Contrabando
(...) A tragédia e a comédia costumam andar juntas pelo cais ou vagarem, da mesma maneira,
pela barra e ao redor das ilhotas. Quem sabe muito bem disso é o supervisor Neyder Barros, do Grupo de Vigilância, Busca e Repressão ao Contrabando
(GVBRC), que já tem 28 anos de trabalho contínuo no combate ao contrabando no porto de Santos.
Ele viveu muitas histórias tristes, trágicas, que é capaz de lembrar uma a uma. Mas, como
essas são as que, comumente, ganham as manchetes de jornais, pedimos a Neyder que selecionasse os casos mais cômicos do contrabando do porto da
cidade. Aqueles que fizeram e continuam fazendo muita gente do meio rir bastante. Neyder foi gentil e, até, de próprio punho, escreveu as histórias
alegres que guardou na lembrança. Vamos a elas:
HISTÓRIAS
Golpe de Mestre (Cuca) - Durante uma operação de busca, em navio de passageiros, um
fiscal aduaneiro observou que um dos cozinheiros da embarcação acompanhava com excessiva atenção a toda a operação de vistoria nos camarotes,
lavanderias e outras instalações e compartimentos. Intrigado com sua atitude e com o seu largo e altíssimo chapéu de mestre-cuca, o fiscal teve um
repente de intuição. De supetão, arrancou-lhe da cabeça o chapelão e o resultado foi auspicioso: lenços de seda, bijuterias, frascos de perfumes e
baterias para relógios, bem acondicionados, ali estavam, debaixo da cartola do sabujo cozinheiro. Ele ainda quis alegar que era mágico, mas, segundo
seu comandante, nem como cozinheiro mexia bem com um coelho...
Batina milionária - Um bem falante e amável padre apareceu, certo dia, no porto de
Santos. Depois de distribuir venerados santinhos aos trabalhadores e falar muito de Deus, o vigário, ao passar por uma das saídas do cais, deparou
com um fiscal, que de longe e de há muito estava de olho nos seus passos. Durante a revista, não deu outra: valiosas barras de prata estavam
costuradas sob a batina do benevolente ministro de Deus.
Quando os músicos dançam
- O truque é velho nas virações do contrabando, mas sempre aparecem novos espertalhões para tentá-lo. Trata-se do grupo de músicos que, sobraçando
estojos de violinos, saxofones etc., aparece pelo cais. Quando interpelados pelos fiscais e obrigados a abrir seus estojos para mostrarem suas
qualidades artísticas, o esquema dança. Inevitavelmente, aparece a muamba, ao invés dos instrumentos, e os artistas, a essa altura, não
conseguem nem demonstrar um mínimo de criatividade. Sempre apelam para a mesma e velha saída: "Mas quem é que foi que colocou esses negócios aqui
dentro?..."
Sacrilégio - Ao revistar a bagagem de um imigrante oriental, um fiscal deparou com
uma caixinha de madeira, contendo um pozinho muito esquisito. Intrigado com o troço, o fiscal tentou interrogar o seu portador, um pequenino chinês:
não deu pé, porque um não falava a língua do outro e o outro não falava a língua do um. Impávido no cumprimento de seu dever, o fiscal deteve o
chinês até, horas depois, ser localizado um intérprete. A essa altura, o fiscal já tinha, por várias vezes, cheirado o tal pó, chegando mesmo, numa
delas, a tomar nos dedos uma pequena porção e prová-la com a língua. Mas o esclarecimento só aconteceu com o intérprete que, depois de ouvir o
chinês, virou-se para o fiscal e explicou: "Essa caixinha de madeira é uma espécie de urna e o pó, que está dentro dela, são cinzas de antepassados
desse marujo". No dia seguinte, um conhecido jornal sensacionalista abriu manchete: Fiscal devora família chinesa.
Sem atraso - O navio conduzia, entre outras mercadorias, caixas de despertadores.
Vários estivadores, aproveitando a avaria de uma das caixas, esconderam, sob as vestes, alguns dos relógios. O azar de um deles, porém, foi pontual,
pois, ao cruzar por um fiscal, já prestes a abandonar o navio, aconteceu o pior: o relógio desperta, com toda a estridência... Foi só chamar mais
gente da fiscalização e ordenar que ninguém abandonasse a embarcação para que, minutos depois, fosse realizada uma boa "coleta" de relógios. Moral
da história para o orgulhoso fiscal, depois do cumprimento da missão: "A Justiça tarda, mas não atrasa...".
Jornal mensal Preto no Branco, de
Santos, edição de 31/7 a 30/8/1980 |