Augusto, do conjunto da Frei Francisco Sampaio, compara aquelas habitações
populares com as que se constrói hoje e encerra o assunto com uma frase: "As que nunca foram sequer reformadas continuam em pé".
Binário e transtornos - São conjuntos residenciais pequenos, de no máximo 50 casas, onde predomina a
tranqüilidade. Tranqüilidade que se acabou definitivamente para os moradores das ruas Conselheiro Lafayette e Conselheiro Ribas, desde que se
implantou o sistema binário de circulação.
Durante anos e anos os moradores dessas duas vias tiveram o privilégio de morar perto da praia, sem serem
incomodados pelo trânsito louco de veículos. A avenida da praia e a Epitácio Pessoa, que são paralelas, concentravam o movimento em direção à
Ponta da Praia e vice-versa.
Nos conjuntos populares, um modo de vida diferente
Vai daí que a
Prefeitura implantou novo sistema de circulação: construiu uma ponte sobre o Canal 5, na altura da Conselheiro Ribas, e desviou o fluxo de carros
para essa via e sua continuação (Conselheiro Lafayette) e fez uma série de ajustes, de modo que se vai da Ponta da Praia ao José Menino em cerca
de 15 minutos. A Epitácio Pessoa ficou com mão única, sentido Ponta da Praia.
Se o esquema facilita muita gente, os moradores da Conselheiro Lafayette e Conselheiro Ribas não ficaram nada
satisfeitos. As boas casas existentes ao longo delas perderam valor e muitos proprietários preferiram se transferir para outros bairros ou ruas.
Deixaram para trás uma situação que não suportavam mais: abre o sinal e os motoristas saem em disparada. Os pneus cantam, a fumaça paira no ar.
Pior só em dias de chuva, porque tudo se complica nas imediações. Qualquer aguaceiro basta para que várias ruas
fiquem inundadas, entre elas a Delfim Moreira, Proost de Souza, Vergueiro Steidel, Oswaldo Cócrane e até mesmo a Bartolomeu de Gusmão. É o velho
problema das galerias pluviais entupidas, que a Prefeitura não se interessa em resolver.
Outro drama que a Prefeitura não soluciona: a falta de condução para os lados da Germano Melchert. Na Avenida
Siqueira Campos, a mais próxima, circulam apenas os ônibus das linhas 10 e 17. O primeiro vem da Bernardino de Campos, passa pela praia, entra na
Siqueira Campos e segue para o Centro; e o segundo faz o percurso inverso.
Não há qualquer outra linha de ônibus ao longo daquela avenida, e o pessoal fica sem condução para a maior parte
dos bairros de Santos, entre eles a Ponta da Praia e o José Menino. A única alternativa é caminhar três ou quatro quadras até a Conselheiro
Nébias, ou cinco ou seis, até a Epitácio Pessoa. A situação não poderia ser mais inoportuna para quem trabalha ou estuda, tem horários a cumprir.
E não é por falta de pedir que o problema continua sem solução, pois os moradores já fizeram até abaixo-assinado.
Nos conjuntos populares, muita tranqüilidade
De
tudo um pouco - Apesar desses inconvenientes, o Embaré é um bairro bom de se morar. Há feiras-livres, boas agências bancárias e o comércio
diversificado não deixa ninguém na mão na hora de se comprar um presentinho de última hora.
Em termos de restaurantes, não se pode esquecer o tradicional Vista ao Mar, conhecido pela paela
valenciana e pelo polvo à espanhola que serve. E o que dizer da Casa da Mamma, com as famosas pizzas a metro e ambiente familiar?
O ambiente é bem servido até de sapateiros, categoria em extinção. Há quatro, tentando sobreviver à onda de
calçados de plástico e à falta de interessados em seguir a profissão. No bairro fica também a Casa da Vovó Anita, entidade que recebe crianças de
internatos do Interior e proporciona dias de lazer junto ao mar. Imaginem a alegria dos pequenos que nunca viram praia!
E mais: quem passa pela Almirante Cócrane pode de repente encontrar Dondinho e dona Celeste, pais de
Pelé. Eles continuam morando na casa de número 123, que o filho famoso em todo o mundo ganhou como luvas do Santos, no tempo em que era a estrela
única do time. |