Fenômeno interessante
Ontem, pela manhã, recebemos do nosso
correspondente de Santos o seguinte telegrama:
"A população desta cidade foi hoje
surpreendida com a notícia de ter rebentado um vulcão na vila Macuco.
O fato causou grande sensação, sendo enorme o
número de pessoas que, em bondes, se dirigem para aquele local.
Vimos o tal vulcão, conforme uns afirmam e
outros negam. Acha-se na Rua Ana Carvalhaes, lugar plano, onde, de um buraco que ontem abriram para sondagem, a fim de serem colocados esgotos, sai
uma larga língua de fogo da altura de 9 metros.
Junto com o fogo sai uma grande quantidade
d'água, acompanhada de lama, reduzida a cinza.
Os engenheiros desta cidade procedem a exame
no lugar em que se dá o fenômeno.
Em redor da erupção da terra nota-se um
constante tremor. A uma grande distância, ouve-se um ronco produzido pelo fogo.
Mais de 8.000 pessoas têm visitado o lugar.
Mais tarde enviarei outros pormenores".
Às 5 horas da tarde recebemos o seguinte:
"Continua a tomar proporções assustadoras o
vulcão na vila Macuco.
Os moradores com suas famílias fogem com
receio de algum abatimento de terra.
Alguns engenheiros atribuem a causa do fato a
gases comprimidos desde os tempos em que aquilo era um extenso lamaçal.
Nada posso por enquanto afirmar a este
respeito.
Uma grande romaria de povo continua a
dirigir-se para o local, onde compareceu a comissão de saneamento.
Enviarei logo mais pormenores."
Às 8 1/2 da noite, chegou-nos mais a seguinte
notícia da mesma origem:
"O vulcão continua a vomitar grandes línguas
de fogo, conjuntamente com areia, pedras e lama.
Parece que não se trata propriamente de um
vulcão.
As águas que irrompem de meio da cratera são
friíssimas e não ardentes, como acabo de ler numa folha da tarde dali.
No momento em que passo este telegrama, as
ruas General Câmara, Direita e Largo do Rosário estão apinhadas de povo que espera o bonde para se dirigir para aquele local.
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O dr. Alfredo Lisboa, chefe do saneamento do
Estado, recebeu do dr. Villa-Nova, chefe da comissão de Santos, o seguinte telegrama, que narra exatamente como se deu o interessante fenômeno.
"Ontem, às duas horas da tarde, em companhia
do engenheiro Main, percorria eu os serviços de estudos e passávamos em revista os trabalhos de sondagem, na Rua Barnabé Carvalhaes, abaixo dos
Outeirinhos, quando observamos um desprendimento de gases com tal pressão que a mão do trabalhador, colocada no orifício da sonda, produzia
pela vibração o som de um apito de máquina a vapor. Previ imediatamente que nos achávamos perto da camada permeável de onde íamos obter uma fonte de
água ou de hidrocarbureto e hidrogênio.
Ambos os gases produziam explosão e depois
uma corrente de areia em mistura com água, que se eleva à altura de cerca de cinco metros, desde as sete horas da tarde de ontem.
Creio que tal fenômeno produzirá modificação
nos planos de saneamento de Santos, com grande economia para o Estado e bem estar para a população.
As camadas atravessadas pela sonda são, a
contar da superfície: de 0 m a 0,60 m, areia argilosa; de 0,60 m a 2,10 m, areia argilosa impregnada de água; de 2,10 m a 9,20 m, areia fina
fortemente impregnada de água; de 9,20 m a 9, 70 m, argila arenosa negra; de 9,70 a 17,40 m, argila plástica. Nessa profundidade observou-se forte
desprendimento de gases. De 17,40 m a 18 m, notou-se ascensão violenta, pelo tubo de areia, água, conchas e pedras de grés argiloso, até cinco
metros de altura, e gases em alta pressão que ardem na boca do tubo como colossal bico de gás com chama de 4 metros de altura".
***
O dr. Ferreira dos Santos, chefe do telégrafo
nacional, também recebeu uma comunicação telegráfica da repartição santista.
Ei-la:
"Ontem, à uma hora da tarde, na vila Macuco,
a cinquenta metros do canal, os trabalhadores da comissão de saneamento, depois de terem introduzido introduzido no solo um tubo de 17 metros de
comprimento, para assentamento das máquinas da mesma companhia, foram obrigados a suspender o serviço, devido a uma fortíssima corrente de ar muito
frio, que saía do mesmo tubo.
Das 6,30 às 7,30 da manhã de hoje, foi ouvido
um apito seguido, que saía pelo dito tubo, ora forte, ora fraco, produzindo um som ora grave, ora agudo.
Às 7,30, rebentava pelo tubo um jorro de água
muito forte, arroxeada, que, em contato com o ar, inflamava-se produzindo uma chama amarela.
Nos primeiros momentos, caíram pedaços de
lodo róseo petrificados. A água, depositada então numa garrafa, conserva ainda a cor arroxeada, não havendo depósito das partículas que lhe
comunicam a cor.
Fui ao local e observei tudo a dois metros de
distância.
Continua jorro de água e, de vez em quando,
saem pedaços de lodo róseo com a consistência natural.
A água, que sobe a dez metros de altura,
evapora-se facilmente, continuando a inflamar-se.
Nas imediações, há combustão e cinza, muito
parecida, pelo particular, com a dos vulcões, e com gosto de sal.
Parece haver por ali cloreto de potássio.
O jorro de água tem o diâmetro de uma moeda
antiga de 40 réis.
Agora, à uma hora da tarde, desapareceu o
tubo da sonda por onde saía o jorro da água, que não se percebe mais.
As chamas continuam, porém, a subir, do
buraco onde esteve a sonda, o qual está tomando maiores proporções.
Há depósito de cinza e lodo em redor".
***
À noite, estiveram reunidos em nosso
escritório o dr. Alfredo Lisboa, que teve a amabilidade de dar-nos uma cópia do telegrama que lhe transmitira o dr. Villa-Nova, o dr. Orville Derby,
ilustre chefe da comissão geológica e geográfica, a quem enviáramos um companheiro de redação para colher informações e esclarecimentos, o dr.
Villa-Nova, que veio de Santos pelo trem da tarde para conferenciar com o dr. Lisboa, o conhecido engenheiro geólogo dr. Gonzaga de Campos e os
engenheiros drs. Euclydes Cunha e Bueno de Andrade.
O dr. Villa-Nova confirma todos os fatos
narrados no seu telegrama, que, como facilmente se verifica, está em desacordo, em alguns pontos, com os que nos transmitiu o nosso correspondente e
com o que o sr. Ferreira dos Santos recebeu do chefe da repartição telegráfica de Santos.
O fato, apesar de importante e curioso, não
tem a gravidade que a princípio se lhe deu.
Trata-se, com toda a probabilidade, de um
simples escapamento de gases dos pântanos, que rodeiam a cidade de Santos, por um orifício de pequeníssimas dimensões. Não há, pois, motivo algum
para que o povo de Santos se aterrorize.
A sonda que penetrou no solo era apenas de
três polegadas de diâmetro, e o orifício, que ela deixou, muito pouco cresceu.
A hipótese de um vulcão deve ser inteiramente
desprezada. Produto de imaginação popular e nada mais.
É esta a opinião do dr. Villa-Nova,
plenamente aceita por todos os que o ouviram.
O dr. Orvile Derby disse-nos que na foz do
Mississipi, nos Estados Unidos, se produz, de quando em quanto, fenômeno semelhante, sempre de pouca duração, o que provavelmente também sucederá em
Santos.
Além da hipótese do escapamento de gases dos
pântanos, muitas outras surgiram durante a conversação, mas nenhuma com tantos visos de verdade.
Esta sugeriu apenas uma dúvida:
Como se explica a combustão?
O dr. Villa-Nova supõe que algum curioso se
aproximou à noite do tubo da sonda, com vela acesa, e que a chama da vela se comunicou ao gás, que escapava.
***
O dr. Alvaro de Carvalho, secretário da
Agricultura, ao ter conhecimento do fato, determinou que a comissão de saneamento desse todas as providências ao seu alcance e que o chefe da
comissão geológica seguisse para Santos a fim de fazer os necessários estudos.
O dr. Orville Derby parte hoje pelo trem das
7 e 20. Pelo mesmo trem, regressa o dr. Villa-Nova e é provável que também vá o dr. Alfredo Lisboa.
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Se recebermos mais informações de Santos, os
leitores as encontrarão na seção telegráfica. |