Foto: Leandro Amaral, publicada com a matéria
HIP HOP - A CULTURA DAS RUAS
A força da periferia
Eugênio Martins Júnior
No Brasil, país cheio de pobre, preto e favelado, a cultura hip hop caiu como
uma luva. No início dos anos 80, começo da febre, os brasileiros imitavam os gringos em tudo, na dança, nas roupas e nas batidas. Os quatro
elementos do hip hop (música e poesia com atitude na forma do rap; dança de rua, chamada de break; arte gráfica na forma de grafite; e
os DJs e MCs com suas tecnologias) cooptaram milhares de jovens.
Com o tempo, o hip hop brazuca recebeu influências internas como samba e outros ritmos, foram criados grifes
e grupos que, de maneira muito peculiar, cantam e contam o que acontece na periferia. Adquiriu conscientização.
Certa vez, o rapper Chuck D, do grupo Public Enemy, declarou que o Rap é a CNN (N.E.: Cable News
Network, emissora de televisão noticiosa dos EUA) dos negros norte-americanos. Thaíde, um dos pioneiros do rap no Brasil, compartilha dessa
idéia: "O rap sempre foi o jornalismo da periferia. Sempre denunciando a violência e não podia ser diferente",
afirma, o rapper que, nos anos 80, freqüentou com Nelson Triunfo e DJ Hum as tardes de break na Rua 24 de Maio e depois da estação de
metrô São Bento, em Sampa.
O primeiro elemento da cultura hip hop a aportar por aqui foi o break e como não podia deixar de ser, nas
pistas do eixo Rio-São Paulo. O hip hop começava a ganhar as manchetes dos jornais e certa articulação política. Entretanto, fora das grandes
capitais, continuou como cultura de rua, com cada um se virando como pode.
Carlos Augusto Pinto, o Carlinhos do Break, vicentino de 41 anos, 29 deles dedicados ao break,
lembra que a primeira vez que ouviu a expressão "breakdance" foi no filme Beatsreet no começo da década de 80. "Esse
filme deu visibilidade ao hip hop no Brasil", conta Carlinhos, um dos primeiros na Baixada Santista a formar um grupo de dança de
competições, o Dinamic Breakers, que já conquistou prêmios nos principais torneios do país. Ele é adepto do popper, estilo meio "quebrado"
que faz com que o praticante fique parecendo um robozinho enquanto dança.
A dedicação de Carlinhos é tanta que ele construiu uma pista dentro do próprio quintal, no Parque São
Vicente, para agregar a rapaziada. "Para mim o hip hop passou a ter um caráter social e eu sempre reuni a garotada para dançar
aqui no quintal. Enquanto estão aqui dançando não pensam em besteiras", diz Carlinhos, afinando o discurso de conscientização.
Não são poucas as iniciativas culturais que chamam a atenção para os problemas ligados à pobreza das grandes
cidades brasileiras, onde a miséria une brancos e negros.
Recentemente, o documentário Falcão, Meninos do Tráfico, produzido pelo rapper MV Bill, ele mesmo um
morador da favela Cidade de Deus, causou um estardalhaço ao mostrar em rede nacional a rotina de jovens envolvidos com o tráfico de drogas em
diversas favelas do Brasil. Para Thaíde, o documentário é importante porque mostra a violência que o brasileiro só está acostumado a ver nos filmes.
"A sociedade está cada vez mais violenta e não é só na periferia. Se alguém fizer um documentário sobre o movimento sem-terra
ou sobre os problemas dos camelôs de São Paulo, com certeza também vai chocar. Experimenta ir a um hospital público de madrugada", diz.
E o que o funk carioca tem a ver com o rap, Carlinhos? "O funk carioca
não tem conteúdo. Não me agrada porque prega tudo ao contrário do que nós acreditamos. Nós pregamos a conscientização, e o funk prega a
bagunça", diz Carlinhos, desancando a música que trata as mulheres como cachorras.
Já Thaíde, apesar de concordar que a mensagem do funk carioca às vezes exagera, não vê grandes conflitos. "No
funk carioca existem muitas letras que falam sobre diversão e isso eu acho bom. Eu mesmo tenho algumas letras que falam em diversão, mas, é
claro, não daquela forma. Se ficar falando só de violência acaba ficando chato".
Carlinhos do Break, que milita há 29 anos no movimento hip hop, fez do quintal de
casa o maior ponto de adeptos do break da região
Fotos: Alex Almeida, publicadas com a matéria
Em São Vicente, os melhores B-Boys do Brasil
Em tudo quanto é evento ligado ao hip hop em São Vicente,
Carlinhos do Break está envolvido. Alguns de seus B-Boys podem ser considerados os melhores do Brasil.
Ricardo Nunes da Silva, o Zoio, um estivador de 30 anos - quem diria - foi eleito por dois anos
consecutivos o melhor popper no que pode ser considerado o campeonato brasileiro de break, a Batalha Final. Também já foi duas vezes
campeão do quadro Se vira nos Trinta, do Programa Fausto Silva e de outros campeonatos estaduais.
Cristiano da Silva, o Cachorrão, que trabalha com comércio exterior, não deixa barato. Além de ter sido
campeão individual da Batalha Final, em 2005, também faz performances e workshops pelo Brasil.
Ambos começaram cedo, antes dos 15, na roda de break do Carlinhos em São Vicente, e hoje trilham
caminhos individuais inspirando os mais novos onde passam. Além de ser o aglutinador da rapaziada, Carlinhos ainda mantém o programa
Academia de B-Boys, todos os sábados, das 19 às 21 h, na rádio comunitária Los Angeles, na freqüência 97,3 FM.
Ligado a eles está o DJ Maurício, com seu equipamento escolhido a dedo nas lojas especializadas de São Paulo.
Recentemente, Maurício acoplou em seu kit um computador comprado a duras penas com o salário de fiscal de lotação na Vila Margarida. Sempre
que pode, o DJ e seu primo Ed Som colocam seus amplificadores, suas caixas acústicas com ensurdecedores alto-falantes de 12 polegadas, toda a
parafernália eletrônica e seus mais de mil discos de vinil, CDs e MDs a serviço dos quadris alheios.
Ao som do grupo de rap Razão Original, também lá de Santa Rosa, Tiquinho exerce
sua arte em um dos muros do bairro. Uma arte completa a outra
Fotos: Leandro Amaral, publicadas com a matéria
Guarujá representa
Em 1993, Fernando dos Santos Rodrigues imitava em seus cadernos de desenho as figuras que via nos discos de rap.
Os desenhos chamaram a atenção de outro amigo que já era envolvido com a cultura hip hop. O resultado foi que, em menos de um ano, Tiquinho,
como é conhecido, já participava nos bailes que freqüentava como grafiteiro oficial. Também foi nessa época que fundou com o amigo Marquinhos
o grupo de B-Boys Santa Rosa Breakers.
Desde então, Tiquinho oferece oficinas de grafite e de break para a garotada do bairro e para
menores infratores na Assistência Social do Guarujá. "O hip hop precisa ter esse
papel social. Eu participo como posso, esse menino começou comigo e está até hoje", conta Tiquinho, apontando para José Valter, o Bidu,
que o ajuda nos grafites e rateios para comprar tintas entre a rapaziada do bairro. Cada grafite não sai por menos de R$ 200.
Hoje, Tiquinho conta com mais de 300 grafites em seu catálogo, alguns espalhados pelas cidades da
Baixada Santista, São Paulo e Americana, mas a maioria no seu próprio bairro, o Santa
Rosa, em Guarujá.
Também foi de lá que há dois anos saiu o Radiola Santa Rosa, que, apesar de fazer música eletrônica
influenciada pelo rap, não aceita rótulos. "Não somos puristas, a nossa música é baseada na pesquisa de ritmos, mas o
rap também faz parte da nossa formação musical, principalmente nas letras engajadas", diz Caio D'Amore, o cantor do grupo que conta
com o DJ Beto Machado e o técnico de som André Cunha Coelho.
O primeiro CD do Radiola foi considerado pela crítica especializada uma das revelações de 2005 e pelo site
Trama Virtual o melhor disco independente. "Fizemos o disco sem nenhuma grana. Foi tudo emprestado ou doado,
inclusive as horas de estúdio", comemora Beto. |