Cartão postal de 1907 ("Lembranças de São Paulo II"): é um raro registro histórico
dessa ferrovia, vendo-se claramente uma locomotiva com dois carros de passageiros (oriundos dos antigos bondes puxados a burro). Estudos recentes
indicam - ainda sem confirmação - que possa ser uma das duas locomotivas Kerr-Stuart enviadas para a Cia City na virada do século XIX/XX
Foto: site Trilhos na Serra
The City of Santos Improvements Company Railway ou A História da pequena
Ferrovia da Cia. City de Santos, no Vale do Rio Pilões
A região de Santos possuiu, desde o início da era
ferroviária no País, uma das mais impressionantes diversidades em termos de sistemas de trilhos e bitolas que se conhece no País e talvez no mundo.
Poucas vezes teremos visto, concentradas em uma região geográfica relativamente
pequena, tantos e tão diferentes tipos de sistemas, linhas ferroviárias e bitolas, desde a poderosa bitola de 1,60 metro da São Paulo Railway, até
as modestas bitolinhas de 0,60 m das ferrovias bananeiras e de serviços das inúmeras indústrias que haviam no local no passado, passando
pelas linhas de bonde em Santos em sua bitola exclusiva e as linhas na Cia. Docas de Santos nas bitolas de 0,60
e 0,80, 1,00 e 1,60 m, sistemas esses que são abordados no site Trilhos na Serra,
trabalho em desenvolvimento patrocinado pela EFBrasil que visa resgatar as modalidades de
transportes sobre trilhos na Baixada Santista.
Entre esses sistemas, um revestiu-se de especial importância e interesse, pois - ao
contrário da grande maioria dos sistemas de 0,60 m existentes na região para o transporte de bananas (as ferrovias bananeiras), que se
utilizavam de pequenas locomotivas no sistema "Decauville" - essa ferrovia usou locomotivas de porte relativamente grande, destacando-se as máquinas
das empresas Kerr-Stuart (inglesa) e inclusive robustas locomotivas alemãs da fábrica Henschel & Son.
Existem poucos dados a respeito dessa ferrovia, mas - de acordo com informações
colhidas junto aos pesquisadores ferroviários Nicholas Burmann, Sérgio Mártire e Moysés Lavander - ela pertencia à City of Santos Improvements
Company - Cia. City para os santistas - e iniciava-se na Estação Ferroviária de Cubatão,
da São Paulo Railway, estendendo-se a partir daí por mais de 15 km, percorrendo os vales dos rios até a represa
da Cia. City. e posteriormente a linha da Estrada de Ferro Sorocabana na altura de Mãe Maria.
Vista do complexo da Usina Henry Borden, antes da construção da Via Anchieta.
No lado direito, aparecem o conjunto da Fábrica de Papel e o bairro Fabril.
Ao fundo, a linha férrea de Pilões acompanha o morro.
No centro da foto, as pontes por onde passava o ramal ligando a Usina à Linha Férrea
da SPR
Foto: site Trilhos na Serra
Ao deixar a estação de Cubatão, um pouco adiante a ferrovia lançava um ramal à sua
esquerda, em direção ao local conhecido como Sítio dos Queiroz, aparentemente para uma pedreira. Havia também um desvio à direita alguns quilometros
à frente, onde um pequeno trecho de linha ligava a ferrovia de Pilões com a linha que, também saindo da estação de Cubatão
da SPR, ligava-a à Usina Henry Borden, ramal esse em bitola de 1,60 m e que era em bitola mista a partir do encontro com um
ramal da linha da Estrada de Ferro de Pilões.
Prosseguindo a linha de Pilões em direção aos reservatórios de mesmo nome, ainda havia
um pequeno desvio que ligava essa ferrovia à fábrica de papel no bairro Fabril. Inicialmente a linha era na bitola de 0,60 m até os reservatórios
existentes a 3 quilômetros de Cubatão, onde existia um segundo sistema de tratamento e bombeamento para as adutoras existentes em direção à cidade
de Santos e que era utilizado ao mesmo tempo também para a captação das águas do Rio Cubatão.
Quando da construção da Via Anchieta e da Usina
Henry Borden, presume-se que a linha foi então eletrificada na bitola de 0,80 m e construídos para a tração um bonde que por sua vez rebocava um dos
antigos bondes a burro da cidade de Santos, fazendo então um percurso utilizado pelos moradores dos bairros que
nasciam em redor da ferrovia. A partir dessa intersecção, a ferrovia continuava na bitola de 0,60 m, até a captação das águas na represa existente
ao pé da serra e no vale dos rios Quilombo e Cubatão.
Mapa traçado pelo pesquisador Sérgio Mártire mostra o traçado original da
ferrovia, partindo da Estação Ferroviária de Cubatão
Imagem: site Trilhos na Serra
Os mapas do IBGE dos anos 60 e 70 já mostram a linha partindo da Fábrica de Papel, o
que demonstra que essa ligação deve ter sido amputada - junto com o ramal de 1,60 m que servia à Usina Henry Borden - com a construção da Via
Anchieta, mas que ainda existe nas proximidades dessa Usina.
Mapa do pesquisador Moysés Lavander, com mais
detalhes da linha de Pilões ( em cor magenta). Logo após a saída de Cubatão a ferrovia lança um ramal para a esquerda em direção ao Sítio dos
Queiroz, onde haveria uma pedreira. Os pesquisadores conhecem uma só foto desse local, em uma empresa da região de Cubatão. Logo à frente, a ligação
com a linha da Henry Borden (em cor laranja). Um bom trecho dessa linha e suas obras-de-arte ainda existe. Mais adiante, o ramal (à direita) para a
Fábrica de Papel, já do outro lado do rio e a partir daí, a ferrovia segue em linha quase que reta, margeando o rio Cubatão, até os
reservatórios e a ligação com a Sorocabana
Imagem: site Trilhos na Serra
A passagem em nível ainda existe e algumas versões dizem que posteriormente os bondes
utilizados nessa linha foram transferidos para Bertioga, na Hidrelétrica de Itatinga, informação a ser confirmada ainda. Todo esse sistema estava
situado onde hoje temos o Núcleo Pilões, do Parque Estadual da Serra do Mar, no vale do Rio Cubatão, e em muitos pontos podemos ver ainda seus
trilhos.
Locomotivas fabricadas pela Kerr, Stuart, com bitola 0,60 m:
Nº. de fábrica |
Rodagem |
fabricação |
Nome |
Tipo |
116 |
0-4-2T |
jan/1898 |
Pilões |
Midge |
635 |
0-4-2T |
mar/1898 |
Cubatão |
Midge |
1.248 |
0-4-0ST |
nov/1913 |
Maipoori (*) |
Wren |
(*) Esta locomotiva foi construída originalmente para uma empresa da
Guiana Inglesa, a A. P. Bugle, localizada em Demerara, que comprou-a nova e deu-lhe o nome “Maipoori“, sendo recomprada pelo
fabricante Kerr, Stuart em junho de 1914 e revendida para a Cia. City no mês seguinte
Na ampliação do cartão postal de 1907, nota-se
que a composição ferroviária parece estar parada no local, aguardando as pessoas que se divertem na ponte
Foto: site Trilhos na Serra
A ferrovia funcionou durante décadas, mantendo inclusive algumas locomotivas alemãs
adquiridas em condições incomuns, até que uma grande enchente em 1974 provocou o estouro dessa barragem e destruiu as pontes ferroviárias sobre os
rios Cubatão e Pilões, impedindo o funcionamento da linha férrea e o da Usina que abastecia a fábrica de papel. Hoje ainda se pode chegar às ruínas
da Usina Hidrelétrica, da qual restou a barragem, através de trilhas que em grande parte passam pelos trilhos dessa ferrovia.
Entre as máquinas dessa ferrovia, destacamos 3 locomotivas Henschel & Son, construídas
em 1916 e que, segundo consta, foram utilizadas no exército alemão na época da Primeira Guerra Mundial, quando, de acordo com os dados disponíveis,
elas estariam sendo transferidas pela Alemanha para as colônias africanas, ficando retidas no Brasil como compensação de guerra, e sendo vendidas
posteriormente à Cia. City.
Eis as características dessas locomotivas:
Nrº Fábrica |
bitola |
Rodagem |
fabricação |
Nº City |
Observações |
14494 |
0,60 metros |
0-8-0T |
1916 |
811 |
Locomotiva militar |
14678 |
0,60 metros |
0-8-0T |
1916 |
815 |
Locomotiva militar |
? |
0,60 metros |
? |
? |
? |
? |
De acordo com os poucos registros conhecidos dessas máquinas, uma delas foi destruída
quando do estouro do gasômetro em Santos, em 1967. As duas restantes, de números 811 e 915, foram aposentadas
após a grande enchente de 1974 e ainda permaneceram nas instalações da Usina durante muito tempo, até que depois de muitas andanças, onde estiveram
até em poder da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), foram preservadas em locais cobertos em Cubatão, no Parque Anilinas
(máquina 915) e no Conjunto Poliesportivo Constâncio Vaz Guimarães em Santos (máquina 811).
Infelizmente, muitos outros materiais bastante raros e interessantes não foram
preservados, como é o caso desse interessante auto de linha, flagrado por Sérgio Mártire em 1965 nas oficinas de Cubatão da Cia. City. Note o
diminuto "girador" para inverter a direção do auto e, mais atrás, um dos carros de passageiros semelhante ao que está preservado em Cubatão:
Auto de linha, com o "girador", e atrás um carro
de passageiros, em foto de 1965 feita por Sérgio Mártire nas oficinas de Cubatão da Cia. City
Foto: site Trilhos na Serra
O site Trilhos na Serra
visa portanto, além de contar a história dessa pequena e pitoresca ferrovia, registrar em maiores detalhes a história das locomotivas 811 e 915, bem
como acompanhar as atividades do resgate da locomotiva 811 para fins de preservação. |