O progresso
versus a tradição: um conflito que já se manifestava na metade do século XX, como se observa nesta nota publicada pelo jornal santista A Tribuna,
em 3 de janeiro de 1951, página 4 (ortografia atualizada nesta transcrição):
No clichê, a fachada do prédio n. 20 da Rua Frei Gaspar, que vai ser demolido para dar lugar a um
"arranha-céu"
Foto e legenda publicadas com a matéria
DESAPARECE MAIS UMA TRADIÇÃO DE SANTOS - As contingências do progresso vão eliminando, uma
a uma, as velhas tradições da cidade, mudando-lhe a fisionomia, fazendo-lhe perder pouco a pouco tudo aquilo que nos acostumamos a ver e a querer
bem. Não há, entretanto, como fugir a essa lei inevitável e fatal.
Agora, outra tradição está prestes a desaparecer, ou pelo menos a se transformar, perdendo,
portanto, as suas principais características. Trata-se do prédio onde estava instalado, há cerca de 25 anos, o Bar do Comércio, à
Rua Frei Gaspar n. 20. Este velho edifício, bem como o dos números 16 e 18, vão ser demolidos, para em seu lugar se
elevar uma estrutura de 10 ou 12 andares, destinada a escritórios. A construção vai ser levantada por iniciativa dos srs. Luiz Suplicy e Renê
Bacarat.
Se, por um lado, o empreendimento tem seu aspecto agradável, porque representa a entrega à cidade
de um grande conjunto arquitetônico, por outro causa profunda tristeza, principalmente àqueles que labutam no comércio cafeeiro, bancário e
exportador, que há cerca de 25 anos conheciam aquele estabelecimento e o seu simpático proprietário, o sr. João Serracchioli, que todos estimam e
respeitam.
Ninguém, por certo, que freqüenta o trecho da Rua 15 de Novembro e da
Rua Frei Gaspar, desconhece o amável e cavalheiresco "João Careca", como era democrática e amistosamente tratado por todos os freqüentadores de seu
tradicional estabelecimento. Há mais de 50 anos em Santos, João Serrachiolli é de todos conhecido e estimado. Os mais velhos o conhecem desde a
Rotisseria Sportman, de que foi proprietário por quase 20 anos. De lá saiu por ter o Banco do Brasil construído no local
a sua atual sede, à Praça Mauá, esquina da Rua Riachuelo.
Agora, mais uma vez ele é obrigado a abandonar seu estabelecimento, porque uma nova construção vai
substituir o velho prédio onde estava instalado. É, sem dúvida, uma vítima do progresso. Já entrado em anos, esta nova prova está constituindo para
ele um duro golpe. Anima-o, entretanto, ainda, a promessa dos construtores, de lhe reservarem espaço, no mesmo local, para reinstalar seu
estabelecimento, naturalmente com novo mobiliário, em linhas e dispositivos modernos. Aos novos, isso poderá parecer pueril, mas não é fácil a gente
se adaptar às novas circunstâncias, quando se viveram dezenas de anos num lugar.
Estivemos ontem no local onde durante 25 anos funcionou o Bar do Comércio, sob a direção impecável
e distinta do típico "barman" que era "João Careca". Não tivemos oportunidade de encontrá-lo.
- "Papai está abatidíssimo" - disse-nos um de seus filhos. "Não se conforma com a destruição do
seu velho estabelecimento, onde passou uma boa parte da sua vida". |