ROTEIRO DA INSEGURANÇA - 9
Conscientizar transportadores e motoristas, uma solução
Foto: arquivo, publicada com a matéria
É possível evitar novas tragédias?
(Soluções existem: revisão de oleodutos e equipamentos industriais, planos
preventivos e corretivos e, ainda, a conscientização da comunidade)
Texto de Manuel Alves Fernandes e Lane Valiengo
Fotos: Arquivo
I
Críticos da insegurança da Baixada Santista e representantes de indústrias concordam
pelo menos em um ponto: é necessário criar um organismo, a nível estadual, que, a exemplo da Cetesb, fiscalize as condições de operação dos
oleodutos, tanques e equipamentos industriais.
Atualmente, a Cetesb tem poderes apenas para punir as indústrias que liberem para a
atmosfera gases, líquidos ou resíduos poluentes. Assim, se uma fábrica deixa vazar nafta, por exemplo, é punida porque lançou na atmosfera um
produto nocivo. Se o duto que conduzia o produto estava podre, mal conservado e se nessas condições pode novamente vazar, a Cetesb não tem
competência para impor à indústria obras de reforma de todo o sistema.
Um exemplo curioso do acidente na Vila Socó é a
batalha que se trava, à margem do processo crime que corre na 2ª Vara de Cubatão, em que os promotores públicos José Carlos Pedreira Passos e Marcos
Ribeiro de Freitas desejam a condenação de funcionários da empresa responsável pela incúria que deu causa ao incêndio. Os promotores têm demonstrado
nos autos que temem a ocorrência de acidente semelhante ao da Vila Socó apenas porque até agora não foi instalado nenhum sistema de válvulas de
alívio que deixe, com certa margem de segurança, a população mais tranqüila a propósito de novos vazamentos.
Além disso, os promotores vêm denunciando, desde abril, que os oleodutos estão
corroídos. Há menos de um mês, como se as denúncias fossem proféticas, vazou um duto de nafta e, ontem, um de gasolina que estava em testes.
II
Mas, esse não é o único aspecto da questão. Técnicos do IPT chegaram a sugerir, há
meses, que o sistema de condução de derivados de petróleo fosse controlado por computadores. Atualmente, há apenas operadores manuais, sem válvulas
de alívio. Se houver excessiva pressão em um duto, até que o fato seja descoberto não há como parar o envio do material, senão pela simples parada
do bombeamento. Quando vazou nafta nas proximidades da Basan, a Petrobrás injetou água para empurrar o produto para outro tanque. A bomba de
reversão estourou, segundo a Cetesb, e aí vazou mais água e diesel.
O superintendente da Refinaria Presidente Bernardes,
Arthur Cassiano Bastos, revelou que a empresa está preocupada com a situação dos oleodutos. Daí, contratou a Montreal - uma empresa de nível
internacional - para verificar o estado de todas essas canalizações. A Montreal usará um aparelho muito sensível que flutuará no interior dos dutos,
como se fosse uma rolha, registrando falhas nos canos, apontando-os e facilitando os serviços de reforma, que também ficarão a cargo dessa empresa.
Acredita-se que, em 1985, esses serviços sejam executados também na Baixada Santista. Por coincidência, o contrato foi assinado na véspera do
vazamento de nafta.
III
Os vereadores Armando Campinas Reis, Manoel
Ubirajara e Romeu Magalhães formaram uma comissão que, em janeiro, iniciará um programa de revisão de dutos, tanques e instalações industriais,
esperando contar com o apoio das indústrias. Essa comissão recomendará a remoção dos tanques da Basan para o interior do parque industrial, opinião
compartilhada pelo prefeito José Osvaldo Passarelli.
Campinas prega a formação de uma entidade semelhante à Cetesb, porém a nível
municipal, para acompanhar transporte de cargas nas vias urbanas e rodovias estaduais. Ele espera que o Governo Montoro conclua estudos para a
formação de grupos de trabalho que imponham medidas de segurança mais rigorosas nas indústrias e no transporte de produtos químicos, fazendo
respeitar, nesse último caso, as normas do Decreto 88.821.
Ele e Florivaldo Cajé afirmam que, ao contrário de idéias mais alarmistas, é
perfeitamente possível a comunidade de Cubatão e da Baixada Santista conviver pacificamente com o parque industrial, desde que as instalações sejam
mantidas com segurança, sem vazamentos e sem risco.
A propósito, vale lembrar a declaração de um ex-diretor de indústria, ainda ligado a
Cubatão, que foi taxativo sobre a série Roteiro da Insegurança: "Vocês estão fazendo um ótimo trabalho, pois
acredito que haja necessidade de revisar todas as instalações industriais. Em Londres, há fábricas de produtos químicos perigosos que operam
rodeadas de residências. Lá, nunca houve vazamentos, porque a preocupação com a segurança é cultuada, ao contrário do que ocorre em nosso País.
Podemos e necessitamos conviver com as indústrias, pois elas geram empregos e divisas ao País. Porém, não é necessário que morramos por causa disso.
Basta usar a mesma inteligência que montou a indústria para fazê-la operar com segurança".
Conscientização, a única saída
De repente, por obra e graça divina, poderiam ser enviados sofisticados equipamentos
de combate à poluição e acidentes ambientais; os governos do Estado e Federal poderiam enviar recursos ilimitados para o treinamento de equipes
técnicas e compra de barcos e veículos, entre outros itens; quem sabe, o transporte de cargas perigosas fosse severamente fiscalizado e os políticos
resolvessem deixar os discursos de lado e partir para uma ação permanente em defesa do meio-ambiente, inclusive com a elaboração de leis adequadas.
Talvez fosse possível até afastar todas as sérias ameaças que transformaram a Baixada Santista na região mais insegura do planeta.
Mas nem mesmo assim seria suficiente para que o Roteiro da Insegurança deixasse
de existir, que se transformasse em "Caminho da Tranqüilidade". E por uma única razão: a solução vital, fundamental e primeira para a questão da
insegurança é a conscientização.
Só a partir do momento em que todos - desde transportadores, industriais, autoridades,
políticos, técnicos e a comunidade em geral - entenderem que a vida deve ser preservada e os perigos controlados, estaremos começando a mudar a
imagem da Baixada. "Nós temos memória curta, as tragédias acontecem, e logo depois ninguém se lembra mais",
diz o coronel Nilauril Pereira da Silva, comandante dos Bombeiros.
E de esquecimento em esquecimento nos atolamos na insegurança, na omissão, na
insensibilidade. O meio-ambiente? Ora, quem se importa?
Para Nilauril, o povo e as autoridades têm o dever de fiscalizar o ambiente. E são
necessárias medidas drásticas, para serem respeitadas mesmo. Como, por exemplo, a vigilância na saída dos produtos perigosos: "O
problema é na saída", diz o coronel. "Temos que partir para conscientização dos
transportadores e dos próprios motoristas".
Mas a grande esperança do comandante é que todos consigam abrir os olhos para o
perigo: "Se tivermos normas a nível nacional, e todos sejam obrigados a cumprir, o próprio cidadão se transformará em
fiscal". E ele completa: a consciência é uma questão social, geralmente as pessoas se assustam mas, depois, logo pensam
que a responsabilidade não é delas. E logo passam o problema para os outros. "Quando os responsáveis somos todos nós".
E o coronel ainda lembra outro aspecto: não existe, na realidade, ninguém que diga que
tal produto perigoso ou tóxico não será descarregado, por representar riscos.
Para o gerente regional da Cetesb, Luís Carlos Lencione Valdez, é preciso saber quem
manipula o quê, quais são as cargas perigosas e além de tudo, um plano global para a região, com características preventivas, tipo "acidente zero".
Pois, para ele, "depois que os acidentes acontecem, não adianta mais nada".
Valdez também diz que é preciso começar a conscientizar a comunidade e,
principalmente, todos os envolvidos na manipulação de cargas perigosas. E, como Nilauril, ressalta a importância de um trabalho unificado, conjunto,
para evitar o desperdício de recursos e a multiplicidade de atribuições.
Outra providência: a fiscalização rigorosa na entrada da Cidade para se saber como as
cargas perigosas são transportadas. Com poder para impedir que uma carreta continue trafegando e verificando se os contêineres estão com as travas
em ordem, se a carreta tem carroçaria de madeira (o que é ilegal), se a carga está protegida por lona e bem embalada etc. E, ainda, a criação de
postos de fiscalização na Anchieta e na Imigrantes.
As empresas transportadoras, para Valdez, deveriam contar obrigatoriamente com um
engenheiro de segurança. "Mas que não fosse só para cumprir a lei, mas sim que trabalhasse efetivamente, prevenindo os
acidentes", observa o coronel Nilauril.
O vereador Adelino Rodrigues tem uma sugestão: que se criem vias expressas exclusivas
para o transporte de cargas perigosas. Desde que, é claro, o produto transportado seja absolutamente necessário. Adelino reclama ainda o apoio do
Poder Público na questão da segurança e acha que as empresas não deveriam ver os políticos como inimigos, mas sim como pessoas "dispostas
a contribuir para solucionar os problemas".
"E é preciso lembrar ainda que, na Assembléia
Legislativa, Valdez sugeriu a criação urgente de um Departamento de Controle da Poluição Marítima. Que, logicamente, depende de verbas,
equipamentos, funcionários etc."
Contra o tempo - Depois de alguma tragédia ambiental, todos correm à procura de
planos milagrosos. Foi assim com o despejo de óleo em Bertioga, com o incêndio da Vila Socó e, agora, com o
isocianato que matou milhares em Bhopal, na Índia. A síndrome de Bhopal, pelo menos, fez com que a insegurança fosse discutida. Reuniões,
seminários, estudos, propostas de nova legislação, controle de produtos químicos. Um pouco do que os ambientalistas vêm pedindo nas últimas décadas,
inutilmente.
A corrida, agora, é contra o tempo. Para a Baixada Santista, contra os minutos e os
segundos. Além de estarmos literalmente sobre muitas bombas atômicas, prontas a detonar a qualquer instante, existe um verdadeiro "coquetel" de
produtos químicos no ar, em suspensão. E não se sabe qual o efeito disso para as pessoas, de que forma a população está sendo afetada. Existem
apenas suposições. E são as mais negras possíveis.
Até hoje, estivemos atolados na indiferença, na omissão, na intolerância, na
ignorância. Agora, resta esperar que, pelo menos, não haja tanta indiferença. E que o povo resolva, definitivamente, exigir o seu direito de viver
com mais segurança e tranqüilidade, com mais dignidade.
É possível, sim, evitar novas tragédias e impedir que a Baixada Santista, a região
mais insegura do planeta, sofra novas tragédias e não desapareça depois de explosões em cadeia. Só que as tragédias só serão evitadas quando cada um
de nós resolver fazer uso da liberdade a que temos direito.
Pois insegurança - e principalmente a insegurança da Baixada - nada mais é do que o
reflexo da impunidade que reina absoluta no País.
Cenas como esta não podem se repetir. Nunca mais
Foto: arquivo, publicada com a matéria
E o oleoduto vazou
Um forte odor de gasolina descoberto logo pela manhã nas proximidades do Km 33 da Via
Anchieta, altura da pista descendente, mobilizou os técnicos da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) para verificar riscos de
contaminação. Avisada pela Dersa às 7 horas, a Cetesb mandou uma equipe ao local por volta das 9 horas, e os técnicos da empresa constataram que se
tratava de um oleoduto que normalmente transporta derivados de Cubatão para Utinga e que estava em obras de manutenção. Operários da Petrobrás
promoviam testes hidrostáticos com injeção de água com alta pressão no duto, para verificar pontos sujeitos a vazamentos e também para aferir a
resistência da linha.
Segundo a Petrobrás, esses testes são feitos com uma pressão duas ou três vezes
maiores que a pressão normal de operação do oleoduto quando este opera com derivados de petróleo.
A Cetesb constatou, durante a inspeção, que o vazamento ficou restrito ao local onde
ocorreu a avaria da linha e que a água impregnada com gasolina atingiu, em pequena quantidade, um dos braços da Represa Billings, na altura do
Riacho Grande. O oleoduto avariado está passando por uma série de testes hidrostáticos e a última vez em que operou, transportou gasolina de Cubatão
para Utinga. Os reparos do oleoduto foram acompanhados pelos técnicos da Cetesb durante todo o dia de ontem.
Secretário está preocupado
Até hoje, o secretário da Saúde de Santos, Paulo Ricardo de Assis, não tinha pensado
seriamente na questão da insegurança. Mas a partir das denúncias apresentadas pelo Roteiro da Insegurança, ele reconhece: "Santos é um paiol,
não dá mais para ignorar a situação, pois a qualquer momento pode ocorrer outra catástrofe".
Assis diz que está preocupado mas que, a princípio, qualquer atitude deve partir do
Governo Federal. Mas admite que a Sehig tem que chamar para si parte da responsabilidade, não só pressionando o Governo Federal, como também se
aparelhando para atuar em caso de acidentes graves.
Qualquer iniciativa da comunidade terá apoio da Sehig, mas o secretário não sabe bem,
ainda, o que pode ser feito. Ele reconhece que o pessoal dos prontos-socorros não está capacitado para atender tragédias ambientais, mas explica que
está programado, para 85, um treinamento específico, principalmente com o desafogo dos postos a partir da implantação das Policlínicas.
A nível preventivo, Assis diz que pode ser feita uma pesquisa médica para saber quais
os problemas advindos da falta de segurança. A partir do resultado dessa pesquisa, a Sehig terá condições de determinar o que pode ser feito e como
fazê-lo.
O secretário destacou ainda a importância da série Roteiro da Insegurança que
A Tribuna está publicando, considerando-a importante principalmente em termos de conscientização da comunidade diante dos riscos a que a
região está exposta.
Isocianato chega
NORFOLK (Virgínia/EUA)
- Um carregamento de 13 toneladas do letal isocianato de metila, procedente do Brasil - que se recusou a recebê-lo depois da tragédia na
Índia, onde mais de 2.500 pessoas foram mortas por esse gás - chega hoje a Norfolk a bordo de um navio para
iniciar uma viagem de mil quilômetros em dois caminhões, até a fábrica da Union Carbide na Georgia.
As autoridades disseram que todas as precauções possíveis foram tomadas para que esse
produto altamente perigoso atravesse os estados de Virgínia, Carolina
do Norte, Carolina do Sul e Georgia.
Um porta-voz da polícia de Virginia disse que algumas pessoas ameaçaram fazer
manifestações de protesto na passagem dos caminhões, mas advertiu que haverá forte vigilância policial para evitar "o caos".
O carregamento de isocianato de metila - o mesmo que em forma gasosa provocou a morte
de mais de 2.500 pessoas e levou aos hospitais outras milhares em Bhopal, na Índia - está acondicionado em estado líquido, mais seguro, em 55
tambores de 210 litros cada.
Outro carregamento dessa substância letal, rejeitada pela
França, deverá chegar a Norfolk no dia 8. |