Foto de Marcello Tálamo da entrada da Usina Henry Borden, em maio de 2003.
Note-se os trilhos e o sistema de tubulações ao fundo
Foto: site Trilhos na Serra
A ferrovia da Usina da Serra - Henry Borden
A Usina da Serra, ou Usina Henry
Borden, possui uma história bem antiga. Já em 1900, a cidade de São Paulo albergava cerca de 165 estabelecimentos
industriais, com o predomínio das indústrias têxteis, metalúrgicas, fábricas de bebidas e marcenarias, na sua maioria instaladas entre os anos 1880
e 1890. Vinte anos se passaram e o número de estabelecimentos atingia 4.415, agregando a indústria farmacêutica. Em 1940 chegaram a 14.225 e, em
1950, eram 24.159 os estabelecimentos fabrís.
Na época em que lemas ufanistas apareciam na capital paulista – "São Paulo é o maior
parque industrial da América Latina" – o rio Tietê e afluentes acompanhavam o progresso participando dos sistemas criados para a obtenção de
energia. Ao final do século XIX, 73,23% da energia era gerada a vapor; 21,87% de natureza hidráulica, o gás concorria com apenas 0,47% e 4,29%
provinha da geração de eletricidade.
Em 1920 a eletricidade já representava 47,2%, pois o Rio Tietê, desde 1910, recebeu em
Parnaíba os primeiros grandes geradores hidrelétricos do Brasil (2 Mw) ampliando-se até 1912 para 16 Mw.
O fotógrafo ferroviário Rafael Correa e o
pesquisador e historiador ferroviário Alberto del Bianco examinam a bitola dos trilhos e o Aparelho de Mudança de Via, na entrada da Usina H.
Borden
Foto: Marcelo Tállamo, em maio de 2003, no site Trilhos na Serra
A história tem início em 1899 quando a Light, empresa canadense, recebeu a concessão
para explorar os serviços de transportes urbanos na capital paulista. Inicialmente foi instalado um sistema gerador termelétrico, enquanto a Usina
de Parnaíba era construída. Para a operação desta usina deveria ser construída uma grande represa para regularizar a vazão do rio; hipótese
afastada, pois o reservatório afetaria a cidade de São Paulo. Em 1908, nova concessão e o rio Guarapiranga, afluente do rio Pinheiros, viria a se
transformar na Represa Velha de Santo Amaro, depois chamada de Guarapiranga.
Outras concessões e a Light passou a deter o monopólio, abrangendo São Bernardo do
Campo, Santo Amaro, Guarulhos, Parnaíba, Sorocaba, São Roque, Ibiúna e Jundiaí. Entre 1923 e 1924, devido à crise de abastecimento de energia
elétrica na capital e atendendo às diretrizes de Asa Billings, a São Paulo Light iniciou estudos com o objetivo de construir uma hidrelétrica, que
aproveitasse as águas das bacias do planalto, lançando-as sobre o desnível de setecentos metros da serra do Mar, para acionar as turbinas. A escolha
recaiu sobre o Vale do Rio das Pedras, junto a Paranapiacaba. Em janeiro de 1925 iniciou-se a construção da maior obra do setor energético, da
primeira metade do século XX.
Ponte de concreto, na área da Usina Henry Borden, tendo
à esquerda a ponte metálica, até onde chegava o terceiro trilho. Ao fundo a pedreira onde aparentemente terminava o ramal de Pilões que acessava o
Sítio dos Queiroz
Foto: Marcelo Tállamo, em maio de 2003, no site Trilhos na Serra
Com a execução do projeto, as águas de vários rios do planalto foram conduzidas para
formar uma represa no Rio Grande, hoje denominada represa Billings. Desta represa, através de um canal, as águas chegavam ao reservatório do Rio das
Pedras e, por um túnel, ao castelo d'água, na borda da serra, de onde eram lançadas em sete grandes tubos, que acionavam
as turbinas da Usina de Cubatão, 713 m abaixo.
A represa do Rio das Pedras e a Usina de Cubatão (Henry Borden), já com a turbina nº 1
produzindo 28 mil kva, foram inauguradas em 10 de outubro de 1926. A barragem do Rio das Pedras, com 25 m de altura e 126 m de comprimento, é toda
em concreto e liga-se à Billings por um canal de 11 km.
Em 1927 a Light foi autorizada a aumentar a capacidade de suas usinas da serra, com a
utilização das águas dos rios Tietê e Pinheiros, a jusante da capital. O projeto se viabilizou com a canalização do Rio Pinheiros e a construção das
usinas elevatórias de Traição (Cidade Jardim) e Pedreira (Santo Amaro), para lançar as águas do Tietê na Billings. A cota da represa do Rio Grande
foi elevada em 14 m, passando a 747 m.
Na ponte metálica (hoje fechada e condenada,
visível da Via Anchieta), nota-se a presença do terceiro trilho (interrompido, entre as duas linhas férreas contínuas), comprovando aparentemente a
bitola mista que ligava a ferrovia da Usina Henry Borden à ferrovia de Pilões
Foto: Marcelo Tállamo, em maio de 2003, no site Trilhos na Serra
Com esse método, a capacidade da Usina de Cubatão foi significativamente ampliada, sem
a necessidade da construção de novas barragens. Esse mesmo expediente foi utilizado pela Light em 2 outras oportunidades. Em 1952, a Usina de
Parnaíba foi demolida, construindo-se em seu lugar a Usina Elevatória Edgard de Souza, com capacidade para inverter o curso das águas do rio Tietê.
Cinco anos depois (1957), a Light obteve autorização para para a transferência, pelo mesmo método, das águas da bacia do Rio dos Monos, para reforço
do Sistema Billings.
Primeiras tubulações da Usina Henry Borden. Ao lado, a
via férrea exclusiva para a construção. Esse sistema era e ainda é operado por troles rebocados por cabos, devido à alta declividade
Foto: site Trilhos na Serra
No entanto, para a construção dessa Usina, com seus materiais de grande porte, foi
necessária a utilização de ferrovias, pois na época a única ligação razoável de São Paulo com Santos era a estrada do Mar. Para tanto, foi
construído um ramal na bitola de 1,60 m a partir da Estação de Cubatão da São Paulo Railway, ferrovia que ligava Santos ao Planalto, para que os
vagões e locomotivas com cargas, vindos de Santos ou São Paulo, pudessem chegar diretamente às obras da Usina. Foi uma obra de porte, com várias
pontes ferroviárias para cruzar os diversos rios existentes na região, conforme pode ser visto no mapa abaixo (linha em cor laranja):
Mapa das linhas ferroviárias cedido pelo
pesquisador Moysés Lavander
Imagem: site Trilhos na Serra
Uma interessante via férrea (linha dupla grafada em vermelho no mapa acima) foi
construída também ao longo do morro, paralela ao sistema de tubulações, para conduzir peças e operários durante as obras e mesmo para abastecimento
do pessoal da Casa de Captação de água da Usina - linha essa semelhante às existentes ao lado do sistema de Itatinga e do Oleoduto da Serra.
A empreiteira contratada para as obras, a Morrison Knudsen, também fez uso extensivo
de material de bitola de 0,90 m para a empreitada, de forma que o local se transformou em um verdadeiro complexo ferroviário, como mostra uma das
raras fotos disponíveis da época da construção:
Rara foto da época da construção da usina Henry
Borden
Imagem: site Trilhos na Serra
A página Trilhos na Serra
página visa registrar, através de fotos e textos, a ferrovia que existiu e ainda existe na Usina Henry Borden. Infelizmente não temos fotos das
locomotivas ou vagões usados na construção ainda, mas de acordo com a documentação disponível, a The São Paulo Tramway Light and Power recebeu em
fevereiro de 1948 duas locomotivas Whithcomb, de números 40.582 e 40.583 na bitola de 1,60 m tipo 20dm58 (ou seja, de peso = 20 tons, tipo = diesel
mecânica, versão - 58).
O pesquisador e historiador ferroviário Alberto del
Bianco avalia o Aparelho de Mudança de Via (AMV), na entrada da Usina, que continua em estado operacional
Foto: Marcelo Tállamo, em maio de 2003, no site Trilhos na Serra
Em recentes visitas a essa ferrovia, descobrimos que ainda existem duas locomotivas
nesse local, utilizadas para tracionar os vagões que carregam os transformadores quando da necessidade de manutenção - locomotivas essas que podem
ou não ser as acima descritas, e que estaremos tentando conferir em breve. A única informação que temos é que são na cor verde e não são de cabine
central.
A instalação de adutoras na Serra do Mar, em
1926: note-se os trilhos das vias de serviço e, na parte inferior da via à esquerda, um dos troles então utilizados, rebocado por cabos
Foto do Acervo Eletropaulo, reproduzida do folheto Cubatão - 2 - Documentação Histórica -
Série Cidades, produzido em 1994 pela Eletropaulo Eletricidade de São Paulo - Depto. de Patrimônio Histórico, com apoio do Centro de
Documentação Histórica da Eletropaulo
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