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BENEDITO CALIXTO
Calixto e as Capitanias Paulistas - 06


Clique na imagem para ir ao índice da obraAlém de refinado pintor, responsável por importantes telas que compõem a memória iconográfica da Baixada Santista, Benedicto Calixto foi também historiador e produziu várias obras no gênero, como esta, Capitanias Paulistas, impressa em 1927 (segunda edição, revista e melhorada, pouco após o seu falecimento) na capital paulista por Casa Duprat e Casa Mayença (reunidas).

O exemplar, com 310 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 17 a 31):

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Capitanias Paulistas

Benedito Calixto

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Imagem: cabeçalho de página da obra (página 17)

CAPÍTULO II - PRIMEIRA FASE DO LITÍGIO

Os herdeiros de Martim Afonso e de Pero Lopes. - Os donatários das duas capitanias nesta primeira fase.  - Conflitos de jurisdição entre ambos - Balbúrdia entre os governadores e loco-tenentes. - Como e porque se originou o litígio.

rocuremos, de acordo com os documentos antigos que pudemos reunir e com as informações e esclarecimentos dados pelo dr. Antonio de Toledo Piza [12], fazer um resumo dos fatos preliminares que deram origem à célebre demanda entre estas duas donatarias.

Antes, porém, de entrar no intrincado assunto, convém que o leitor fique sabendo quem eram os descendentes de Martim Afonso e de seu irmão Pero Lopes [13].

Martim Afonso de Souza, casado com dona Ana de Pimentel, teve dois filhos apenas: Pero Lopes de Souza, que foi o 2º donatário das cem léguas de costa da Capitania de São Vicente, falecido em 1578, e d. Ignez de Pimentel, que casou com d. Antonio de Castro, conde de Monsanto.

Pero Lopes de Souza (1º filho de Martim Afonso de Souza), como primogênito, herdou de seu pai, não só a Capitania de S. Vicente, como os demais bens que constituíam o morgado de Alcoentre. Foram pois os herdeiros de Pero Lopes de Souza (o primogênito de Martim Afonso de Souza) que, por esse direito de morgadio, então indiscutível, herdaram as cem léguas da Capitania de S. Vicente [14].

Os herdeiros deste morgado foram, nesta primeira fase, seu filho Lopo de Souza, que em 1578, por morte de seu pai Pero Lopes de Souza (filho de Martim Afonso), passou a ser o 3º donatário das cem léguas da Capitania de S. Vicente. Falecendo Lopo de Souza, em 15 de outubro 1610, e não tendo descendente legítimo, reconheceu, entretanto, o seu filho bastardo - Lopo de Souza Junior - que entrou na posse da capitania e a traspassou, por um ato público passado em Lisboa a 7 de abril de 1611 [15], à pessoa de sua prima d. Marianna de Souza da Guerra, condessa de Vimieiro, como adiante se verá.

A filha de Martim Afonso de Souza, dona Ignez de Pimentel, que, como já ficou dito, casou com o conde de Monsanto, d. Antonio de Castro, foi a progenitora (N.E.: o termo é aqui usado erroneamente no sentido de mãe, genitora, e não no de avó, como realmente significa) de d. Luiz de Castro, também conde de Monsanto, o qual iniciou a demanda contra Lopo de Souza (neto de Martim Afonso, 1º donatário), quando este recebeu, em legado de sua prima d. Izabel de Lima, última descendente de Pero Lopes de Souza (irmão de Martim Afonso), as oitenta léguas que constituíam então as capitanias de Itamaracá e Santo Amaro.

Este d. Luiz de Castro, 2º conde de Monsanto, é o progenitor de d. Alvaro Pires de Castro e Souza, 3º conde de Monsanto, que recebeu depois o título de marquês de Cascais e foi pai de d. Luiz Alvares de Castro e Souza, 2º marquês de Cascais, que na terceira fase deste litígio vendeu à Coroa portuguesa, em 1711, a Capitania de Santo Amaro, incluindo nessa venda uma parte da Capitania de Martim Afonso com as vilas de S. Vicente, Santos, São Paulo e Parnaíba, como se verá no decorrer desta narração.

Pero Lopes de Souza, irmão de Martim Afonso, casou com d. Izabel de Gambôa e deste consórcio teve os seguintes filhos: 1º Pero Lopes de Souza, que faleceu ainda menino e foi o 2º donatário das oitenta léguas das donatarias de Itamaracá e Santo Amaro; 2º Martim Afonso de Souza, que faleceu ainda moço e foi o 3º donatário das ditas capitanias de Itamaracá e Santo Amaro; 3º d. Jeronyma de Albuquerque, que casou com d. Antonio de Lima, e foram os 4ºs. donatários das mesmas capitanias de Itamaracá e Santo Amaro. Deste casal resultou apenas uma filha, d. Izabel de Lima de Souza e Miranda, 5ª donatária, a qual, não tendo descendência, legou essas oitenta léguas, de Pero Lopes, a seu primo Lopo de Souza, neto de Martim Afonso, como já ficou demonstrado.

Esta dona Izabel de Lima casou duas vezes: a primeira com d. Francisco Barreto de Lima e a segunda com d. André de Albuquerque.

Na terceira fase deste litígio, quando se tratar da Capitania de Itanhaém, após a venda da Capitania de Santo Amaro pelo marquês de Cascais (1711-1779), diremos então quais foram os donatários, desta capitania, descendentes do ramo primogênito de Martim Afonso, que sustentaram ainda a demanda que, afinal, nunca ficou liquidada de forma positiva e satisfatória para os herdeiros do Morgadio de Alcoentre.

Os loco-tenentes de amos os donatários, quer do de Martim Afonso, quer do de Pero Lopes, nesta primeira fase do litígio andavam desorientados, sem saber ao certo quais as divisas verdadeiras entre as duas doações, porque, como já demonstramos, não existia então na Câmara de São Vicente a cópia das doações de d. João III, a qual, como já ficou dito, havia sido subtraída ou queimada. Por sua parte, os donatários de São Vicente pouco ou nada fizeram a fim de salvaguardarem os seus direitos. A posse da ilha de Santo Amaro, da qual se arrogaram os loco-tenentes de dona Izabel Gambôa, no tempo do ouvidor Gonçalo Affonso e do capitão Jorge Ferreira e outros, já estava afinal quase nulificada pelo fato de não terem os donatários, nessa ilha,um povoação para servir de sede à sua capitania.

Os moradores da ilha de Santo Amaro, devido aos constantes ataques dos tamoios, haviam nessa época abandonado suas casas e lavoura, vindo morar nas vilas de Santos e S. Vicente, ou imigrado para o lado da Praia Grande, até Itanhaém, onde já existia então uma povoação de cristãos, como relata o alemão Hans Staden, que, nessa época - 1552 em diante -, esteve comandando a fortaleza da Bertioga.

Nas cartas de sesmaria contemporâneas, nota-se que os respectivos loco-tenentes andavam às apalpadelas, sem saber quais eram as divisas definitivas entre as duas donatarias e, para melhor segurança, os proprietários de terras, nessa zona litigiosa e mesmo além, desde a barra da Bertioga até a barra do Juqueriquerê - que, incontestavelmente, pertencia à Capitania de Santo Amaro - requeriam por cautela, para que ambos os loco-tenentes lhes dessem cartas ou os reconhecessem nas respectivas posses.

"As sombras da confusão de tal sorte haviam escurecido a luz da verdade, que veio a prevalecer outro erro comum, assentando-se geralmente que a Martim Afonso pertencia toda a costa, desde S. Tomé até o Rio da Prata!"

Fr. Gaspar, que assim escreve, não nos diz, entretanto, que Martim Afonso era esse; se o donatário da Capitania de S. Vicente, ou o sobrinho deste, o donatário de Santo Amaro!

Este descuido ou este desprezo dos respectivos donatários, pelas suas capitanias, provinha - é preciso que se note - da decepção que ambos tinham experimentado nas "descobertas de jazidas auríferas e outros metais preciosos", nas terras da Capitania de S. Vicente e Santo Amaro. As pesquisas de Affonso Sardinha e as do próprio Braz Cubas e outros, nos sertões destas donatarias, pouco ou nada haviam produzido; e isto, junto ao insucesso e desastre sofrido pela primeira expedição dos oitenta homens, nos sertões do Paraná, mandada pelo próprio Martim Afonso de Souza, havia, sem dúvida, influído poderosamente no ânimo já arrefecido, não só dos respectivos donatários, como dos habitantes destas terras do Sul, que, até então, além da "escravaria indígena", nada mais produzia de valor, que fosse digno das suas atenções.

As minas auríferas da Ribeira de Iguape, Cananéia e Paranaguá, bem como as de Minas Gerais, ainda estavam incógnitas para os senhores das capitanias de São Vicente e Santo Amaro. Só no fim do século XVI é que os escravizadores do gentio Carijó, trilhando as pegadas dos primeiros missionários [16], haviam de desvendar, "nesses sertões dos Carijós", as primeiras jazidas do precioso e tão cobiçado metal [17].

E foi depois que o ouro de lavagem começou a pintar nas ignotas regiões que os senhores feudais, residentes na metrópole lusitana, começaram a despertar do "longo letargo", voltando de novo as suas vistas cobiçosas para os ínvios sertões destas capitanias do Sul. O encadeamento dos fatos que então se desdobram, daí em diante, demonstra que, nesse despertar dos ânimos, foram os representantes dos condes de Monsanto e dos marqueses de Cascais aqueles que mais se distinguiram, na agudez de vista e na perspicácia das ações - como pretensos conquistadores dessa região até então quase olvidada.

Antes de abordarmos o assunto principal deste capítulo, demonstrando como e porque se originou o litígio entre as duas donatarias, convém, para melhor esclarecê-lo, declarar os nomes e os atos principais destes donatários e loco-tenentes da Capitania de Santo Amaro, nesta primeira fase da questão.

Falecendo Pero Lopes de Souza em 1542, ficou como substituto no governo de sua capitania seu filho primogênito, chamado também Pero Lopes de Souza. Este 2º donatário, como já foi dito, faleceu ainda menino, em 1547, sendo substituído nesta data por seu irmão Martim Afonso de Souza, 3º donatário, que exerceu os seus direitos até o ano de 1577.

Além dos loco-tenentes, dos quais já nos ocupamos no capítulo precedente, que contribuíram com os seus atos ilegais para que se estabelecessem estas dúvidas entre as divisas dessas donatarias, houve ainda outros, neste mesmo período, que ainda mais complicaram a questão.

Antonio Rodrigues de Almeida, o substituto de Jorge Ferreira, como capitão-loco-tenente e ouvidor de Santo Amaro, foi provido nestes cargos por uma procuração, que d. Izabel de Gambôa, em nome do dito seu filho  Martim Afonso de Souza, fez passar em Lisboa, a 22 de setembro de 1557.

Antonio Rodrigues de Almeida concedeu grande número de datas de terras, desde 1562 até 1579, conforme se verifica do Livro de Registro das Sesmarias - título 1562 - que existe no velho arquivo do Cartório da Provedoria da Fazenda de S. Paulo, a saber: em 1º de junho de 1562, a Braz Cubas, das terras, em uma ilha deserta chamada Mamberecunã, passando a ilha de S. Sebastião. Em 6 de maio de 1566, a Domingos Garocho, das terras que ficam além da Bertioga, começando do morro chamado Buriquióca. Em 27 de abril desse mesmo ano (1566), confirmou a data de terras que Gonçalo Monteiro, como procurador de d. Izabel de Gambôa, havia concedido a Jorge Ferreira, na serra da Itutinga. Em 7 de janeiro de 1577, concedeu a Manoel Fernandes, além da ilha de São Sebastião, até o rio Corupacé (Juqueriquerê) uma outra sorte de terras. Em 18 de novembro de 1566, concedeu a Paschoal Fernandes, condestável da fortaleza da Bertioga, uma légua de terra "da dita fortaleza pela praia adiante" [18]. Em 15 de dezembro de 1568, concedeu a Manoel Fernandes umas terras, além da Ilha de São Sebastião, da banda da terra firme, antes de chegar à enseada defronte da Ilha dos Porcos até o rio Corupacé (Juqueriquerê).

Por esta relação, se vê que Antonio Rodrigues de Almeida, capitão e ouvidor das terras de d. Izabel de Gambôa (Capitania de Santo Amaro), além das terras concedidas dentro do perímetro da dita capitania e das que concedeu dentro da doação de Martim Afonso, para o Sul, na Ilha de Santo Amaro, como diante demonstraremos, ultrapassava também a sua jurisdição para o lado do Norte, além da foz do Rio Corupacé, dando cartas de sesmarias, como essa que vimos de apontar, concedida a Manoel Fernandes, em 1568, a qual abrangia "desde a enseada da Ilha dos Porcos até a foz do Rio Corupacê".

Ora, essa enseada da Ilha dos Porcos, que se acha hoje dentro do município de Ubatuba, está algumas léguas além da foz do Juqueriquerê, ou Corupacé, que era então limite setentrional das 10 léguas da doação de Pero Lopes, neste litoral, como bem determina o foral de d. João III.

Toda essa parte da costa que compreende hoje o município de Caraguatatuba e grande parte do de Ubatuba, que, incontestavelmente, se achava dentro da Capitania de São Vicente, era então concedida por sesmaria, em nome de d. Izabel de Gambôa, e de seu filho Martim Afonso (sobrinho), a Manoel Fernandes, sem que o loco-tenente da Capitania de São Vicente - que, nessa época, era o capitão Jorge Ferreira, fizesse o menor protesto ou objeção ao ato arbitrário de seu antecessor Antonio Rodrigues de Almeida.

Vê-se, pelos procedimentos dos capitães e ouvidores de ambas as donatarias, nessa época, que os interesses e os direitos da Capitania de São Vicente estavam sendo ingênua ou cavilosamente prejudicados, por aqueles mesmos que mais se deviam esforçar em defendê-los e ampará-los.

O mais digno de reparo, em tudo isto, é que o próprio Pedro Taques - que tão minuciosamente estudou esta questão em seus menores detalhes, advogando a causa dos condes de Vimieiro, não tivesse feito a menor anotação ou comentário a estes atos arbitrários e às imprevidências inocentes ou capciosas dos loco-tenentes dos primeiros donatários Pero Lopes e Martim Afonso!

Além das cartas de datas concedidas, nessa época, por esse capitão e ouvidor da Capitania de Santo Amaro, como já ficou dito, foram ainda passadas pelo mesmo loco-tenente as datas seguintes: em 2 de setembro de 1576, uma sorte de terras a Antonio Gonçalves Quintos, na ilha de São Sebastião, no lugar chamado Piraquaraçú etc. A 20 de janeiro de 1579, parece-nos que esse Antonio Rodrigues de Almeida não exercia mais o cargo de capitão e ouvidor de Santo Amaro, porque a carta de sesmaria passada nessa época a Simão Machado, além da Bertioga, partindo com terras de Antonio Nunes e Jacome Lopes, já não é assinada por este, mas sim ordenada por Salvador Corrêa de Sá [19], como procurador do donatário da Capitania de Santo Amaro.

Ao tratar destas concessões de terras na seção das dez léguas da Capitania de Santo Amaro, diz o historiador Pedro Taques: "E porque Antonio Rodrigues de Almeida concedeu algumas terras de sesmarias fora da Capitania de Santo Amaro, dentro da Ilha de Santo Amaro de Guaibe, que é da Capitania de São Vicente, dizendo e expressando nos seus requerimentos, os concessionários, que Antonio Rodrigues de Almeida, sendo capitão-mor e ouvidor da Capitania de Santo Amaro, por d. Izabel de Gambôa lhes havia concedido terras que eram da Capitania de São Vicente, como foram todas as datas que concedeu dentro da dita ilha de Santo Amaro de Guaibe; e por isso tornaram a pedir as mesmas terras aos capitães-mores loco-tenentes de Martim Afonso de Souza, donatário e senhor da Capitania de S. Vicente, como expressamente se vê no Livro dos Registros das Sesmarias - tít. 1602, até 1617, pág. 54".

Em 1577, quando exercia o cargo de capitão-mor e ouvidor da Capitania de Santo Amaro, Antonio Rodrigues de Almeida, faleceu em Lisboa Martim Afonso de Souza (sobrinho), filho de d. Izabel de Gambôa, e passou a mesma capitania para o poder de sua irmã, d. Jeronyma de Albuquerque, casada com d. Antonio de Lima.

D. Antonio de Lima, como representante de sua mulher, traspassou a mesma capitania para sua filha d. Izabel de Lima, então casada com o seu segundo marido, André de Albuquerque. Estes, como 5ºs. donatários da Capitania de Santo Amaro, nomearam seu loco-tenente o sr. Lourenço da Veiga [20], por uma procuração passada na Vila de Setúbal, em data de 13 de setembro de 1577.

Eis os termos desse instrumento: "... Sendo aí presentes a sra. d. Jeronyma de Albuquerque e Souza e ele dito senhor André de Albuquerque, fidalgo da casa d'el-rei nosso senhor, e bem assim a sra. d. Izabel de Lima de Souza e Miranda, sua mulher, logo pelos ditos srs. me foi dito, perante as testemunhas ao diante nomeadas que por este Instrumento de Procuração faziam e de efeito fizeram e ordenaram, por seu certo e suficiente procurador em tudo bastante e abundoso, ao sr. Lourenço da Veiga, fidalgo da casa d'el-rei nosso senhor, e do seu conselho, que ora vai governador do Brasil, o amostrador da presente procuração ao qual senhor dão e traspassam todo o seu comprido poder, mandado geral, e especial, e para substabelecer outros procuradores, e se cumprir para o que por eles ditos srs. constituintes, e em seus nomes, possa fazer capitães em os lugares da Ilha de Santo Amaro e da Ilha de São Salvador, ou em quaisquer outros que parecer ao dito sr. Lourenço da Veiga, que são necessários, nas cinqüenta léguas de costa que têm nas ditas partes; porque nas trinta que tem na Ilha de Itamaracá e Paraíba, lhe não dão a dita procuração, porque já estão providos os oficiais e cargos: e assim poderá prover em todos os ofícios na presentação dos ditos srs. com tal declaração que as pessoas a quem ele dito sr. Lourenço da Veiga prover, venha ou mandem confirmar por ele ditos srs. constituintes, e bem assim poderá mandar arrecadar todas e quaisquer rendas que lhe são devidas, e ao diante deverem, por qualquer modo, via ou razão que seja, assim de foros como pensões, dízima e quaisquer outros direitos que lhes pertençam a eles srs. constituintes etc. ...".

Esta procuração substabeleceu o governador geral, Lourenço da Veiga, na cidade da Bahia, a 30 de janeiro de 1578, em Salvador Corrêa de Sá, governador do Rio de Janeiro, o qual, em virtude desta mesma procuração, concedeu terras na Capitania de Santo Amaro, como já ficou referido.

Os herdeiros de Pero Lopes, donatários de Santo Amaro e Itamaracá, como se vê por estas nomeações, souberam sempre captar, para a sua causa, a simpatia dos homens de grande prestígio, outorgando seus poderes nas pessoas dos próprios governadores-gerais, nomeados pelo rei; embora estes governadores (que nunca vinham a S. Vicente) ignorassem completamente as arbitrariedades que já aqui se cometiam em relação às respectivas divisas entre as duas donatarias. Os homens de valor, que então residiam nas vilas de S. Vicente e Santos, já não mereciam a confiança dos ditos donatários de Santo Amaro porque, conhecendo os direitos dos herdeiros de Martim Afonso, não se submeteriam mais às imposições dos seus antagonistas.

Salvador Corrêa de Sá, que acabava de ser nomeado governador do Rio de Janeiro, sabia bem que a cidade, fundada por Estácio de Sá, estava dentro da Capitania de São Vicente; pouca importância, porém, daria ele às questões de divisas jurisdicionais que então se agitavam, na sede da Capitania de Martim Afonso de Souza, da qual ele devia ser súdito, e tanto assim que aceitava a nomeação de loco-tenente da donataria de Pero Lopes, a qual daí em diante vai ficar debaixo de sua tutela e amparo.

Nesse mesmo ano de 1578, em que Salvador Corrêa de Sá fora investido do cargo de governador da Capitania de Santo Amaro, faleceu em Portugal o 2º donatário da Capitania de São Vicente, Pero Lopes de Souza, primogênito de Martim Afonso de Souza, passando então esta capitania para seu filho Lopo de Souza.

Os loco-tenentes deste 3º donatário foram Jeronymo Leitão, que assumiu o governo em 1579 e se manteve no cargo até 30 de março de 1592, e Jorge Corrêa, que serviu até 14 de março de 1595.

Na relação dos governadores da Capitania de São Vicente, nesta primeira fase, que vai em outro capítulo, ver-se-á quais foram os loco-tenentes de Lopo de Souza até o ano de 1610, quando este donatário recebeu, em legado de sua prima d. Izabel de Lima, a Capitania de Santo Amaro, como explicaremos adiante.

Durante esse lapso de tempo, 1578-1610, os loco-tenentes de Lopo de Souza nada conseguiram em prol dessa questão preliminar ou desse conflito de jurisdição entre as duas capitanias, pois que, devido ao patrocínio dos governadores-gerais, a Capitania de Santo Amaro, apesar de não ter sequer uma povoação onde pudesse arvorar a sua sede, manteve-se, entretanto, na posse da Ilha de Santo Amaro de Guaimbé.

Achavam-se as coisas neste pé, ou nestas condições, quando uma circunstância, sem dúvida já prevista, veio embrulhar ainda mais esta já velha questão entre as duas donatarias.

"Falecendo d. Izabel de Lima de Souza e Miranda, donatária da capitania das oitenta léguas doadas a seu avô Pero Lopes de Souza, sem sucessão, nomeou a seu primo, Lopo de Souza, donatário então da Capitania de S. Vicente, para lhe suceder na doação das oitenta léguas de Pero Lopes de Souza, denominadas Capitanias de Santo Amaro" (Pedro Taques, obra citada).

Ainda mesmo deduzindo o território em que se estabeleceu a capitania régia do Rio de Janeiro, ficaram assim concentradas nas mãos de Lopo de Souza, neto de Martim Afonso de Souza, cento e cinqüenta léguas contínuas de costa marítima, desde Macaé até a Laguna (Santa Catarina) e mais trinta léguas em Pernambuco, tudo com os respectivos sertões até as fronteiras dos domínios espanhóis.

Mesmo deduzindo a Capitania do Rio de Janeiro, as cento e tantas léguas restantes, com o imenso sertão, eram de fato a maior área de território, o maior feudo contido nas mãos de um simples particular!

Quem diria, pois, que após tantos anos de conflito entre as duas donatarias pela posse de uma pequena ilha de dez a doze léguas de circunferência, viesse, afinal, não só a dita ilha, mas todo esse imenso território, cair nas mãos deste donatário de S. Vicente, neto de Martim Afonso!

É neste ponto que, então, se estabelece o verdadeiro litígio entre as duas capitanias, isto é, entre os herdeiros de dona Ignez de Pimentel e do 1º conde de Monsanto (ramo feminino) e os herdeiros de Pero Lopes de Souza, filho primogênito de Martim Afonso de Souza, 1º donatário.

O que se tinha dado até então entre as duas donatarias havia sido, simplesmente, um conflito de jurisdição, porém o que se estabelece agora é um pleito renhido e sério sobre a posse de toda a donataria de Pero Lopes, composta de oitenta léguas de costa, que, em virtude de dito legado, vão ficar em poder de Lopo de Souza, herdeiro do morgadio de Alcoentre, de Martim Afonso de Souza.

Eis, como é, em poucas palavras, pelo dr. Antonio de Toledo Piza, exposto o sumário desta questão, na referida Memória, Processo Vimieiro-Monsanto:

"A esta sucessão, isto é, à posse dessas oitenta léguas em que ficou Lopo de Souza, foi que se opôs, primeiramente d. Luiz de Castro, 2º conde de Monsanto, filho de d. Ignez Pimentel e neto de Martim Afonso de Souza, alegando que a sucessão neste caso não deveria ser pela linha masculina, mas por parentesco e primogenitura; que ele, conde de Monsanto, era mais velho que seu primo Lopo de Souza, e que, como este, era também primo-segundo de d. Izabel de Lima. A ele, portanto, deveriam caber a herança desta senhora e a posse das donatarias de Santo Amaro e Itamaracá".

Começada a demanda neste terreno, faleceu Lopo de Souza, sem deixar herdeiros legítimos e na posse de sua herança entrou sua irmã, d. Mariana de Souza da Guerra, condessa de Vimieiro. Com esta continuou a demanda, que passou a seu filho d. Sancho de Faro e Souza, e a seu neto d. Diogo de Faro e Souza, condes de Vimieiro.

Falecendo este último, sem descendência, passaram, a sua herança e o litígio, a d. Marianna de Faro e Souza, condessa da Ilha do Príncipe, irmã (segundo afirma fr. Gaspar) de d. Diogo de Faro e Souza.

Com o falecimento de d. Luiz de Castro, 2º conde de Monsanto, o iniciador da demanda, foi esta continuada por seu filho, d. Alvaro Pires de Castro, e depois por seu neto, d. Luiz de Castro, que, ao seu título de conde de Monsanto, juntou o de marquês de Cascais.

Este venceu a questão e ficou senhor das donatarias questionadas, sendo as duas seções do Sul "anexadas à Coroa portuguesa, em 1711, mediante a indeniação de quarenta mil cruzados, que recebeu o marquês de Cascais".

Esta transcrição servirá pois de sumário aos capítulos seguintes, nos quais nos ocuparemos ainda desta importante demanda, especificando os atos mais importantes do litígio, que teve por fim prejudicar os herdeiros da Capitania de S. Vicente e oferecer ensejo para que parte dessa dita capitania ficasse então legalmente denominada Capitania de Itanhaém.

Árvore genealógica de Martim Afonso de Souza e Pero Lopes de Souza

Imagem inserida entre as páginas 20 e 21 da obra


[12] Processo Vimieiro-Monsanto - Tomo V - Rev. do Inst. Histórico de S. Paulo.

[13] Vide Arvore Genealogica de Martim Affonso de Souza e Pero Lopes de Souza, organizada por Fr. Gaspar que vae junto a este Capitulo.

[14] Em 1828, ainda estava em vigor aqui, no Brasil, a Lei dos Morgadios, a qual mantinha a organização da aristocracia hereditária. Nas sessões legislativas do ano seguinte - 1829 -, discutiu-se uma lei abolindo esses "privilégios de primogenitura e dos vínculos", que havia sido apresentada na legislatura transata; mas esse projeto caiu, continuando ainda em vigor o já caduco direito de morgadio, o qual só mais tarde foi abolido no Brasil. O último morgadio no Brasil foi o de Marapicú.

[15] Pedro Taques - História da Capitania de S. Vicente.

[16] Vide A Villa de Paranaguá, na parte que trata dos Carijós.

[17] No mapa topográfico da baía de Paranaguá, mandado levantar pelo governo da Metrópole, em fins do século XVIII, vem esta indicação, na ponta austral da mesma baía, próximo à vila de Antonina: Lugar onde se extraiu o primeiro ouro no Brasil. (vide Villa de Paranaguá).

[18] É esta a primeira concessão determinando a área ou testada. As demais são omissas neste ponto.

[19] Salvador Corrêa de Sá era, nessa época, governador do Rio de Janeiro.

[20] Lourenço da Veiga foi, nessa época, governador geral do Brasil.

Imagem: adorno da página 31 da obra