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Comitê 9840
Baixada Santista
Revista Família Cristã junho/2000

Passando da indignação à ação

Muita gente está hoje indignada com a corrupção que se escancara em todo o país. Com a liberdade de imprensa, assegurada pela reconquista da democracia, os jornais noticiam a cada dia novos escândalos. A mentalidade do "levar vantagem" mostra-se enraizada nos costumes do país e prospera com vigor, protegida pela impunidade, especialmente no mundo da política. Parece que por toda parte se rouba, e descobre-se a extensão e as ramificações do crime organizado.

Enquanto se instalam CPIs em Câmaras Municipais, Assembléias Legislativas Estaduais e no Congresso Nacional, o Ministério Público, personagem que surgiu com força depois que a Constituição de 88 ampliou suas funções, levanta provas contra um número crescente de políticos irresponsáveis. Mas apesar disso o sentimento generalizado é de que "tudo termina em pizza". 

Há motivos para decepção e desânimo. Aproximando-se mais uma eleição, muitos se perguntam: vale a pena votar? Há algum remédio para a corrupção? Não podemos no entanto ser vencidos pelo sentimento de que o único a fazer é não se deixar contagiar por essa doença. Se não reagirmos ela pode destruir nossa sociedade. 

Para que a corrupção não se instale e se desenvolva, é necessário agir sobre suas causas. Há muitos e diferentes tipos de causas. Na Campanha da Fraternidade de 1996, cujo tema foi Fraternidade e Política, foi identificada uma dessas causas: a corrupção eleitoral, pela qual políticos mal intencionados conseguem conquistar mandatos eletivos. 

A Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB, montou então um plano de ação de combate a esse tipo de corrupção. O plano atingiu seus objetivos iniciais e abriu a porta para que possamos passar da indignação à ação, já nas eleições municipais deste ano.

UMA AÇÃO PREVENTIVA

A corrupção eleitoral abordada nesse plano foi a compra de votos de eleitores. Há no Brasil um grande número de eleitores necessitados e com baixo nível de consciência política. Políticos inescrupulosos conseguem se eleger trocando por votos o atendimento de necessidades materiais imediatas dessa parcela da população, com cestas básicas, remédios, pagamento de contas atrasadas e consultas médicas, materiais de construção, óculos, dentaduras, etc. Dentro dessa prática, é preciso que a miséria e mesmo a fome continue sempre a existir, para a cada eleição reconvocar esse "exército eleitoral de reserva", que dará novos mandatos aos mesmos políticos.

Ora, esses políticos, além de não quererem terminar com as carências do povo, são os que nos dão hoje esse espetáculo deprimente de corrupção. Uma forma eficaz de combater a corrupção será portanto impedi-los de serem eleitos. Para isso, basta proibir a exploração eleitoral da miséria. 

Essa prática já é há muito tempo considerada criminosa no Brasil. Mas exatamente por ser crime ela acaba não sendo punida, porque os processos penais são muito demorados. No plano elaborado pela Comissão Brasileira Justiça e Paz foi proposta uma mudança na legislação, de forma a dar mais eficácia à Justiça Eleitoral no combate a esse crime. A mudança consistia em tornar possível a cassação do registro do candidato que tentasse comprar votos de eleitores. Essa mudança foi obtida, valendo já para as eleições municipais deste ano, com a Lei 9840 de 28 de setembro de 1999.

A CONQUISTA DA LEI 9840

Essa vitória não foi fácil. Como é baixa a consciência política da maior parte dos eleitores, impedir que candidatos lhes façam favores não era uma proposta bem recebida em toda parte. Era preciso acordar esses eleitores para o fato de que "voto não têm preço, tem conseqüências". Por isso, em vez de propor a mudança na lei através de deputados do Congresso, escolheu-se um caminho mais longo e difícil mas mais conscientizador: a Iniciativa Popular de Lei. Sendo necessárias, para Iniciativas Populares de Lei, um milhão de assinaturas, um milhão de eleitores, pelo menos, seriam conscientizados sobre o valor de seu voto. 

Toda a Igreja e as sessenta entidades que apoiaram essa Iniciativa se puseram a campo. Depois de um laborioso trabalho de um ano e três meses foram conseguidas as assinaturas necessárias para dar entrada do Projeto de Lei no Congresso. Mas uma vez apresentado ao Congresso, a força política dessa enorme quantidade de assinaturas fez com que ele fosse aprovado em tempo recorde - 35 dias – e dentro do prazo necessário para que a nova Lei pudesse vigorar nas próximas eleições. 

VENCENDO O NOVO DESAFIO 

O novo desafio que agora se coloca é o de fazer valer essa Lei. A Justiça Eleitoral viu com muitos bons olhos a Iniciativa, que lhe deu um novo instrumento para impedir o desequilíbrio na igualdade de condições dos candidatos, pelo abuso do poder econômico. Mas ela não poderá agir se não receber denúncias. E isto caberá aos cidadãos.

O que fazer? A Comissão Brasileira Justiça e Paz acaba de publicar, nas Edições Paulinas, o "Roteiro para fiscalizar a aplicação da Lei 9840": um pequeno livro acessível a todos, que explica a nova Lei item por item, e sugere o que fazer para que ela não fique no papel.

Propõe-se a constituição de "Comitês 9840", indicando-se como formá-los e o que devem fazer para iniciar seu trabalho e levar denúncias ao Promotor e ao Juiz Eleitoral, além de continuar o trabalho educativo junto aos eleitores. 

Esses Comitês já começam a ser formados em muitas cidades do Brasil. Uma página na Internet – www.lei9840.org.br – já está no ar, para que os Comitês troquem experiências e informações. Funcionando como uma Agência de Notícias, ela pode ser útil a todos os jornalistas interessados em divulgar o avanço da luta. Notícias, descobertas e vitórias já podem ser enviadas a fceditor@paulinas.org.br, para que sejam encaminhadas à página dos Comitês . Uma central de consultas para dúvidas jurídicas dos Comitês está sendo montada pela Universidade Católica de Brasília. 

Em cidades maiores, como São Paulo, os Comitês existentes em seus diversos bairros reúnem-se regularmente em plenárias para discutir novas propostas e tomar novas iniciativas. Fabricam-se camisetas com o desenho do cartaz da campanha de assinaturas e adesivos para carros com a frase "Voto não tem preço, tem conseqüências". 

Os Comitês começam a visitar os Tribunais Regionais Eleitorais de seus Estados e o Promotor e Juiz Eleitoral de seus municípios. O Conselho Federal da OAB enviou o "Roteiro" para todas as suas Seccionais e Subseccionais, para que participem do trabalho dando assistência jurídica aos Comitês. A Federação Nacional dos Jornalistas estimula todos os jornalistas sindicalizados a dar a maior cobertura possível ao trabalho dos Comitês. 

Em suma, não há porque desanimar. É possível passar imediatamente da indignação à ação, resgatando a esperança que todos carregamos conosco de um Brasil melhor.
 

Francisco Whitaker Ferreira
Secretário Executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz