Jânio foi eleito presidente em outubro de 60, com 43 anos e mais de 5 milhões de votos Imagem: reprodução, publicada com a matéria
Um arrependimento: não ter fechado o Congresso Nacional
Jânio da Silva Quadros poderia ter fechado o Congresso Nacional no dia 25 de agosto de 1961, antecipando ou abortando - quem sabe? a Revolução de 64. O ex-presidente fez essa revelação em depoimento escrito à revista Seleção de Leitura e Informação, publicada em dezembro de 1975. "Arrependo-me de não tê-lo feito", disse, "pois o Brasil agora poderia ser outro".
Mato-grossense de Campo Grande, Jânio nasceu a 25 de janeiro de 1917, filho do médico Gabriel Quadros e de Leonor da Silva Quadros. Fez o Primário na cidade onde nasceu, iniciando o Ginásio em Curitiba (PR), para onde sua família se transferira, concluindo o curso em São Paulo, onde, com seus pais, se fixara.
Formou-se em Direito na Universidade de São Paulo, em 1939, onde deu os primeiros passos na política, subscrevendo manifestos contra a ditadura do Estado Novo, e participando das eleições do diretório acadêmico da faculdade do Largo São Francisco. Na vida profissional, começou como professor de Geografia e Português no curso ginasial do Colégio Dante Aliguieri. Seus ex-alunos, em depoimentos de 1976, disseram adorar suas aulas, "onde a versatilidade do professor transformava assuntos áridos em interessantes".
Casou-se com Eloá do Valle Quadros, filha de um farmacêutico, em 1942, na capela do Colégio Sion, onde a moça estudara. Do casamento que durou 48 anos - até o falecimento de Eloá, em 22 de novembro de 1990 - nasceu Dirce Tutu Quadros, deputada federal reeleita pelo PSDB. Dirce, em dois casamentos, deu a Jânio e Eloá sete netos.
Gabriel Quadros, pai de Jânio, elegeu-se vereador e deputado estadual em São Paulo, sendo assassinado no exercício do mandato. Em 1945, Jânio Quadros se associou a um ex-colega da faculdade, Francisco de Paula Quintanilha Ribeiro, instalando uma banca de Advocacia e filiando-se a um comitê de bairro da União Democrática Nacional (UDN), que começava campanha pela redemocratização do País, mas ambos não foram aproveitados.
Candidato ao Governo do Estado, Jânio popularizou a vassoura como símbolo do combate à corrupção. Na foto, uma homenagem em Santos
Foto: Rafael Herrera, publicada com a matéria
Vereador por acaso - Em 1948, os estudantes do Colégio Dante Alighieri, empolgados com o talento oratório de Jânio Quadros, lançaram sua candidatura à Câmara Municipal da Capital, apoiados pela Associação de Pais e Mestres da escola.
Jânio escolheu o Partido Democrático Cristão (PDC) para se filiar, porque se dizia católico de centro-esquerda. Obteve 1.700 votos, insuficientes à eleição, porém o vereador eleito pelo PDC teve o mandato cassado e Jânio, como 1º suplente, assumiu a cadeira, declarando-se abertamente opositor ao então governador Adhemar de Barros.
Sua popularidade firmou-se rapidamente. Em 1951, com 17 mil votos, foi o candidato mais votado para a Assembléia Legislativa de São Paulo, onde teve rumorosa e destacada atuação, integrando-se inclusive à campanha de defesa da Lei 2.004, que criou o monopólio estatal do petróleo no Brasil.
No ano seguinte, devolvida a autonomia à Capital de São Paulo, Jânio candidatou-se a prefeito pelo PDC, tendo como companheiro de chapa o esportista Porfírio da Paz, dissidente do PTB. Todos os grandes partidos do Estado, a que se associaram os demais, formaram uma coligação de 112 legendas, para eleger prefeito o professor Francisco Cardoso.
Jânio fazia seus comícios sobre caixotes, sob as marquises das lojas, comia sanduíches sentado no meio-fio e trajava sempre o mesmo terno e os sapatos surrados. A barba e o cabelo crescidos davam-lhe o aspecto de necessidade, completado com uma velha vassoura, usada como símbolo de combate à corrupção. Era a luta de David contra Golias, dizia-se na época, a campanha do tostão contra o milhão.
A 22 de março de 1953, ganhou a eleição com expressiva vantagem sobre as maiores forças políticas do Estado, começando aí uma ascensão eleitoral que o levaria, em poucos anos, à Presidência da República. A fase seguinte seria a disputa do Governo do Estado, em 1954, quando obteve 660.264 votos, vencendo nas urnas dois poderosos concorrentes: Adhemar de Barros (PSP-PSD) e Francisco Prestes Maia (UDN-PTB).
Governador do Estado, Jânio aproveitou na equipe quase todo o antigo secretariado que com ele trabalhou na Prefeitura, convocando, entre outros, o professor Carlos Alberto de Carvalho Pinto para a Secretaria da Fazenda de São Paulo. Depois de sanear as finanças de São Paulo, começou uma administração dinâmica, fundamentada no tripé Educação-Saneamento-Transporte, chegando ao recorde de pavimentar 2 mil quilômetros de estradas.
Em campanha, esteve com os portuários em Santos Foto: Rafael Herrera, publicada com a matéria
A caminho de Brasília - Em 1955, o renome nacional do governador paulista era considerável, e muitos o tinham como predestinado a seguir o rumo da Presidência da República. Jânio, porém, preferiu aguardar. Negociou com o então presidente Café Filho, com quem se aliou politicamente: indicou dois nomes para o ministério e prometeu apoio à candidatura do general Juarez Távora.
Ainda como governador de São Paulo, candidatou-se a deputado federal pelo Paraná, na legenda do PTB: queria um mandato curto para esperar a disputa presidencial que ambicionava, o que conseguiu quase sem esforço, elegendo-se à Câmara dos Deputados sem participar de comícios no estado vizinho.
Quando terminou o mandato em São Paulo, já eleito deputado, partiu com a esposa, a mãe e a filha Dirce Maria para uma viagem ao redor do mundo, visitando Rússia, China, Índia, Egito, Iugoslávia e Inglaterra, avistando-se com os dirigentes desses países, e entrevistando-os. Desses contatos nasceu-lhe uma grande admiração pelos líderes do Terceiro Mundo, em especial por Nasser, do Egito, e Tito, da Iugoslávia.
No retorno ao Brasil, já era candidato à Presidência da República pela União Democrática Nacional (UDN), mas em plena campanha surpreendeu a todos com uma viagem a Cuba, onde visitou Fidel Castro, declaradamente marxista. A atitude de Jânio, muito comentada no Brasil e no exterior, foi considerada uma provocação aos Estados Unidos, opositores confessos do regime castrista.
Em campanha, esteve com os portuários e com o então diretor de A Tribuna, Nascimento Júnior Foto: Rafael Herrera, publicada com a matéria
Sem protocolo - Jânio foi eleito presidente da República em 3 de outubro de 1960, com 5 milhões 636 mil 632 votos, aos 43 anos de idade e 13 anos de política, com uma plataforma ambiciosa: frear a inflação, restaurar as finanças, fixar a política cambial, abolir subsídios e promover a livre movimentação da economia.
Começou a governar com uma administração mobilizada e fiscalizada, sob a expectativa da opinião pública, tensa e atuante. Medidas como a restrição aos funcionários públicos, que passaram a trabalhar em dois turnos, aplaudida por muitos, e impopulares, como a proibição de rinhas de galo e corridas de cavalo nos dias úteis, não lhe afetaram a imagem, sempre recomposta.
No Palácio do Planalto, quebrava o protocolo diariamente, substituindo paletó e gravata por conjunto esportivo tipo safári, que popularizou, juntamente com seus famosos bilhetinhos, os mesmos usados na Prefeitura de São Paulo e no Governo Estadual. Ele os utilizava para cobrar providências urgentes dos seus ministros, aos quais fixava prazos de ação e solução nos processos.
Contrastando com medidas populares, que objetivavam a moralização do serviço público, as relações de Jânio com os políticos sofreram deterioração acentuada, principalmente depois da abertura de sindicância para apurar desvio de recursos da Previdência Social. Um dos implicados foi o então vice-presidente da República, João Goulart, líder das esquerdas.
Jânio negou qualquer objetivo de perseguição a Goulart, o que contribuiu para piorar as relações entre ambos, contornadas quando João Goulart recebeu missão oficial para representar o Brasil no Extremo Oriente.
Forças terríveis - Em Pernambuco, ocorreu uma greve de trabalhadores e estudantes, reprimida com violência pelas Forças Armadas, quase ao mesmo tempo de um encontro sigiloso entre Jânio e Carlos Lacerda. O próprio Lacerda se encarregou de divulgar a reunião, vangloriando-se de ter recebido convite do presidente da República e de viajar num avião da FAB colocado à sua disposição pela Aeronáutica.
Jânio desmentiu o convite e o encontro com Lacerda, mandando despejá-lo das acomodações palacianas onde estava pernoitando. Carlos Lacerda, revoltado, ameaçou renunciar ao Governo da Guanabara, iniciando pelo seu jornal, Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, uma campanha contra o governo de Jânio, acusando-o de comunista por ter condecorado Ernesto Guevara.
Os ataques de Lacerda pela imprensa do Rio eram constantes, até que a 24 de agosto o governador foi à televisão para denunciar o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, e o próprio Jânio, de conspirarem contra o regime democrático e tramarem um golpe militar para destituir o Congresso Nacional. A notícia abalou o Brasil e provocou uma convocação extraordinária de Jânio ao Congresso, para explicações.
No dia seguinte, 25 de agosto, depois de presidir as solenidades militares e o desfile do Dia do Soldado, Jânio encaminhou carta-renúncia ao Congresso, que a aceitou às 15 horas e, duas horas depois, empossou na Presidência o deputado Ranieri Mazzilli. O vice-presidente João Goulart se encontrava no exterior e não foi avisado a tempo.
Imediatamente após a renúncia, Jânio viajou com a família para São Paulo, recolhendo-se à Base Aérea de Cumbica. No dia 27, embarcou para exterior para uma longa excursão com a família. Na volta, tentou explicar a renúncia, atribuindo-a a "forças políticas terríveis", e retornar à carreira política, sendo derrotado nas urnas por Adhemar de Barros, na disputa pelo Governo de São Paulo.
Volta à política - Com a Revolução de 64, teve os direitos políticos cassados. Em 1968, fez um discurso contra o regime militar e foi confinado, durante 120 dias, em Corumbá (MT), por decreto do presidente Costa e Silva.
Beneficiado com a anistia, retomou a vida pública e política, elegendo-se prefeito de São Paulo em 1985. Mas já estava muito doente, com dificuldade até para ler, o que não o impediu de imprimir ao seu derradeiro mandato o mesmo tom personalista do começo da carreira. Não faltaram os famosos bilhetinhos aos secretários municipais e as recusas de composição com políticos de outros partidos, o que lhe valeu pesadas críticas na Imprensa.
Como prefeito de São Paulo pela segunda vez, Jânio viajou seis vezes ao exterior, para tratar da saúde da esposa Eloá, às vezes licenciado pela Câmara Municipal, outras, oficiando ao Legislativo depois de ter viajado, o que provocava comentários e críticas nos meios de comunicação.
Depois da renúncia, em 1961, o profeta brasileiro Sana Khan garantiu que Jânio Quadros voltaria à política carregado nos braços do povo, que o reconduziria ao Palácio do Planalto. E lá, Jânio se suicidaria. A doença de Jânio, no entanto, foi mais forte, impedindo-o de prosseguir na política. |