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BENEDITO CALIXTO
Calixto e as Capitanias Paulistas - 08


Clique na imagem para ir ao índice da obraAlém de refinado pintor, responsável por importantes telas que compõem a memória iconográfica da Baixada Santista, Benedicto Calixto foi também historiador e produziu várias obras no gênero, como esta, Capitanias Paulistas, impressa em 1927 (segunda edição, revista e melhorada, pouco após o seu falecimento) na capital paulista por Casa Duprat e Casa Mayença (reunidas).

O exemplar, com 310 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 45 a 53):

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Capitanias Paulistas

Benedito Calixto

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Imagem: cabeçalho de página da obra (página 45)

CAPÍTULO IV

O conde de Monsanto continua na posse da Capitania de São Vicente, até 30 de novembro de 1622. - Manoel Rodrigues de Moraes é destituído do governo, sendo, em seu lugar, empossado Pedro Cubas, por ordem do governador geral. - Memorável representação, dirigida ao conde de Monsanto, pelos vereadores de S. Vicente. - A condessa de Vimieiro requer, afinal, ao rei, a confirmação da Carta de Doação feita a Martim Afonso, em 1535 - João de Moura Fogaça investido do cargo de capitão-mor e ouvidor da Capitania de São Vicente, pela condessa. - Diogo de Mendonça, como governador geral, ordena aos camaristas de S. Vicente que dêem posse a Fogaça, em nome da condessa, de toda a Capitania de S. Vicente

s camaristas de S. Vicente, voltando a si, arrependidos, talvez, do ato de submissão irrefletida que haviam praticado, tentaram reagir na esperança de achar um meio de reconsiderar os seus atos, como vamos ver.

Manoel Rodrigues de Moraes, conforme já ficou dito, não consentiu, após seu ato de posse, que o alcaide-mor Pedro Cubas prestasse juramento do cargo de capitão-mor governador de S. Vicente, para o qual, entretanto, já estava nomeado antes da referida posse dada a Moraes, não obstante terem os oficiais da Câmara exibido a ordem do governador geral, dizendo que nada se inovaria quanto ao governo da terra.

Os camaristas relutaram ainda em reconhecer e dar juramento, como governador da capitania, ao dito Cubas, visto aquele não estar munido da respectiva provisão. Tais foram, porém, os subterfúgios usados por Manoel Rodrigues que os vereadores de S. Vicente se viram forçados a reconhecê-lo por capitão-mor loco-tenente de seu constituinte o conde de Monsanto.

Este procedimento, se apressaram, entretanto, os ditos vereadores a comunicar a Martim Corrêa de Sá, que, por sua vez, participou a d. Luiz de Souza, o qual, caindo em si, reprovou o ato dos camaristas de S. Vicente, ordenando que depusessem do governo da terra ao dito Moraes e obedecessem, como tal, a Martim Corrêa de Sá.

Em virtude desta ordem do governador geral, os camaristas deram posse a Pedro Cubas, de acordo com a decisão anterior de Martim Corrêa de Sá.

Quando Manoel Rodrigues de Moraes foi intimado para ir ao Paço do Conselho fazer pública a sua desistência, "alterou-se de maneira desabrida, e não só articulou palavras descomedidas, mas também chegou a desembainhar a espada, dando ocasião, com este excesso, a que os camaristas lavrassem um auto contra ele".

A fim de justificarem os seus atos, os ditos vereadores fizeram uma representação ao conde de Monsanto e outra ao governador geral, expondo todo o ocorrido.

Essa representação memorável, pelas verdades que encerra e pelos esclarecimentos que dá, sobre o objeto do pleito que então se movia, é, sem dúvida, uma peça de grande valor, pois mostra ainda a boa fé, a sinceridade e franqueza dos oficiais do conselho dessa vila de S. Vicente, considerada, até então, como sede da Capitania de Martim Afonso de Souza.

Embora longo, não podemos deixar de transcrever esse importante documento:

"Ao senhor conde de Monsanto. - Por Janeiro, em companhia das que escreveu Manoel Rodrigues de Moraes, avisando desta Câmara da Vila de S. Vicente, como cabeça desta Capitania, dando-lhe a v. s. os parabéns da sucessão, e o mesmo tornarmos de novo a fazer por esta, já que pessoalmente o não podemos fazer com as pessoas.

"Juntamente mandamos a v.s. o auto da posse traslado, foral e aviso sobre o regimento de ouvidor; advertindo demais a v.s. o bem que se poderá alcançar de el-rei, em uma provisão para os negros que de Angola vierem em esta Capitania, a fim de se pagarem os direitos deles em açúcares e fazendas da terra, como passou na Vila do Espírito Santo; para que vá em mais aumento a terra, e acudam a ela escravos, pela muita mortandade que houve do gentio; pois se impede agora o ir buscá-los ao sertão, e não havendo gentio, totalmente se acabará de perder esta terra.

"Agora é muito necessário dar a v.s. relação larga da disposição da terra, para que esteja informado, e conforme a isso, ordene v.s. sobre o provimento dela, como lhe parecer de Justiça e bem de sua Fazenda, e do que se passou nesta Câmara com Manoel Rodrigues de Moraes, depois do aviso  v.s.; e porque, para fazer, é necessário sermos nesta mais largos do que queríamos, não nos tenha v.s. por enfadonhos, pois convém ao seu serviço.

"Nesta costa, desde doze léguas do Cabo Frio para o Norte, até a terra de Santa Anna (Santa Catarina) que está em 28 graus e meio, segundo o Foral, há cento e oitenta léguas, que são de Martim Afonso de Souza e oitenta de seu irmão Pero Lopes de Souza, que el-rei d. João, que Deus tenha na glória, lhe deu de juro e herdade: as oitenta de Pero Lopes foram as que herdou Lopo de Souza, da senhora d. Izabel de Gambóa de Lima, que dizem cá algumas pessoas, que é a Capitania de Santo Amaro, em a qual teve capitão e ouvidor de per si, e há muitos anos que já nesta Ilha (Capitania de Santo Amaro) não há vila, nem justiça, por se despovoar; e nesta terra há uma vila que está na boca da Barra desta Capitania, que é a de São Vicente, que dizem foi povoada por Martim Afonso de Souza, como foi primeira, ficou com o título de cabeça das mais, e dela uma légua pela boca da Barra acima, pelo rio, está a Vila de Santos, em distância de légua e meia, por terra. Esta dizem povoada por Braz Cubas, em nome de Martim Afonso. Em distância de 12 léguas, pela terra a dentro, está a vila de S. Paulo, e pela costa, ao Sul, distância d 10 léguas, está a Vila da Conceição de Itanhaém e, em distância de 30 léguas, está a Cananéia; e todas estas se nomeiam Vilas da Capitania de S. Vicente de que é capitão Martim Afonso de Souza, depois seus sucessores até Lopo de Souza.

"E dizem que a Capitania de Santo Amaro não tem vila nenhuma que é uma Ilha que o Rio de Santos faz, indo por este acima; e por dentro vai outro rio fazer outra barra, para banda do Norte deste, a que chamam Barra de Bertioga, e esta Ilha é Santo Amaro, que fica sobre a costa, tem hoje três a quatro homens apenas que lavram no sítio e fora o que há por dentro do rio, mas moram na vila de Santos.

"A doação de v.s. diz que é do Rio de Corupacé até o Rio de S. Vicente, onde se estenderão dez léguas; e daí, da banda do Norte se porá um padrão, e cortará uma linha direita pelo rumo de l'Oeste.

"Dizem homens pilotos que a Vila de S. Vicente e a de Santos e a de S. Paulo caem na demarcação de v.s., outros dizem que não abrange isso; porque foi concerto dos dois irmãos, que tinham feito que o que cada um povoasse ficasse vila por sua.

"Manoel Rodrigues de Moraes veio a esta vila e, como cabeça, apresentou a procuração e a sentença das oitenta léguas: 30 em Itamaracá e 50 nesta costa; e trouxe uma provisão do senhor governador geral deste estado, d. Luiz de Souza, dizendo nela que se incluía também a capitania de S. Vicente.

"Nós demos posse a v.s., na forma do auto cujo traslado lá mandou a v.s. Manoel Rodrigues de Moraes, que diz, lhe demos posse de tudo, o que v.s. tiver nestas capitanias, assim e da maneira que Lopo de Souza a possuía, na conformidade da sentença e provisão do governador, por não haver em nada erro; porque nós nem podemos dar mais, nem tirar do que dá S. Majestade a v.s., e por isso lhe mandamos o foral para que mandasse v.s. lá ver isso bem; porque, se herdou todas as cento e oitenta léguas peça confirmação, e se não são mais que oitenta, da capitania de d. Izabel, que é de Santo Amaro, não há nela vila nenhuma; por isso advertimos a v.s. mande ver isso por letrados e pedir provisão pra demarcação e mandar citar as partes para partilhar, que nós não somos cá letrados, nem na terra os há, porque não pode v.s. possuir todas as vilas que houverem nestas cento e oitenta léguas, se não for tudo seu, porque todas as vilas se nomeiam da Capitania de S. Vicente, e o governador mandou dar posse de São Vicente; logo todas as mais vilas obedecem ao capitão de São Vicente.

"... E fazemos lembrança, a v.s., que é muito prejuízo em uma só pessoa o cargo de capitão e de ouvidor, pelas insolências que fazem, e não só em fraude de sua capitania senão desfraude com inquietações; ordene v.s. de maneira que não esteja vago, porque aqueles que se provê nas vagantes, dói-lhes pouco, senão seu próprio interesse.

"E sobretudo faça v.s. o que for servido, que nós cumpriremos com a nossa obrigação cristamente no aviso que fazemos pela obrigação de nossos cargos.

"Desta Capitania, Câmara e Vila de São Vicente, hoje 14 de junho de 1621 - Diogo Vieira Tinoco - Lourenço Galam - Antonio de Souza - Antonio Vaz - Manoel Lopes".

A condessa de Vimieiro, logo que teve conhecimento do procedimento do conde de Monsanto e do esbulho de que tinha sido vítima, "despertou afinal - diz o historiador vicentino - do letargo em que se havia conservado por tantos anos e requereu, imediatamente, a S. Majestade, a confirmação da Carta de Doação da Capitania de S. Vicente", concedida a Martim Afonso em 1535, a qual lhe foi concedida, em Lisboa, aos 22 de julho desse mesmo ano de 1621.

A 9 de março de 1622, a mesma condessa constituiu a João de Moura Fogaça seu procurador geral e, a 22 de outubro desse ano, passou-lhe ainda uma provisão de capitão-mor e ouvidor das cem léguas da dita Capitania de S. Vicente.

Fogaça, munido destes poderes, embarcou para o Brasil, no fim desse ano de 1622, e chegou à Bahia, mais ou menos, na ocasião em que havia sido ali empossado no cargo de governador geral do Brasil d. Diogo de Mendonça Furtado, em substituição de d. Luiz de Souza, que tinha terminado o seu tempo de governador. Isto já era um indício favorável para a causa de sua constituinte, da qual d. Luiz de Souza fora adverso, como já ficou dito e provado.

Nesse fim de ano de 1622, era ainda governador de São Vicente Martim Corrêa de Sá, por ter Pedro Cubas deixado o exercício do cargo no ano anterior. Em substituição a Martim Corrêa de Sá estava servindo interinamente, como capitão-mor governador da Capitania de São Vicente, Fernão Vieira Tavares, em virtude de uma provisão concedida a 9 de abril de 1622, no Rio de Janeiro, pelo mesmo Corrêa de Sá. O governador geral, Diogo de Mendonça Furtado, aprovou esta nomeação e levantou a homenagem que em suas mãos havia prestado o dito Martim de Sá.

Logo que chegou a S. Vicente o procurador e ouvidor da condessa de Vimieiro, Fernão Vieira opôs-se tenazmente a lhe entregar o governo, declarando-se abertamente partidário do conde de Monsanto e inimigo de João de Moura Fogaça, como adiante se verá.

Fogaça apresentou, entretanto, em Câmara os seus despachos, e apesar da grande oposição feita por Fernão Vieira Tavares, foi, pelos camaristas, empossado em nome da condessa de Vimieiro, sem que os direitos contrários lhe tolhessem a ação, pois estavam os ditos vereadores "sempre firmes no sistema de observar as ordens e provisões dos governadores gerais, e demais, acrescia ainda a circunstância de julgarem, eles, que à condessa, e não ao conde, pertenciam as quatro vilas e as cem léguas".

Fernão Vieira Tavares relutou ainda em submeter-se ao ato dos vereadores, e só mediante a ordem expressa do dito governador geral, que foi exibida por Fogaça, intimando que lhe entregasse o governo da Capitania, é que resolveu ceder.

"Não supunha o mencionado Fernão Vieira, observa o cronista beneditino, que tão cedo o privariam do governo da Capitania de S. Vicente; e, ou fosse com a esperança de nele ser confirmado pelo conde de Monsanto, ou pela ambição de se conservar no lugar enquanto durasse o pleito, declarou-se desde o dia de posse de Fogaça, o fautor do rival da condessa de Vimieiro, unindo-se a Manoel Rodrigues de Morais e tornando-se inimicíssimo de Fogaça, pela razão de ter sido obrigado a entregar-lhe a capitania-mor".

"Este sujeito - Fernão Vieira Tavares, escreve Pedro Taques - era homem de grande influência e de reconhecida nobreza na Corte, e havia militado na província de Alentejo, passando depois ao Brasil, com este emprego, por nomeação do conde de Monsanto e patente régia. Vendo-se o dito Tavares apeado dos lugares que ocupava, com a posse que tomara à condessa de Vimieiro, da Capitania de S. Vicente, interpôs logo agravo, por parte de seu constituinte, o conde de Monsanto, contra os oficiais da Câmara da Capitania de S. Vicente, pela posse que estes tinham dado à Condessa de Vimieiro na pessoa de seu procurador João de Moura Fogaça, e passou para a Bahia a tratar destas causas; e, tendo ali feito os seus bons ofícios, conseguiu vir para São Vicente, provido no cargo de provedor da Real Fazenda da mesma Capitania de São Vicente".

Veremos, nos capítulos seguintes, as arbitrariedades, os atos despóticos praticados por este provedor da Real Fazenda, em relação ao presente litígio entre os donatários de São Vicente e Santo Amaro.

Fernão Vieira, antes de sua viagem à Bahia, isto é, antes de ser provido no dito cargo de provedor, procurou por todos os meios, tramóias e ameaças, ver se conseguia repor no governo da terra o procurador do donatário conde de Monsanto, Manoel Rodrigues de Moraes, porém nada conseguiu.

João de Moura Fogaça foi, apesar de todas as ameaças, empossado solenemente, no referido cago de governador e ouvidor da Capitania de São Vicente, em nome de sua constituinte, a condessa de Vimieiro, em o dia 30 de novembro de 1622, sendo este ato da Câmara de São Vicente aprovado e aceito nas câmaras das vilas de Santos, Itanhaém e São Paulo, "ficando desta sorte a condessa de Vimieiro, d. Marianna de Souza da Guerra, reempossada de sua capitania de São Vicente, a qual estivera na posse do donatário de Santo Amaro por espaço de vinte e dois meses e alguns dias".

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SÃO VICENTE E SANTOS EM 1615 - ESTAMPA E LEGENDA DO MIROIR OOST AND WEST INDICAL, RELAÇÃO DE VIAGEM DE JORIS VAN SPILGBERGEN AMSTERDAM 1621 - Este mapa, datado de 1616, mostra que o porto de São Vicente tinha, naquela época, duas barras, por onde entravam grandes navios. Vê-se até um galeão holandês, fundeado em frente à praia de Paranapuã

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