HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
NAVIO SINISTRADO
Ais, ais... uma novela de 38 anos (4)
Um dos
maiores exemplos de como a burocracia e a negligência das autoridades podem manter uma situação de risco permanente até mesmo durante décadas, o navio
sinistrado Ais Georgius permanece semi-submerso junto ao canal de navegação do porto santista, mesmo diante dos grandes riscos que isso
representa para o porto e a comunidade, e dos constantes protestos contra essa situação.
Na edição de 8 a 14 de agosto de 2009, páginas 1 e 8, o semanário santista Boqueirão News
publicou:
AIS GIORGIS - DÚVIDA SUBMERSA -Após 35 anos praticamente submerso no canal do Estuário,
parte final dos destroços do cargueiro grego Ais Giorgis será retirada para que as obras de dragagem para o aprofundamento do calado no porto
possam prosseguir. Uma dúvida, no entanto, persiste: quais os riscos ambientais que a embarcação ainda oferece?
Imagem: reprodução parcial da 1ª página, com foto do acervo de Carlos Pimentel Mendes
AIS GIORGIS
Nas profundezas do estuário
Há 35 anos no estuário, os destroços do cargueiro grego Ais Giorgis, que
carregava produtos químicos nos porões, devem finalmente ser retirados
Luciana Calixto
Colaboradora
Depois de mais de três décadas do desastre envolvendo o
cargueiro grego Ais Giorgis, a odisséia - que tem como cenário o maior porto da América Latina - parece ganhar um ponto final.
Após pedido de licitação realizado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), no último
dia 22, para executar serviços de inspeção e elaboração de metodologia para retirada dos restos do casco do navio, a Comissão Permanente de
Licitação receberá propostas de empresas interessadas na execução do serviço até a próxima quarta-feira (10), na Gerência de Contratações e
Licitações (GFL).
O pedido decorre do projeto de dragagem de aprofundamento do Porto de Santos, que tem como meta
aumentar o calado (com variação atual entre 12 e 14 metros) para 15 metros e a largura do canal de acesso (com 150 metros) para 220 - permitindo
navegação de mão dupla em 85% do canal.
Alerta - Ao longo das décadas, foi totalizada a retirada de mais de 450 toneladas de
sucatas do Ais Giorgis. No entanto, por problemas técnicos no momento da remoção, uma parte do casco do cargueiro ainda ficou parcialmente
presa à lama do canal.
De acordo com a Codesp, o restante encontra-se submerso e localizado, atualmente, em frente ao
armazém 14, ao lado do canal de navegação de 12 metros, em uma área mais rasa, e consta nas cartas náuticas como forma de alerta para os navios que
ali trafegam.
Apesar de não ter sido registrado, desde o desastre, qualquer incidente no estuário devido à
permanência dos destroços na região, os restos do navio sempre representaram um problema para o tráfego marítimo e contribuíram para alterar o curso
normal de navegação no canal.
Risco ecológico - No final dos anos 80, o cargueiro semi-submerso quase provocou um
desastre ecológico: desgovernado por meia hora, em meio à chuva torrencial, o petroleiro nacional Ipanema, da Fronape/Petrobrás, contendo
mais de 14 mil toneladas de óleo diesel e álcool, chegou bem perto de colidir com os destroços do Ais Giorgis e foi salvo por rebocadores que
realizavam as manobras de saída para o porto.
A situação poderia ter resultado em um enorme desastre ecológico, devido ao risco de derramamento
de grande quantidade de combustível na região interna do Porto e, conseqüentemente, no risco de incêndio que poderia se espalhar pelas instalações
portuárias. O episódio gerou polêmicas no setor em razão do descaso das autoridades em solucionar o problema.
Outra preocupação da comunidade em geral e ambientalistas gira em torno dos prejuízos ambientais
que o desastre provocou no estuário, por tratar-se de um navio com cargas de produtos químicos. Segundo o ambientalista Nelson Rodrigues, membro do
Conselho de Meio-Ambiente de Santos (Condema), a retirada do que sobrou do Ais Giorgis do fundo do mar resultará em benefícios ambientais
para o Porto de Santos, pois diminuirá os riscos de contaminação por substâncias químicas.
"É difícil avaliar os prejuízos ambientais causados no decorrer dos últimos anos sem uma análise
técnica, mas, logicamente, a retirada do casco pode amenizar a possibilidade de contaminação, pois, no desastre, o navio carregava produtos
químicos. Isso se ainda existir algum produto químico fechado, pois o longo tempo de permanência no local pode ter resultado na corrosão dos
recipientes", ressalta.
Rodrigues alerta que, caso o casco não seja removido, prosseguirá a situação de alerta e mistério
sobre os reais prejuízos causados pelo desastre.
"Quanto à navegabilidade do canal, o que restou do cargueiro não representa muitos obstáculos,
porque se realmente impedisse, as providências teriam sido tomadas", explica.
"Além disso, é necessário verificarmos a situação legal do cargueiro. Se existe alguma indenização
por danos ambientais, e quais as providências das autoridades vêm sendo desenvolvidas ao longo desse tempo", diz o ambientalista.
Nova paisagem? - Localizados entre Santos e Vicente de Carvalho, os destroços do navio deverão ser
retirados do estuário pela empresa vencedora da licitação aberta pela Codesp
Imagem: reprodução parcial da página, com foto de Francisco Carballa e infografia do jornal
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8 de janeiro 1974: noite dos horrores
No final de 1973, o cargueiro grego Ais Giorgis atracava no cais santista, entre os armazéns
30 e 31, para dar início à descarga de caixas, sacos e tambores, com leite em pó, óleo de pinho, resina, além de diversas qualidades de produtos
químicos - entre os quais, nitrato de sódio - transportados em um único porão.
Uma semana depois, o navio foi protagonista do maior desastre ocorrido nos últimos tempos no Porto de Santos. Uma
combustão espontânea em uma carga de produtos químicos, motivada pelos pingos da chuva, deu início, às 21 horas de 8 de janeiro de 1974, a um
incontrolável incêndio na carga dos vagões que, depois, passou para o navio, atingindo porões, restante da carga e quase toda a estrutura do
cargueiro. Foram três dias e três noites de incêndio.
O jornalista José Carlos Silvares - autor do livro Príncipe de Astúrias - o Mistério das Profundezas - que,
na ocasião, trabalhavam como repórter da Editoria de Porto no extinto jornal Cidade de Santos, encontrava-se no local no momento do desastre.
Ele foi autor de várias fotos do incêndio e testemunha do inesquecível acidente no Estuário. "Eu estava retornando
para casa, depois de um dia cheio, pois havia feito a cobertura da transmissão de cargo na Capitania dos Portos. Naquele dia, estava saindo um
capitão e entrando o seu substituto. No final da tarde, o navio começou a pegar fogo e, quando soube, dirigi-me para o cais", lembra.
"Permaneci por lá madrugada adentro, acompanhando o incêndio. Fiz muitas fotos, voltei para o jornal, escrevei um
texto, deixei as imagens para revelar e voltei para acompanhar o trabalho dos bombeiros e do pessoal da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa)
da Companhia Docas", diz.
Ele lembra que, durante o incêndio, um membro da Cipa faleceu, indivíduo que foi considerado um herói na época por
ter ajudado a desatracar o navio e levá-lo para o meio do canal do Estuário, na altura do armazém 25, para não oferecer maiores riscos aos demais
navios atracados e às instalações portuárias.
"Não há muita informação sobre o navio além do que está nos jornais da época. O Ais Giorgis já era um navio
velho quando ocorreu o incêndio. Lembro que o erro aconteceu porque era para os porões terem sido fechados, mas na correria deixaram ao ar livre uma
carga que estava em vagões abertos, no cais, ao lado do navio. E o fogo começou ali", lembra.
Pertencente à armadora Shipmeyr, que na época recebeu indenização da seguradora e autorizou a venda do que sobrou
do cargueiro, o navio e sua carga passaram a ser aquisição de várias empresas ao longo daquele ano.
A última, em 1979, informou que a embarcação seria rebocada junto às instalações de Guarujá, dentro de um prazo de
30 dias. No entanto, em setembro de 1979, um intenso vendaval foi responsável pela ruptura das amarras e pelo conseqüente arrastamento do navio para
o meio do Estuário, onde o casco restante localiza-se até hoje.
A partir daí, por decisão da Marinha, a competência da retirada do cargueiro daquela região passaria à Codesp, por
meio da Portobrás.
A constante transferência de responsabilidade para solucionar o problema gerou polêmica e clamor público, como
reação à ausência de soluções para remoção do navio.
Em 1998, por meio da balsa Superpesa VIII, chegaram a Santos mergulhadores para iniciar o serviço de
demolição do Ais Giorgis (São Jorge, na tradução para o português) e avaliar o estado do navio.
Na ocasião, foram colocadas bóias sinalizadoras no local como forma de alerta aos navios que ali transitam. Caso
apareçam empresas interessadas na retirada dos destroços da embarcação, a história do Ais Giorgis ficará registrada apenas nas imagens e não
mais será vista no estuário do maior porto da América Latina (LC).
Foto: José Carlos Silvares, publicada com a matéria
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