Recife, capital do estado de Pernambuco, foi visitada em 11
de dezembro de 1928 pelo escritor brasileiro Mário de Andrade (1893-1945), quando viajava como cronista do Diário Nacional, obrigando-se a
enviar diariamente textos para a coluna "O Turista Aprendiz".
O bonde é o centro dessa composição fotográfica de linhas e sombras que o escritor
modernista captou com "Codaque", como ele designava a sua câmera Kodak.
A imagem foi publicada em Mário de Andrade, Fotógrafo e Turista Aprendiz,
editado em 1993 pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP), em comemoração ao centenário de nascimento do escritor.
Bonde passando sobre a ponte Santa Izabel, no Recife
Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra
Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's
Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no
Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra é ricamente ilustrada (embora não identificando os autores das imagens), incluindo a foto
acima e a citação:
"[...] a viação urbana estabelecida na cidade do Recife está bastante desenvolvida, sendo feita
por quatro companhias de tramways que se denominam: Companhia Ferro Carril da Boa Viagem, Companhia Ferro Carril de Pernambuco, Companhia de
Transportes Urbanos de Recife a Olinda e Beberibe e a Braziliam Street Railway Company Limited.
"A Companhia Ferro Carril da Boa Viagem é de tração animal, e pequena, pois dispõe de um
capital de Rs. 25:000$00, transitando por uma extensão de 1.500 metros.
"A Companhia Ferro Carril de Pernambuco, também de tração animal, tem um capital de Rs.
800:000$000 e emprega em seu serviço 281 homens.
"A Companhia de Transportes Urbanos do Recife a Olinda e Beberibe é de tração a vapor, com uma
extensão de 13.584 metros. Tem um capital de Rs. 1.000:000$000 e emprega 113 homens no seu serviço.
"A Brazilian Street Railway Company Limited é a que dispõe de maior capital, Rs. 2.542:206$00.
Emprega em seus serviços 198 homens. É de tração a vapor e tem 16 quilômetros de extensão."
Foto cedida pelo pesquisador norte-americano
Allen Morrison, de New York/EUA
A imagem acima (da coleção do pesquisador Allen
Morrison, de New York), é de um cartão postal do início do século XX, que circulava ainda em 1954, com a estação dos bondes junto ao Arco de
Santo Antônio.
Destaca o especialista estadunidense Allen Morrison que Recife foi a segunda cidade
brasileira (depois do Rio de Janeiro) a operar bondes a vapor, podendo ter sido a primeira no mundo a operar locomotivas a vapor construídas
especialmente para rodar nas ruas. As duas primeiras dessas locomotivas foram construídas em 1866 pela Manning Wardle & Co. (de Leeds, Inglaterra)
para a empresa inglesa Brazilian Street Railway, que no Brasil foi conhecida como Estrada de Ferro de Caxangá.
A primeira linha de bondes a vapor, entre o porto e o bairro Apipucos, foi
inaugurada em 5/1/1867, com bitola de 1.219 mm (4 pés), sendo nesse ano estendida ao bairro Dois Irmãos e em 24/6/1870 a Caxangá. Um ramal para
Arraial (Casa Amarela) começou a funcionar em 24/12/1871.
Outra linha, com bitola de 1,4 metro, foi instalada com capitais brasileiros da
Trilhos Urbanos do Recife a Olinda e Beberibe, sendo inaugurada em Olinda a 20/6/1870, com o acréscimo no mês seguinte da rota para o rio Beberibe,
usando também locomotivas inglesas da Manning Wardle e carros de passageiros fabricados por John Stephenson em New York. Uma rota mais direta para
Caxangá foi construída em 1885 e os trilhos passando por Dois Irmãos foram removidos. Os bondes a vapor rodaram no Recife até a Primeira Guerra
Mundial.
A Pernambuco Street Railway, depois
Ferro-Carril de Pernambuco, abriu uma linha com tração animal para Madalena em 22/9/1871. Os primeiros veículos eram fechados como os ônibus locais
e assim eram chamados de ônibus pelo público. Quando a empresa instalou luzes elétricas, os passageiros rebatizaram os bondes como electroburros.
Usava-se então a mão de direção inglesa, pela esquerda da rua, como se pode notar na foto abaixo, e animais extras eram colocados ao longo do
caminho para reposição dos que se cansassem:
Foto: autor desconhecido
Apesar de seu espírito pioneiro, Recife foi a última das grandes capitais brasileiras a
instalar bondes elétricos, depois de 21 outras cidades no Brasil. Isso ocorreu em 1912, com a Pernambuco Tramways & Power Company, criada em Londres
em 24/1/1913, que iniciou os testes em 11/1913 e inaugurou a primeira linha elétrica (da área insular do Recife até Boa Vista, através da península
de Santo Antônio) em 13/5/1914.
A linha de bondes a vapor para Olinda foi eletrificada em 12/10/1914 e a tração
elétrica chegou a Várzea no ano seguinte. Os bondes a vapor para Dois Irmãos e Arraial foram substituídos por linhas elétricas em 1917 e o último
deles rodou no Recife, até o Beberibe, em 1922.
Bonde elétrico no Recife, em foto cedida pelo pesquisador
estadunidense Allen Morrison
Muitos dos bondes abertos foram reconstruídos como modelos fechados de luxo para
uma nova linha até a praia de Boa Viagem, inaugurada em 25/10/1924. Uma rota havia sido também planejada para Jaboatão, 8 km a Oeste de Tegipió, mas
nunca foi construída. Na década de 1920, a Pernambuco Tramways operava 130 veículos motorizados e 110 reboques em 141 km de linhas, o terceiro maior
sistema urbano de bondes no Brasil.
A partir de 1930, começaram a circular no Recife veículos fechados que o público
apelidou de zépelins. Mas, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, o sistema de bondes declinou rapidamente. A linha da área insular do
Recife até Santo Antônio foi eliminada em 1951, e o último bonde na cidade rodou de Boa Vista a Madalena - onde o primeiro veículo tracionado por
cavalos tinha circulado 80 anos antes - em março de 1954.
Bondes no Recife, a Veneza Brasileira,
em 1925: trecho do filme silencioso Veneza Americana, de 1925, por Hugo Falângola e J Cambiere, criadores da Pernambuco Films, empresa de
cinema que deu início à história do cinema em Pernambuco, produção que que veio a se chamar o Ciclo do Recife. Em 2007, a Cinemateca Brasileira
realizou a l Jornada de Cinema Silencioso Brasileiro, e convidou diversos músicos para criarem trilhas sonoras para executar o acompanhamento do
filme ao vivo durante exibição, Alexmono foi um deles, e após essa primeira apresentação, já circulou em outros eventos com o mesmo projeto. O filme
faz parte do acervo da Fundação Joaquim Nabuco, sediada em Recife, e foi restaurado pela Cinemateca Brasileira
Políticos locais acusaram a Pernambuco Tramways de quebra de contato e forçaram o
reinício do serviço, com um veículo aberto simples rodando um dia apenas, de Boa Vista a Fundão, em 1960. O bonde 104 foi o último preservado em um
parque na margem do rio, na Rua da Aurora, e transferido para
o Museu do Homem do Nordeste em 1985.
Em 15/6/1960, a nova Companhia de Transportes Urbanos inaugurou o sistema de
trólebus, que chegou a operar em nove rotas em 1980. Novas rotas de trólebus foram abertas em 1982. O serviço ferroviário suburbano, com locomotivas
a diesel da Estação Central até Jabotão (20 km) e da Estação Cinco Pontas até Cabo (30 km) começou a ser eletrificado, operando como metrô
interurbano a partir de 9/3/1985.