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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Neves
Incêndio na capela das Neves (1)

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Os escravos fugidos das fazendas paulistas, no século XIX, costumavam se reunir em quilombos, e um dos principais no município de Santos (além do Quilombo do Jabaquara, quase no centro de Santos) foi o existente na área continental de Santos, tanto que o local ficou conhecido como Serra do Quilombo. Por essa época, ali também existiu o sítio Nossa Senhora das Neves (que deu nome ao lugar e no final do século XX foi explorado como pedreira), próximo ao limite com Guarujá pelo acesso da estrada SP-55 (Piaçaguera-Guarujá).

O incêndio foi citado pelo jornal paulistano A Provincia de São Paulo (antecessor do atual O Estado de São Paulo), na página 2 da edição de 10 de julho de 1884 (Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição:


Imagens: reproduções parciais das colunas 3 e 4 da página 2 do jornal  (Acervo Estadão)

Santos - Anteontem, pelas 10 horas da manhã, surgiu a notícia de que à capelinha das Neves, situada do outro lado da baía, tinha pegado fogo e estava a arder desde cedo.

Algumas pessoas, moradoras no Valongo, que seguiram em ato contínuo para as Neves, conseguiram com bastante trabalho extinguir o fogo.

O incêndio, que se presume ter começado na noite antecedente, num mato próximo a que deitaram fogo, danificou completamente a capelinha.

A imagem da Senhora das Neves, que havia caído do altar, no momento em que este era presa das chamas, foi trazida para a cidade.

Nas Neves moravam apenas uma mulher e duas crianças.

Conta Olao Rodrigues, em sua Cartilha da História de Santos (Gráfica A Tribuna, 1980, Santos/SP), com ilustração de J. Watson Rodrigues reconstituindo o incêndio:


O incêndio, em bico-de-pena de J.Watson Rodrigues

Na Serra do Quilombo, às margens do Rio Jurubatuba, existiu o sítio Nossa Senhora das Neves, que dispunha de capela sob a invocação dessa santa, no outro lado do Estuário.

No dia 8 de julho de 1884, por volta das 10 horas, veio a saber-se na Cidade que a Capela de Nossa Senhora das Neves estava presa das chamas. O fogo foi extinto por pessoas do Valongo, que, de imediato, seguiram para o lugarejo, de difícil acesso.

Segundo o Diário de Santos - o jornal que depois de A Tribuna teve maior vivência em Santos -, o incêndio ter-se-ia verificado durante a madrugada, destruindo por inteiro o templo. A imagem de Nossa Senhora das Neves, que havia tombado do altar em chamas, foi trazida para a Cidade por pessoas compassivas. Nossa Senhora das Neves era padroeira dos escravos.

Todos os cativos que trabalhavam na área, inconformados com a destruição do pequeno templo, teriam também ateado fogo no feitor do Engenho de Cabralaquara (N.E.: SIC. A grafia conhecida é Cabraiaquara), de nome Antônio Joaquim, apontado como autor do incêndio proposital da capelinha, embebendo-lhes as vestes com querosene e ateando-lhes fogo.

É que os escravos freqüentavam amiúde a capelinha, orando e rogando a intercessão de graças - circunstância que teria sempre desagradado ao feitor, que via no ato de unção católica dos escravos execrável fuga ao trabalho comum.

O mesmo pesquisador Olao Rodrigues já havia contado antes essa história onze anos antes, no Almanaque de Santos - 1969, citando o nome indígena do sítio - Cabraiaquara - e usando o ano de 1850 como data para o incêndio, corrigido depois para 1884. A primitiva publicação foi entretanto usada como referência por outras, disseminando o erro de data. Este é o texto de 1969:


Da capela incendiada, restaram apenas ruínas 
Clique na imagem para saber mais. (Foto: equipe A Tribuna, publicada em 28/10/1982)

A rebelião dos escravos

Em 1850, à entrada de Jurubatuba, no outro lado do Estuário, havia a capela de Nossa Senhora das Neves, onde os negros escravos permaneciam por alguns momentos, em preces e invocações por melhores dias, pois não podiam suportar as asperezas da jornada brutal de trabalho, de trabalho escravo, que iam além de suas forças físicas.

Era de vê-los, esquálidos e estropiados, ajoelhados diante da imagem da santa de sua devoção, em súplicas e rogos não para uma vida restauradora, de descanso e paz, mas pelo menos para evitar-lhes uma tarefa intensa e maldosa, que contrariava as suas condições humanas, sem tempo sequer para a tranqüilidade de uma oração, que era feita sempre à pressa, com momentos contados.

O feitor do engenho de Cabraiaquara, um português de má índole, perverso e muito subserviente aos patrões, não dava sossego aos pobres negros e quando eles, extenuados, se reuniam, por momentos, na igrejinha, o vigia lusitano, qual cérbero, os maltratava, por não lhes admitir um momento sequer de repouso.

- "Um dia acabarei com a regalia desses negros, pois eles aqui vêm para fugir ao trabalho do canavial", foi o que dele ouviu, certa feita, um grupo de circunstantes, lá no pequeno templo.

Um dia, a capelinha de Nossa Senhora das Neves foi presa das chamas. Alguém, por perversidade, ateara fogo àquela casa de Deus. De nada valeram os esforços dos negros escravos, que, com água e areia, tentaram dominar o fogo. O templozinho ficou totalmente destruído e, com ele, a imagem de Nossa Senhora das Neves.

Houve o revide. Certos de que a ocorrência fora determinada pelo português, na ânsia de pôr fim aos escassos momentos de sua folga, os escravos se amotinaram e, aos gritos, como que feridos em sua condição de figuras humanas, afluíram ao sítio e puseram fogo na propriedade, cujos donos, por coincidência, se haviam dirigido para Santos.

Tudo ficou à prova do fogo. Antônio Joaquim, prevendo o fim trágico de sua vida, tentou fugir e chegou a mergulhar numa cachoeira, mas um escravo, forte, seguindo-lhe os passos, subjugou-o e levou-o para as proximidades do sítio, onde foi amarrado e submetido ao fogo.

O feitor português, homem forte, ainda tentou salvação nas águas do estuário, mas as pernas não o ajudaram. E ficou ali mesmo, como tocha humana, sucumbindo aos poucos, enquanto lá de cima, do outeiro, um coro de tamborins e gargalhadas festejava pateticamente a morte do algoz dos escravos de Cabraiaquera (N.E.: SIC: nas demais ocorrências do nome, o autor usou a palavra Cabraiaquara).

A origem do topônimo Neves e os primórdios dessa região são relatados pelo pesquisador Francisco Martins dos Santos, em sua História de Santos, republicada em 1996 junto com a Poliantéia Santista de Fernando Martins Lichti (Editora Caudex Ltda., São Vicente/SP, 2º volume):

NEVES - Ponto histórico e pitoresco do município, no arrabalde de além-estuário, junto à enseada de Santa Rita, à entrada do rio Jurubatuba.

Neste lugar, Pero de Góis instalou o seu sítio da "Madre de Deus", em 1532, no próprio ano da chegada de Martim Afonso - o primeiro sítio denominado, que se conhece na história paulista e na própria história brasileira. Ausentando-se de Enguaguaçu para tomar posse da sua Capitania e continuar suas andanças de guerreiro e insatisfeito, Pero de Góis entregou o sítio ao irmão Luiz de Góis, o qual, em 1546, nele fundou o famoso Engenho "da Madre de Deus", o terceiro que teve a antiga Capitania de São Vicente.

Em escritura daquele ano, datada de 20 de março de 1546, Luiz de Góis, um dos mais importantes fundadores de Santos, prevendo a velhice ou a sua própria saída do lugar, já doava ao filho - Scipião de Góis - o Engenho "que estava fazendo", e, ao cunhado Aleixo de Avelar, uma parte no Engenho, associando-o ao filho.

A invocação Nossa Senhora das Neves, que permaneceria como topônimo tradicional na geografia santista e litorânea, apareceu exatamente em 1702, quando dona Ambrósia de Aguiar (filha de Custódio de Aguiar, falecida no estado de solteira em 1706), em parceria com suas irmãs Ana e Catarina de Aguiar (herdeiras de quinhões) fundaram a Capela da Santa, entregando-a aos cuidados e responsabilidade do Capitão Francisco e do reverendo Cristóvão de Aguiar Daltro (que nos documentos aparece também como de Altero), com as obrigações institucionais por elas criadas.

A devoção a Nossa Senhora das Neves cresceu muito, principalmente a partir de 1730, e mais ainda entre os negros escravos de toda a região, que a tomaram como protetora e padroeira, depois que o sargento-mor Manoel Gonçalves e Aguiar conseguiu criar a sua procissão aquática - uma festa notável e pitoresca, que se realizava desde então, todos os anos, no dia da mesma santa, e de que participou sempre toda a cidade.

Ainda hoje, existem no lugar alguns restos e ruínas do antigo engenho e da velha capela, duas vezes incendiada e duas vezes reconstruída, até cair em completo abandono.

Ao tempo dos aguadeiros em Santos, que vendiam água potável pelas ruas da vila, a água de Nossa Senhora das Neves, ou simplesmente das Neves, era a mais procurada e aceita pelas famílias.

O sítio das Neves, em 1817, no levantamento geral das terras do município de Santos, ordenado por D. João VI, aparecia como patrimônio da Capela, administrado pelo capitão José Francisco de Menezes, que o cultivava com oito escravos.

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