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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - RADIOFONIA
Hermenegildo, o radialista da PRB-4

Ao completar seu 90º aniversário em 1985, o presidente da Rádio Clube de Santos (PRB-4), Hermenegildo Rocha Brito, foi homenageado com uma crônica da saudosa Lydia Federici, transcrita a seguir:

O velho radialista

Lydia Federici (*)

Tem, à cabeceira da cama, um rádio-relógio. Que, às 5 horas de cada manhã, principia a dar um zunido e pequenos estalos quase inaudíveis. Sinal de que, no minuto programado, principiou a cumprir sua função. Mas, aos ouvidos que lhe captam a quase silenciosa mensagem de trabalho, não é isso que interessa. E sim o som da estação radiofônica que, àquela hora, precisamente àquele minuto, precisa e deve entrar no ar.

Se a transmissão começa, tudo bem. O senhor sorri satisfeito. Se há atraso, ele principia a ficar inquieto. Aborrecido. E, às cinco e cinco, não mais agüentando a falta dos sons musicais e das palavras que dão o prefixo da rádio, ele telefona para seus estúdios.

"Qual a razão do atraso?" - pergunta, com um leve sotaque português que ainda conserva. Tem razão para querer saber o que aconteceu. É o diretor-presidente da B-4. Desde o ano de 1927. Mil, novecentos e vinte e sete, escrevi certo, sim senhor.

Hermenegildo da Rocha Brito, apesar do sotaque, é muito brasileiro. Apenas viveu, quando menino, seis anos na boa terra. Homenageia-a, sim, com seu jeito gostoso de falar.

É o mais antigo radialista da Baixada. Talvez do Brasil. Vem do tempo do nascimento da velha B-4, uma das primeiras rádio-transmissoras nacionais. Se chegou à sua presidência em 27 - pense um pouco, amigo - é que mesmo antes já devia estar ligado às lutas da estação, não? Foi locutor. Foi tudo. Montou, inclusive, rádios. Consertou e deu jeito em todos os problemas próprios da infância de uma novidade em que nem mesmo os que lhe ouviam as transmissões faladas, cantadas, musicadas, conseguiam acreditar. Como poderia ser e acontecer aquele fenômeno?

Sei o que você, amigo, que se liga em cada frase e palavra que lê, está querendo e tentando adivinhar: qual a idade, então, do senhor presidente da B-4. Digo-lhe: reunido à família, comemora neste dia, o seu aniversário ocorrido ontem. Festeja-o hoje por ser sábado, entende? E sabe que idade tem? Noventa maravilhosos anos!

Quero ainda, amigo, dizer-lhe mais alguma coisa: com 90 anos, Hermenegildo da Rocha Brito não só ouve, a cada romper de dia, a ida para o ar da emissora que há 58 anos preside - e à qual, há mais alguns anos, pertence. Naquele tempo, ao mudar-se para Santos, aqui chegou na parte da manhã. Depois do almoço, do mesmo dia, sim, foi trabalhar. Ainda agora, vai par os estúdios da Rua José Cabalero, às 8h30. Volta para almoçar com as filhas. Retorna ao escritório logo após, ali permanecendo até as 18 horas. Horário duro, num trabalho tão querido e apaixonante que, em suas quase oito décadas, nunca tirou férias.

Vê, amigo, por qual razão - se, mesmo arriscada a levar um comovido e respeitoso puxão de orelhas de quem, trabalhando em rádio, vivendo de um trabalho de comunicação e propaganda, não gosta de propaganda pessoal -, esta jornalista fez a crônica? Focalizando um homem devotado ao trabalho como poucos, por aí além, o terão feito?

É isso aí. Parabéns, fabuloso Hermenegildo Rocha Brito!

(*) Lydia Federici foi cronista durante muitos anos em Santos, mantendo a coluna Gente e Coisas da Cidade no jornal A Tribuna. Texto publicado em 29 de junho de 1985, um sábado.