TRILHOS DA HISTÓRIA – Bonde turístico: um passeio no tempo em pleno Centro de Santos
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria, na primeira página
Bonde deixou de circular em Santos há 40 anos
Equipamento ficou na memória, deixou
saudade e virou símbolo de uma época
César Miranda
Da Redação
Para
assistir aos jogos do Santos na Vila Belmiro, estudar, fazer compras no Centro ou simplesmente
passear, o bonde deixou saudade para uma geração de homens e mulheres que passam dos 45 anos.
Esse sentimento nostálgico vem à tona hoje,
quando faz 40 anos que os bondes elétricos pararam de circular na Cidade. Entre os motivos para a extinção estavam a pressão de fabricantes de
trólebus (ônibus movido à eletricidade) e a falta de vontade dos políticos em manter o serviço.
Discussões à parte, as pessoas preferem guardar
as boas lembranças, como a gentileza e a educação de motorneiros e condutores (cobradores). Cordiais, cumprimentavam os passageiros, os adolescentes
e os adultos que gostavam de viajar pendurados no estribo.
As viagens eram comemoradas principalmente pela
criançada, que se divertia nos bondes abertos. A sensação de vento no rosto em um veículo motorizado só era possível a quem tivesse um conversível
naquela época, um luxo para poucos.
O último bonde a circular foi o da linha 42.
"Era um domingo e foi um dia tranqüilo", diz Emídio Simões da Silva, inspetor geral naquela ocasião. Aos 83 anos, ele lembra que não houve muita
reclamação do povo porque os trólebus já funcionavam gradualmente. Acompanhado do motorneiro 39 e do condutor 304 (era assim que se conheciam),
Emídio encerrou as viagens do bonde. "Foi bom enquanto durou".
Outros tempos
– Secundino Duarte Perez, de 72 anos, trabalhou como condutor. Ele recorda que o espírito da época era outro. "Era um tempo de boa educação e
respeito. Havia uma senhora que sempre nos deixava a chave de casa para entregarmos à filha quando ela voltasse da escola".
Mas a história inesquecível que ele guarda é a
da garota que o motivava a acordar cedo só para vê-la no bonde. Nas primeiras viagens, era só paquera. Contudo, a teimosia venceu: começaram a
namorar. "E hoje estamos casados. Já são 48 anos juntos", sorri.
Os bondes elétricos circularam em Santos de 28
de abril de 1909 a 28 de fevereiro de 1971, servindo a diversos locais da Cidade, prolongando-se para outros locais, como São
Vicente. Pertenciam à The City of Santos Improvements Company. A partir de 1952, passaram a ser administrados pelo
Serviço Municipal de Transportes Coletivos (SMTC).
Autor do livro A História dos Bondes de
Santos, a ser lançado neste ano, o historiador Waldir Rueda afirma que o fim dos bondes não causou muita mobilização popular, porque houve
"manobra política": a introdução dos trólebus, mais confortáveis e rápidos do que os bondes, já aos cacos por falta de manutenção.
Mais lembranças |
"Lembro que, sempre após
as 18 horas, na estação da Vila Mathias, nas viagens do bonde 2, destino São Vicente, embarcava Sílvio Navajas,
funcionário da City, no último banco, que alegrava as viagens com os sons de sua flautinha de lata, entoando qualquer melodia que lhe pediam" –
Renato Nogueira. |
"Cheguei a andar nos
últimos dias do bonde, nas férias que passei com minha família em Santos, entre 1966 e 1971. Era incrível ver o enorme movimento de bondes que
ainda havia na época, tanto daqueles pequenos como dos grandes. Mas praticamente todos já eram fechados". – Antonio Augusto Gorni. |
"Saudades da minha
infância, bondes abertos com o vento no rosto, rodar pelos estribos para fugir do cobrador e não pagar, o som sincopado das rodas nos trilhos e
o som silencioso e rouco dos motores elétricos. Saudades das linhas 4, 42, 10, bondes da minha infância" – Augusto. |
"Uma recordação que
sempre ficou marcada na utilização dos bondes era a do cobrador com as notas de dinheiro entre os dedos. Ele tinha uma habilidade para dar o
troco muito interessante" – Roberto Mauro. |
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Linhas que conduzem ao passado
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Liberdade sem igual
– "Sempre que eu pedia para andar no estribo do bonde, minha mãe não me deixava ir, alegando ser perigoso para uma criança. E como naquela época as
senhoras nunca viajavam em pé, pois a educação não permitia, eu acabava indo sentado ao lado dela. Porém, num certo dia, ao pegarmos o mesmo bonde,
tivemos a companhia de um tio, que viajou comigo no estribo e, assim, pude experimentar uma única vez a alegria de andar no estribo. Eu me senti a
pessoa mais livre do mundo, ao ponto de, hoje, não conseguir esquecer essa emoção". – Alcino Melo Silva, de 47 anos, especialista em planejamento
de navios.
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Uma cicatriz inesquecível
– "No domingo de Carnaval de 1952, peguei o bonde 5 para ir à matinê no Cine São José. Quando o bonde
trafegava pela Rua Silva Jardim, após o cruzamento com a Rua Lowndes, diminuiu a marcha, eu pensei que ia parar. Ao descer para o estribo é que
constatei que o bonde havia diminuído para passar pelo trilho da máquina da antiga Companhia Docas. Com a arrancada do bonde, caí no chão. Até hoje,
tenho a marca da queda no meu joelho esquerdo. Fui acolhido por uma senhora que fez um curativo. Apesar do susto, mesmo assim fui para a matinê" –
Valdemar Penha.
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Pura adrenalina
– "Tenho 55 anos e tive o privilégio de usar bondes para ir e voltar da escola primária onde estudei nos anos 60. Diariamente, eu pegava o bonde 15
no ponto inicial, na esquina da Avenida Siqueira Campos com a Rua Almirante Tamandaré. Eu adorava viajar no bonde com reboque. Era muito legal,
muita emoção, verdadeira adrenalina, como dizem os jovens hoje. Realmente, época que me marcou. Pena que meus filhos não a puderam aproveitar. Muita
tristeza pela perda dos bondes, mas muito feliz por ter o privilégio de usá-los e curti-los" – Luiz Simões, de 55 anos, consultor de sistemas.
Foto: arquivo, publicada
com a matéria
Por
onde andarão Mário e José? – "Lembro-me bem daquela época
feliz da minha adolescência quando nós, estudantes, nos reuníamos na orla da praia à espera do bonde que nos levaria. Lembro-me da paciência e da
dedicação do cobrador, seu Mário, que alguns chamavam carinhosamente de seu Marola, e do motorneiro, seu José. Um dia, por
esquecimento, deixei em casa um caderno que deveria levar. Minha mãe veio, apressadamente, trazê-lo a mim, mas eu já havia embarcado. Seu
Mário, ao perceber o que estava acontecendo, pediu ao seu José que esperasse até que mamãe me alcançasse. Há anos moro nos Estados Unidos, e,
às vezes, fico a pensar onde e como estarão os dois. Eu nunca os esqueci" – Iara Leite Cruz Himes, 60 anos, voluntária.
Foto: arquivo, publicada com a matéria
Um passeio sem fim
– "Tive a alegria de utilizar os bondes durante as minhas infância e juventude. Aos domingos, quando não tinha nada para fazer, ficava andando de
bonde, percorrendo diversas vezes o seu trajeto inteiro. E, quando passava em frente à minha casa, lá estavam meus pais sentados à porta, como era
costume naquela época. Dava um tchauzinho e seguia em nova jornada. Para provar que já eram homens, os jovens tinham que saber pegar e descer
do bonde andando. Então, se enchiam de coragem para conquistar essa habilidade o mais rapidamente possível". – Nelson da Silva Agria, 69 anos,
administrador de empresas. |