Ampliação de cartão postal da década de 1920 detalha as instalações da Águas do Itororó à esquerda e do funicular à direita, ambas
ao fundo da imagem, no sopé do Monte Serrate
Foto: acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa
HISTÓRIA
No apagar das luzes
A característica neocolonial da arquitetura do imóvel da antiga empresa Águas do Itororó, no sopé do Monte Serrat, passa despercebida por conta do abandono do prédio
Tatiana Lopes
Da Reportagem
Importante exemplar da arquitetura neocolonial da Cidade, o imóvel onde hoje funciona a Coordenadoria Elétrica da Prefeitura (Coel) está em situação de
abandono. Apesar de ser ocupado por departamentos públicos, o prédio não esconde as marcas de degradação deixadas pelo tempo, como a deterioração da fachada e do telhado.
Situado na Praça Correia de Mello, 42, o edifício fica no sopé do Monte Serrat, ao lado da sede do Corpo de Bombeiros, o Castelinho (entre as ruas Martin
Afonso e Bitencourt).
Atualmente, o imóvel também serve de sede para o almoxarifado do Departamento de Obras (Deob) e o Departamento de Fiscalização de Ambulantes, da Secretaria de Economia e Finanças (Sefin).
Mas nas décadas de 30 e 40, a edificação abrigou, por quase 20 anos, a [empresa Águas do Itororó,] que, além de engarrafar água da famosa fonte, fabricava refrigerantes, água tônica, xaropes
e gelo. No mesmo imóvel, também funcionava o Bar Itororó, conhecido como casa de churrasco.
No terreno de 700 metros quadrados, ainda é possível encontrar o chafariz construído para canalizar a água da bica do Itororó, as imponentes palmeiras imperiais, a estação do funicular
do Monte Serrat, além das instalações do antigo bar e da empresa.
Uma das partes mais desfiguradas do imóvel é a localizada em uma área interditada em 1990 pela Defesa Civil. Em março de 1988, houve um deslizamento de terra. Na época, o prédio abrigava
a triagem da Assistência Social da Prefeitura. Dois anos depois, um laudo do órgão atestou que parte do edifício estava em uma área que poderia ter possíveis deslocamentos de terra, em casos de fortes chuvas, e interditou o local. Atualmente, esse
espaço é usado como depósito de material.
Mais atenção - "Em uma época em que a recuperação de antigos equipamentos urbanos tornou-se um aliado na luta para melhorar a qualidade de vida em cidades de todo o mundo, penso
que devemos prestar mais atenção ao abandonado e desfigurado conjunto urbanístico-arquitetônico do Recanto do Itororó", diz o historiador Arnaldo Ferreira Marques Júnior, técnico do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa),
que fez um levantamento histórico sobre o imóvel.
Além da relevância histórico-arquitetônica que esse edifício possui - como legítimo representante tanto do estilo neocolonial quanto do hoje esquecido surto industrial em Santos nas
primeiras décadas do século 20 - Marques Júnior acredita que a importância dessa antiga fábrica-bar decorra pelo que ela representa como alternativa para a revitalização harmoniosa do Centro.
"Enquanto não for viável dar um uso mais lúdico ao edifício, o melhor seria conservá-lo em sua integridade arquitetônica, à espera de um futuro projeto que revalorize o conjunto do
Itororó e devolva à Cidade um precioso espaço de lazer hoje esquecido".
O imóvel abriga hoje a Coordenadoria Elétrica da Prefeitura e pode ser restaurado em 2005
Foto: José Moraes, publicada com a matéria
Restauração - O chefe do Departamento de Obras da Prefeitura, Carlos Alberto Tavares Russo, disse que a restauração da fachada e do telhado do imóvel está nos planos da
Administração para 2005. "A intenção é começar a fazer o levantamento histórico e o projeto para a execução das obras logo no início do ano que vem. Já o restauro será feito no decorrer de 2005".
Para realizar os serviços, a Prefeitura contará com a assessoria técnica do Condepasa. "Será feito um projeto e a prospecção da fachada para identificar que tipo de pintura deverá ser
feita. Mas dependemos ainda de algumas documentações que deverão ser fornecidas pela Prefeitura", disse o arquiteto Edson Sampaio, técnico do Conselho.
Segundo o Condepasa, o imóvel não é tombado. Mas está localizado em área de proteção cultural, com nível 2 de preservação (fachadas e telhados).
Uma parte do prédio foi interditada pela Defesa Civil em 1990
Foto: José Moraes, publicada com a matéria
Recanto virou local de passeio no século 18
Desde meados do século 18, algumas décadas antes da construção do imóvel, o Recanto do Itororó - antiga denominação do trecho da encosta do Monte Serrat, que ia da extremidade Leste do
morro até a fonte do Itororó - tornou-se um local de passeio muito freqüentado pelos santistas.
"As pessoas eram atraídas pela temperatura amena que a mata ali existente proporcionava, pela água fresca que brotava da fonte e pelo fato do local estar estrategicamente próximo ao
então núcleo urbano", diz o historiador Arnaldo Ferreira Marques Júnior.
Segundo Marques Júnior, o afluxo constante de visitantes atraiu logo a atenção de autoridades, munícipes e empresários, que passaram a projetar os mais diversos equipamentos públicos e
privados para o Itororó, visando estruturar a atividade de lazer desenvolvida improvisadamente.
"No entanto, na época, poucos projetos foram além dos planos. A rigor, apenas a modesta implantação de um chafariz na fonte e de bancos e lampiões ao seu redor foi levada a cabo pela
Câmara e inaugurada em 7 de setembro de 1878. Só em 1922 é que o local passaria a ser explorado comercialmente".
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Água da fonte chegou a ser engarrafada e gaseificada
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Bar marcou início do uso comercial em 1922
Em maio de 1922, o empresário Rui Carlos Herdade solicitou à Prefeitura a permissão para implantar um pavilhão para exploração comercial de um bar e restaurante no Itororó. "Antevendo a
possibilidade de auferir grandes lucros, Herdade certamente pretendia atrair para seu estabelecimento parte da clientela do Cassino do Monte Serrat, aproveitando a proximidade da estação dos elevadores e a beleza pitoresca
do lugar", disse o historiador Arnaldo Ferreira Marques Júnior.
Como o terreno onde Herdade pretendia construir seu estabelecimento era de propriedade do Município, Marques Júnior diz que o empresário desejava que o mesmo lhe fosse cedido com isenção
total de aluguel e impostos. "Em contrapartida, ele assumia o compromisso de, ao fim do prazo estipulado pelo contrato (Herdade propunha quinze anos), entregar os edifícios que construísse à Prefeitura sem qualquer ônus para os cofres públicos".
O historiador diz que depois de alguns anos de discussão, as autoridades públicas municipais concluíram que não poderiam arrendar o terreno do Itororó a um particular sem que se fizesse
uma concorrência pública. "Quando foi publicado o edital, em maio de 1924, apenas Carlos Herdade apresentou proposta".
Em setembro de 1925, Herdade e a Câmara firmaram contrato de arrendamento e concessão do Itororó. Conforme Marques Júnior, as condições obtidas por Herdade foram um pouco diferentes de
sua proposta original. "Ele conseguiu a isenção de impostos, mas teve que pagar o aluguel de 50 mil réis mensais à Prefeitura enquanto durou a concessão". O prazo desta, porém, foi modificado, passando de 15 para 20 anos (contados da data da
assinatura do contrato).
Conforme o historiador, em fevereiro de 1926, o engenheiro Waldemar Kneese Ferreira, autor do projeto, pede permissão ao prefeito para iniciar as obras do pavilhão comercial no Itororó.
O empreiteiro responsável pelas obras era o construtor Ciríaco Gonzalez. "Em novembro do mesmo ano, Herdade peticionou à Prefeitura no sentido de obter autorização para ampliar o edifício que estava construindo, e conseguiu".
Marques Júnior relata que esta ampliação estava relacionada ao novo uso que Herdade pretendia dar ao seu estabelecimento. "Com efeito, em novembro de 1927, o empresário oficiava à
Prefeitura pedindo autorização para instalar, no edifício, um gaseificador e uma máquina de produção de gelo, a fim de aproveitar o excedente das águas cuja fonte se encontrava na área de concessão, gaseificando-as".
Após alguma relutância, a Prefeitura aprovou o projeto em março de 1928 e, seis meses depois, as obras foram concluídas. "Além de montar um bar e restaurante, Herdade cobiçava explorar
industrialmente a água da Fonte do Itororó, engarrafando-a".
Em setembro de 1945, quando se completaram 20 anos previstos no contrato original, o edifício passou então às mãos do Poder Público Municipal, situação que se prolonga até hoje.
A água fresca que brota da fonte atraiu a população santista
Foto: José Moraes, publicada com a matéria
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