No interior do Castelinho do Corpo de Bombeiros, inaugurado em 1909, existia uma gruta em homenagem a São
Sebastião, na encosta do Monte Serrat. Quando a corporação se preparou para deixar essas instalações, em 2007, a gruta começou a ser desfeita, com a entrega da imagem à Catedral, ocorrida no
dia 2/8/2007. Estas fotos da gruta são posteriores à retirada da imagem, embora o prédio ainda fosse usado pelos bombeiros:
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 6 de outubro de 2007
A história da imagem levada para a Catedral é assim contada, pelo professor de História e pesquisador Francisco Carballa:
São Sebastião Mártir da velha Matriz
Francisco Carballa
Essa devoção é muito antiga entre os cristãos, foram associadas as flechas que estão pelo seu corpo com o símbolo antigo do castigo divino, ou seja, as flechas como símbolo da
pestilência.
Em Santos, como em todo o Brasil, foi sua presença muito popular, sendo inclusive sincretizado pelos negros com a divindade adorada na África conhecida por Oxossi o deus caçador, mas
devemos explicar que o mártir cristão é do ano 288 d.C., já o Orixá africano é conhecido há mais de 8.000 anos, sendo duas personalidades distintas, apenas associadas pelas flechas.
Já nossas pestilências, tão comuns na África quanto no Brasil, eram causadas pela falta de higiene da população, e sempre ceifaram inúmeras vidas, levando sempre a culpa Deus, seus
santos e até o demônio, nunca os velhos hábitos errados que até hoje persistem, pois se naquela época era muito comum a presença de galinhas, porcos, mulas, bois, vacas, ovelhas e cabras nas ruas, que comiam os dejetos humanos jogados ao acaso
(comprovado pelas fotos de Militão de Azevedo feitas em 1865), hoje temos dejetos de humanos que vivem abandonados pela sociedade e por cães e gatos que, à falta de quintais, são obrigados a fazer suas necessidades pelas
ruas.
Era São Sebastião venerado (e não adorado, pois esse termo se aplica a quem se deita com o rosto por terra e reconhece assim a divindade de alguma coisa), na velha
igreja Matriz demolida em 1906; ficava no altar direito, onde se veneravam Nossa Senhora da Piedade e Nossa Senhora do Terço, ficando São Sebastião no nicho direito desse altar do canto direito de quem olha da porta. Também se registra sua
devoção na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, onde o mártir era titular de um altar.
Essa mesma imagem de madeira, com sua base reconstruída com cimento, ainda hoje lá está, agora em uma humilde peanha. Já a que pertencia à velha Igreja Matriz foi transferida para a
igreja do Rosário dos Pretos - e depois para a nova Catedral - e, durante muitos anos, ficou com a devoção pública, na coluna direita que sustenta a abóbada ao fundo de quem olha do presbitério da catedral.
Com a reforma do Concílio Vaticano II, ocorrida nos anos 60 do século XX, e que foi um pouco mal interpretada por estas terras, as imagens foram retiradas e essa estátua de madeira
secular, assim como a de Santa Catarina de Alexandria (que hoje está no Museu de Arte Sacra de Santos - MASS), ficou guardada debaixo do altar de Nossa Senhora do Amparo.
Tal sorte não tiveram o altar feito em mármore de Senhora do Rosário (dos brancos), ou o púlpito magnífico e trabalhado em madeira escura que ficava suspenso na pilastra direita de quem
olha para o altar-mor, ficando o mesmo quase em frente à capela de Fátima; também desapareceu o Calvário que ficava logo abaixo dos vitrais de São Pedro e São Paulo na entrada e o trono de Nossa Senhora Aparecida, que ficava bem no meio da sacada
do coro.
Em 1972, sob as ordens do quarto bispo diocesano, dom David Picão, em atenção a um pedido, essa imagem foi enviada para o quartel de Bombeiros de Santos na Praça Tenente Mauro de
Miranda, onde ficou em uma gruta até 6 de agosto de 2007 - quando, por negociações entre o professor Carballa e o tenente-coronel Luiz Carlos Ribeiro e posteriormente com a Cúria Diocesana de Santos, a imagem foi devolvida para a Catedral de Santos
depois de 35 anos.
Trata-se de uma imagem de madeira do século XVIII, que está com o braço direito apontando com o dedo indicador para a terra e o esquerdo igualmente apontando com o dedo indicador para o
céu, sendo que os dois braços estariam atados ao tronco da árvore de seu suplício por Jesus Cristo. Seus dedos, que antes apontavam para o céu e a terra, hoje estão danificados; foram restaurados com outro material, perdendo esta expressão que
significa que: "A lei de Deus é a lei dos homens", ou que "o julgamento do céu é mais rigoroso que o da terra".
Sua restauração foi feita devotamente pelo cabo PM Vicente (Vicente Ferreira Netto, nascido em Santos em 10 de janeiro de 1938), no início dos anos 1980, por estar sua policromia muito
arruinada pela umidade da gruta. Assim, no lugar das flechas de metal (retiradas com o resplendor e uma cruz que estava no peito do Santo, por outro militar que cuidava devotamente do local), foram colocadas seis flechas de madeira que
posteriormente foram quebradas e o buraco do resplendor foi tampado, a imagem ganhou nova pintura com tinta do tipo esmalte sintético, por não haver similar na região para recuperar a antiga, que estava totalmente descascada.
Esse militar (que chegou a ser o subtenente Vicente) foi o responsável pelas pinturas artísticas nos quartéis, inclusive do grande brasão da fachada do quartel do 6º Batalhão de Santos,
onde está a gruta.
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 6 de outubro de 2007
Ocorreu ali em 20 de janeiro de 1981, dia em que a igreja festeja o triunfo de São Sebastião como mártir pelo Evangelho, exatamente às 18 horas, um caso um pouco sem explicação e sem
investigação por parte de pessoas mais entendidas no assunto. Estava um devoto (que não deseja ser identificado) rezando e pedindo - segundo o que ele disse - que o Santo intercedesse com Deus, para que a doença de HIV não o atingisse, pois nessa
época se dizia que se contraía por gripe e até por picadas de mosquitos. O sol daquele final de tarde de janeiro invadia a entrada da gruta, iluminando tudo com muita claridade; foi quando o devoto, que estava rezando, viu entrar na gruta a sombra
de um militar muito alto usando um capacete.
Para não atrapalhar sua prece, continuou rezando seu terço, mas podia admirar a sombra da imagem, a sua e a do misterioso bombeiro. Mesmo olhando de lado, percebia uma pessoa
muito alta ali, até que ao acabar todas suas orações e fazer o pedido, virou-se para trás e percebeu que não havia ninguém no local, somente ele e o sorridente santo e a enigmática terceira sombra. Foi o bastante para que pulasse as quatro pedras
de acesso ao local, que afloram no espelho d'água da pequena lagoa, e correr.
Foi explicado pelo frei Rafael do Convento do Carmo (falecido em 18 de janeiro de 1998, aos 72 anos), que uma presença boa no começo assusta e depois traz uma paz duradoura, e uma
presença de um ser maléfico primeiro trará a paz e depois o medo; essa explicação e a constatação de que o mártir possui um porte alto convenceram o devoto de que o próprio São Sebastião havia escutado seu pedido, naquele momento de agonia.
Durante a festa de 100 anos da corporação (1890/1990), a mesma gruta foi toda adornada pelo professor Carballa - que, como civil, cuidou do lugar de 1978 até 1994. Nessa mesma gruta
existia ainda uma imagem de Nossa Senhora da Conceição que, por acidente, foi encontrada no fundo do canal, entre o ferry-boat e Santa Rosa, no Guarujá, pelos bombeiros que resgataram um veiculo que caiu no mar em meados dos anos 70. É
desconhecido o paradeiro dessa santa, visto que fora retirada dali por um militar, em 1981.
Também hoje não se contempla mais, uma enorme cruz de madeira, pintada ora de amarelo, ora de verde, que era um verdadeiro cruzeiro; com o desprendimento de uma pedra ela se quebrou e,
com ela, a sua base de alvenaria, onde se lia a data da construção da gruta: 1972.
Muitas velas eram devotamente acesas no seu interior, chegando às mesmas a danificar a base da imagem, pois no interior da gruta existia uma espécie de mesa sustentada por duas bases
retangulares, semelhantes a um altar pós-conciliar. Pessoas de outras religiões, que não tinham afinidade com a devoção, passaram a depredar o que existia dentro da gruta, inclusive jogando as velas fora e quebrando os castiçais com lâmpadas
elétricas que imitavam uma chama, motivo pelo qual o zelador civil, para evitar contratempos com militares, abandonou o cuidado com a gruta e posteriormente decidiu avisar o clero do paradeiro de sua imagem, até então ignorada pelos mesmos.
Muitos animais eram criados na lagoa, desde tartarugas verdes aquáticas até carpas grandes e coloridas, que um dia apareceram boiando mortas. Na busca por um responsável, foi descoberto
que o veneno para ratos, colocado pelos despreparados funcionários da Prefeitura, com as chuvas foi parar na lagoa, e os animais se alimentaram desse material que lhe causou a morte. Consta ainda que ali também se criava, por último, um jacaré até
então pequeno, mas isso não pôde ser verificado.
Além disso, na enfermaria (que ficava no corpo direito da construção, cujas janelas se pode observar da Rua Bittencourt), existia um oratório raso introduzido na parede, iluminado dia e
noite por uma lâmpada vermelha, com uma imagem de São Sebastião, além de um oratório simples, com a imagem de Santa Bárbara, no refeitório.
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 6 de outubro de 2007
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