PARTE I - EXPOSIÇÃO E DEBATE
V - Exame da segunda solução prática
Conforme dissemos atrás, os artigos do sr. Saturnino de Brito pecam pela falta de método e de clareza
expositiva. É assim que ele, depois de falar nas duas soluções práticas que apresentou, aprecia a primeira, detalhadamente, e, de seguida, escreve:
"Uma outra solução eficiente será a expropriação dos eixos das ruas
futuras, formadas por vielas de um metro de largura; a lei exigirá que só se possa edificar a um certo número de metros (dependentes da largura
da rua) para cada lado do eixo ou da viela de progresso. Esse recuo, estabelecido em Santos e outras cidades, para se terem jardins nas casas
situadas em ruas largas dos subúrbios, no ponto de vista da estética, pode também ser estabelecido, com o mesmo direito, para as vielas, no
ponto de vista da previsão do progresso".
Supomos que esta "solução eficiente" é a segunda solução prática proposta à nossa edilidade pelo
impertérrito sanitarista. De prática, porém, ela só tem o nome. Contra a sua adoção insurgem-se, como em relação à primeira, os motivos de ordem
econômica, a que já nos referimos. Para se expropriar a grande área de terrenos necessários às vielas de progresso, seria preciso igualmente grande
soma de dinheiro para indenizar os proprietários expropriados.
Ainda mesmo que as disposições da lei de 1855 fossem aplicáveis ao caso, a Câmara não poderia
furtar-se ao pagamento imediato do valor de cada terreno. A referida lei dispõe que o governo ou os concessionários das obras, de forma alguma
tomariam posse da coisa antes de embolsar de seus valor o respectivo dono.
No momento em que fossem abertos os eixos das ruas, os proprietários dos terrenos teriam que
receber o preço correspondente, segundo a Lei Provincial, em vigor; isto na melhor hipótese; mas, de acordo com as estipulações constitucionais, a
indenização teria de ser prévia, isto é, antes de feita a desapropriação. Logo, a Municipalidade, mesmo em futuro longínquo, não poderia abrir as
vielas de progresso, pedidas pelo dr. Saturnino de Brito, sem estar aparelhada dos recursos financeiros indispensáveis aos pagamentos das terras
expropriadas.
Quanto à sua proposição, para que a lei exija as construções a um certo número de metros dos eixos
das ruas - é realmente e pasmosamente infeliz. Não há a menor similaridade entre essa obrigação, lembrada por s.s., e a que determina o recuo das
edificações, para o estabelecimento de jardins nas frentes das casas dos subúrbios, porquanto, neste último caso, o proprietário não é despojado
violentamente da suas terras em proveito público. Ele as conserva para seu uso e gozo, e delas pode livremente dispor, em qualquer tempo.
Somente, no ponto de vista, não apenas estético, qual supõe o sr. Brito, mas, também, da
salubridade geral, a Câmara exige que, em dada porção de terreno, o proprietário construa um jardim, da mesma forma que exige que a casa a edificar
obedeça a certas regras higiênicas, artísticas e arquitetônicas, prescritas pelo padrão municipal.
Na solução proposta pelo chefe da Comissão de Saneamento, ao contrário, o dono da coisa fica
privado inteiramente dela - e sem indenização.
Em abono de suas soluções - nenhuma das quais a Câmara pode razoavelmente aceitar - e contrariando
os escrúpulos constitucionalistas da Municipalidade, e nossos, alegará s.s. que o Governo da União, para reformar a capital da República, aplicou ao
nosso atual estado jurídico as disposições da lei de 1855, que o sr. Saturnino de Brito reclama, e que atentam contra o direito de propriedade,
garantido, em toda a sua plenitude, pela Constituição Federal.
Devem todos estar lembrados da celeuma que esse inqualificável atentado levantou então e das
numerosas pendências que o Governo Federal teve que sustentar com os proprietários esbulhados de seus domínios.
Não será a nossa Câmara que vá pedir ao Governo do Estado a incorporação de uma lei
inconstitucional o conjunto de sua legislação; nem quem se lembre de espoliar os proprietários santistas dos seus justos direitos à posse de suas
terras. A revogação da Postura Municipal sobre recuo de prédios, sem indenização, é a prova de que a Câmara reputa ilegal e indébita a apropriação,
por parte do Poder Público, da propriedade alheia, naquelas condições; e afirma ainda uma vez a lealdade com que ela reconsidera atos que praticou
de boa fé, diante dos exemplos dos altos poderes, mas que verificou depois serem atentatórios da lei e do Direito.
Chame o sr. Saturnino de Brito a si a tarefa, odiosa e antipática, de pedir ao Governo de S. Paulo
que, adotando as disposições da Lei Geral de 1855, esbulhe das coisas de que são legítimos donos, e possuidores, os proprietários de Santos. A nossa
Edilidade é que jamais se prestará a esse papel, porque ela pensa que nenhum governo tem o papel de fazer melhoramentos públicos à custa da
propriedade particular.
Ufana-se s.s., por fim, no término do segundo artigo, do incomparável sucesso que a sua planta
alcançou, quando exposta no edifício da Associação Comercial. De todas as partes do mundo vieram insistentes pedidos de exemplares e retumbantes
encômios ao seu autor, alcandorado olimpicamente nas alturas capitolinas da mais intensa glorificação.
Só a Câmara de Santos quedou-se fria diante de tão jubiloso acontecimento; e o sr. Saturnino de
Brito atribuiu tal indiferença a desejos inconfessáveis de acautelar interesses de amigos, que não aproveitavam com a sua planta.
Entretanto, do próprio final de seu artigo, consta a razão formal por que se não escandeceu de
entusiasmo, inoportuno e injustificável, a nossa ponderada Administração Municipal: o sr. Saturnino confessa que o grande sucesso alcançado pela
planta em exposição foi o início da valorização de muitos terrenos em algumas zonas. Ora, a Câmara que ia pagar as indenizações exigidas pelo
ilustrado engenheiro não podia ficar, de modo algum, contente com a súbita valorização de que tanto se ufana e faz alarde s.s.
Se o sr. dr. Saturnino de Brito fosse mais refletido e menos leviano, antes de expor a planta, que
provocou tamanho entusiasmo, aumentando o valor dos terrenos a expropriar, teria, sensatamente, conseguido de seus superiores e amigos da
Administração Estadual, ou as alterações que mais tarde propôs, dificultando o acréscimo do valor das propriedades, ou a promessa categórica de que
o Estado as desapropriaria, depois de valorizadas, mercê das réclames espalhafatosas, nacionais e estrangeiras, que celebrizaram a exposição
do projeto.
Estranhar, porém, que a Câmara não batesse palmas de satisfação a um plano que, antes de aprovado,
já determinara a elevação do preço das terras a desapropriar - é supor gratuitamente que os vereadores do nosso Município são desprovidos, não só de
capacidade administrativa, mas até do simples senso comum.
Imagem: reprodução parcial da obra de
Alberto Sousa (página 35) |