DEPOIMENTO DE UM IDEALISTA E
BRAVO SOLDADO
"Não pensava em sair do Catete nunca mais"
General Aristóteles Ribeiro
Confusão no Q.G. da 2ª R.M. no dia 9 de julho de 1932 - um capitão
que teve coragem de opinar - revolução é ataque e não defesa - constitucionalista por ideal - Fala a O Mundo Ilustrado o
general Aristóteles Ribeiro
Foi o general Euclides Figueiredo
quem nos falou no general Aristóteles Ribeiro que - ao tempo da Revolução Constitucionalista - fora, como capitão, elemento de
valor de seu Quartel General. Procuramo-lo.
Um emissário - "Estava de prontidão toda a 2ª Região
Militar por causa dos boatos de revolução - começou o gen. Aristóteles Ribeiro - e, por isso, toda a oficialidade de seu comando
e os comandantes de unidades se encontravam no .G. da Rua Comendador Crispiniano quando ali chegou, no dia 9 de julho, pela
manhã, um emissário - se não me engano, o capitão Scipião de Carvalho -, a fim de convidar o comandante interino da Região, cel.
Castro Pinto, para uma conferência com o gen. Euclides Figueiredo na Rua Sergipe, 37".
Opinião decisiva - "Reunida toda essa oficialidade,
esboçou-se um movimento de reação ao convite: não ir o coronel-comandante à conferência. Havia um pouco de confusão ante a
emergência cuja gravidade se adivinhava.
"Resolvi manifestar-me, embora não fosse dos oficiais mais
graduados: opinei por que o cel. Castro Pinto fosse à entrevista e ofereci-me para acompanhá-lo, fazendo-me responsável pela sua
pessoa. Argumentei que pelo menos o nosso comandante ficaria sabendo do que se tratava em realidade, em meio de tantos rumores.
"Minha opinião foi aceita. O cel. Castro Pinto dispôs-se a ir.
Organizaram-se, então, duas caravanas: uma composta do emissário, o coronel e eu; outra, do então tenente Saraiva (hoje coronel
e que foi comandante do 1º B.C.) e mais dois oficiais."
Sergipe, 37 - "Na casa da Rua Sergipe, 37, acompanhamos, o
tenente Saraiva e eu, o cel. Castro Pinto à presença do gen. Euclides Figueiredo, que expôs o objetivo da entrevista - a
revolução -, e perguntou ao coronel qual seria a sua atitude. O cel. Castro Pinto respondeu ponderando que outras sedições já
haviam fracassado, que a responsabilidade era grande e que, no caso de decidir-se a participar de movimento semelhante, somente
o faria mediante compromisso escrito dos chefes militares revolucionários. Não confiava em compromissos verbais como os que
afirmava haver o gen. Euclides Figueiredo.
"- Não podemos perder tempo com papéis - respondeu-lhe o gen.
Euclides. - Precisamos de ação.
"E, dirigindo-se a mim, perguntou que pensava eu:
"- Se houver a revolução, estarei com ela - respondi.
"Também o tenente Saraiva respondeu afirmativamente."
Ultimatum - "Então o gen. Euclides Figueiredo disse
ao cel. Castro Pinto que lhe dava prazo para decidir-se até às 9 horas da noite. Caso, a essa hora, não tivesse uma resposta
afirmativa da parte de nosso comandante, invadiria o Q. G. para assumir o comando da Região.
"Voltamos ao Q. G. da Comendador Crispiniano, onde, conhecido o
resultado da entrevista, passou a reinar uma crescente confusão. E o prazo do ultimatum se venceu sem que o cel. Castro
Pinto se houvesse pronunciado."
O assalto - "Cumprindo a ameaça, chegou o gen. Euclides Figueiredo para o assalto. A guarda
confraternizou-se com a revolução e o cel. Castro Pinto entregou o comando ao general revolucionário.
"Imediatamente, o gen. Euclides reuniu toda a oficialidade e expôs
os objetivos da revolução em poucas palavras. Terminou declarando que ninguém era obrigado a aderir. Os que não quisessem
participar do movimento que o declarassem, deixando na declaração o nome, o posto e a residência, e poderiam retirar-se para
suas casas. Os outros seriam imediatamente aproveitados em missões da Revolução".
Mudança no Q. G. - "A primeira providência
que me coube cumprir, juntamente com o tenente Saraiva, e sob as ordens do cel. Palimércio Rezende, foi a mudança do Q. G. da
Região da Rua Comendador Crispiniano para a chácara do Carvalho." (Estas declarações quanto à
mudança do Q. G. corrigem um engano na entrevista com o gen. Euclides Figueiredo, na qual não
há referência ao Q. G. em Comendador Crispiniano).
Dificuldades - "Nessa mesma noite - prosseguiu o gen.
Aristóteles Ribeiro - começou-se a organizar os comboios de tropas, os primeiros para Cachoeira e Silveira. A marcha das tropas
foi algo retardada por desentendimentos que opuseram dificuldades à rapidez da ação, particularmente as divergências com o 4º R.
I. de Quitaúna.
"O comandante do 5º R.I. de Lorena - cel. Ascendino de Ávila Melo,
se não me falha a memória - por exemplo, não acreditou na adesão do 6º de Caçapava, e declarou que somente poria sua tropa a
serviço da Revolução depois que passasse por Lorena o 6º de Caçapava, sob o comando do cel. José Joaquim de Andrade."
O fracasso - "Mas - observa o gen. Aristóteles Ribeiro -
não foram essas dificuldades iniciais a causa do fracasso da Revolução Constitucionalista, na qual servi, até o fim, no Estado
Maior do gen. Euclides Figueiredo. As causas foram diversas e concorrentes, porém quando nos conservamos apenas em defensiva,
sem tomar a iniciativa de ataque e de avançar, eu disse: - Estamos perdidos, ou melhor, a Revolução está perdida, porque
revolução é ataque e não defesa."
No Paraguai - "Todavia, restava-nos, a nós, idealistas, uma
esperança: Mato Grosso, de onde poderíamos prosseguir o movimento. E, assim, o cel. Palimércio, o filho dele, dr. Rezende, se
não me engano tenente Nelson de Mello, da Marinha, e eu, rumamos para Mato Grosso (o Dr. Rezende é o que pertence hoje à alta
administração da TV Record).
"Em Lagoa Rica, no entanto, tivemos notícia da contra-revolução em
Mato Grosso. Só restava um caminho para nós - o do Paraguai. Descemos da prancha da estrada de ferro os automóveis e rodamos até
a Fazenda Bomjardim, onde se acabou a gasolina. Prosseguimos montados em matungos e fomos sair nas cabeceiras do Apa,
depois de 11 dias de viagem. Dali para Assunção, onde estive dez meses."
Razões de revolucionário - O gen. Aristóteles contou-nos
vários episódios, seu exílio, a anistia, sua volta ao País, a reintegração no Exército. A última unidade que comandou foi o 7º
R. I. em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, de onde veio, em 1952, para o Ministério da Guerra, a chefiar a Divisão de
Mobilização, havendo sido reformado em 1953.
"Foi a única revolução de que participei. Nunca conspirei -
afirmou-nos -, mas a resolução que tomei em 9 de julho de 1932, no Q.G. do gen. Euclides, na Rua Sergipe, 37, foi espontânea e
de lealdade para comigo mesmo. Fiz-me revolucionário por ideal.
- E qual a causa de haver se tornado revolucionário? Por quê
abraçou a causa da Revolução Constitucionalista?
"Havia eu terminado o curso de Estado Maior quando fui transferido
para São Paulo. Saí do Rio muito aborrecido com a situação de meu país e da ilegalidade ditatorial em que vivíamos. Os atos de
Getúlio Vargas como chefe do Governo Provisório davam a entender que ele não pretendia realizar o plebiscito que prometera, nem
eleições, nem pensava em sair nunca mais do Catete. E isso não estava certo nem convinha ao Brasil - estava eu convicto. Como
vê, abracei a causa constitucionalista por ideal. E é com tristeza que vejo como hoje se movem os homens apenas por interesse,
esquecidos da Pátria e do Ideal. Pioramos, moralmente".
- Mas, valeu a pena a Revolução?
"Valeu. Valeu como lição, como exemplo para os brasileiros de hoje
e do futuro. Só não valeu para o sr. Getúlio Vargas e para a maioria dos políticos brasileiros. Por isso, reformado, não quis
aceitar comissões que me foram oferecidas e espero que, depois de 35 anos de serviço ao Exército e à Pátria, possa daqui por
diante dedicar meus dias à família e à educação dos filhos".
Lá de dentro, vinham as notas de piano da lição de música da filha
do general. |