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São Vicente
(Celula Mater da Nacionalidade)
Origem do nome
Martim Afonso de Souza aportou em São Vicente no dia 22 de janeiro de 1532 e deu imediatamente começo à sua povoação, de acordo com João Ramalho e Antônio Rodrigues, os dois portugueses que aqui se
achavam domiciliados; aquele em Serra Acima (Borda do Campo) e este em "Tumiarú", junto à foz do lagamar de São Vicente, ou "Morpion", segundo a denominação indígena que encontramos em alguns historiadores. A esta povoação, deu Martim
Afonso de Souza a denominação de São Vicente, em referência ao lagamar que assim era chamado pelos primeiros navegadores portugueses que aqui haviam aportado anteriormente, e, também para comemorar a coincidência do dia do desembarque do donatário
- 22 de janeiro, dia também em que a Igreja celebra a festa deste santo mártir português, tão venerado na Metrópole, bem como do próprio Martim Afonso, que lhe tinha grande devoção, a ponto de haver dado já à sua nau capitânia, em Lisboa, o nome de
"Galeão São Vicente".
Resumo histórico
Descoberto o Brasil, decidiu d. João III, rei de Portugal, distribuir as suas terras - mil e cinquenta léguas de costa - entre alguns de seus vassalos, como prêmio a serviços por estes prestados nas longínquas terras do Oriente.
E, entre os que mais se distinguiram no real serviço, estava Martim Afonso de Souza, Senhor de Alcoendre, Tagarro e Alcaide-Mor em Rio Maior; sendo fidalgo de limpa linhagem e autor de feitos heroicos largamente celebrados por seus contemporâneos,
fez-lhe d. João III mercê de cem léguas de costa, para nelas fundar uma ou mais capitanias, com a faculdade de dá-las como sesmarias às pessoas que consigo viessem.
Embarcou Martim Afonso rumo ao Brasil, com grande esquadra, petrechos de guerra e nobres povoadores, entre os quais vinham seu irmão, Pedro Lopes de Souza, e alguns fidalgos da Casa Real.
"A nobreza com que Martim Afonso povoou São Vicente", escreve M. E. de Azevedo Marques, "foi mais numerosa e mais distinta do que mesmo supõem os que dela descendem".
Ver-se-ia bem provada essa verdade se chegasse a imprimir-se a "Nobiliarquia Histórica" - neologia da Província de São Paulo - que deixou incompleta o sargento-mor Taques de Almeida Pais Leme (Esta obra foi publicada na revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1869).
Tendo partido em 3 de dezembro de 1530, fez Martim Afonso escala em vários pontos da costa do Brasil, desceu até o Rio da Prata, de onde regressou para, no dia 22 de janeiro de 1532, fundear na baía de São Vicente.
Aí já viviam, entre os índios, alguns portugueses, dos quais a história guardou apenas dois nomes: João Ramalho, que vinha constantemente do planalto, e Antonio Rodrigues.
Desembarcado, Martim Afonso tratou de erguer uma povoação, fazendo edificar a Casa do Conselho, cadeia, igreja, estaleiro, fortim e demais casas necessárias à habitação dos colonos e serviços da administração, além de um engenho de açúcar, que foi
o primeiro do Brasil.
Pouco adiante, a pedra do Itararé servia de "marco de divisa" entre a capitania de Martim Afonso e a de seu irmão, Pedro Lopes de Souza; a conselho de Antônio Rodrigues, fez o povoador construir outro fortim na Ponta de Santo Amaro, junto à barra
da Bertioga.
Mas, longas e inumeráveis vicissitudes estavam em vias de desabar sobre a incipiente povoação; primeiro foram os índios Tamoios que, vendo os estrangeiros chegarem, não para traficar, mas para ficar, começaram a dar mostras de insopitável
hostilidade.
E a atitude ameaçadora dos indígenas a mando de Caiubí teria deflagrado em ação exterminadora, se não acudisse João Ramalho, vindo da Borda do Campo, com seu sogro Tibiriçá.
Acalmados os indígenas, tratou Martim Afonso de organizar a Administração da colônia, nomeando juízes do povo, escrivães, meirinhos, almotacéis e mais servidores públicos, subindo então ao planalto conduzido por João Ramalho.
De regresso, e deixando em prefeitas condições o primeiro núcleo histórico fundado no Brasil, Martim Afonso, em 1533, regressou a Portugal, deixando como seu "loco-tenente", a pedido de sua esposa, o padre Gonçalo Monteiro, vigário da colônia.
A pacificação dos Tamoios, contudo, não fora definitiva, como se verá; antes, porém, que eles de novo se rebelasse, surge nova calamidade.
É que, certo dia, desembarca em Iguape, fugindo do Prata, o espanhol Rui Moschera, com grande número de aventureiros em nau armada.
Gonçalo Monteiro intima-os a partir e, não sendo obedecido - pois Moschera afirma achar-se em terras de Castella - ataca-o com força armada; é infeliz, porém, pois sofre derrota, sendo sua força desbaratada.
Animado pelo sucesso, cai o corsário sobre São Vicente, saqueia-lhe o porto, pilha os armazéns, carrega o que pode e foge para o Sul, de onde não volta mais.
Sucede a Gonçalo Monteiro, na administração da colônia, o capitão-mor Antônio de Oliveira, nomeado pela esposa de Martim Afonso, dona Ana Pimentel.
Pouco depois, por volta de 1542, nova calamidade cai sobre os vicentinos; o mar, avançando pouco a pouco, devora a praia, entra pelo burgo e sepulta sob suas águas a Matriz, a Casa do Conselho, a Cadeia, os estaleiros e inúmeras residências.
Reconstrói-se a Vila pouco adiante, mas novo ataque dos índios alarma a colônia que, apanhada de surpresa e sem defesa - pois os homens haviam partido em socorro do Rio de Janeiro, fundado poucos anos antes - os Tamoios devastam as fazendas,
benfeitorias e, na retirada, levam consigo quatro mulheres.
Pouco tempo depois, novo ataque; este, porém, é repelido, sendo os índios perseguidos até suas aldeias, de onde são trazidas as quatro raptadas.
Nada quebranta o ânimo dos vicentinos; mesmo em lutas constantes com os selvagens, vão eles, por duas vezes (1567 e 1580) em socorro do Rio de Janeiro, ameaçado de invasão pelos franceses, e, portando-se tão bem nessas pelejas, que receberam
palavras de profundo reconhecimento do governador Mem de Sá.
Mas o século é da pirataria; corsários e bucaneiros, nas suas naus armadas em corso, varrem os mares da América, atacando indistintamente sumacas e galeões, bem como assaltando as vilas do litoral.
Hawkins, Drak, Fenton, Cavendish, Parker, Bartolomeu Português, Roque Brasiliano (que era holandês e vivera no Brasil), Diego "El Mulato", Francisco Nau Olonez, Mansvelt e centenas de outros enxameiam os mares, conduzindo suas naus, carracas,
bergantins, urcas, fragatas e espalhando o terror nas povoações mal defendidas.
Essas hordas sinistras não agiam como bandos nômades - sem direitos e sem lei -, mas possuíam uma organização social das mais adiantadas; quando um aventureiro se engajava, ouvia a leitura de alguns artigos ou cláusulas que lhe impunham direitos e
deveres, a que ele jurava obedecer até à morte.
Esse documento chamava-se "Charte-Partie".
Os salários de todos eles se fixavam cuidadosamente e, em caso de acidente - o que não era raro suceder - o acidentado tinha direito à indenização a que Philip Gosse faz referência em sua "História da Pirataria".
Quem perdesse o braço direito recebia 600 peças de ouro; o braço esquerdo valia 500 peças; a perna direita, 500; um olho, 100; um dedo 100 peças; é claro que, por mais essa razão, corsários, bucaneiros, flibusteiros e outros mais tinham que
empenhar-se em constantes lutas, não só para conseguir mantimentos para sua subsistência, mas, principalmente dinheiro, muito dinheiro.
O Brasil, embora em proporções menores, não se livrou também dos ataques dos corsários, sendo que foi São Vicente uma das suas vítimas.
No dia 25 de dezembro de 1591, um pirata inglês, Thomaz Cavendish, fundeia fora da Barra de Santos e remete 23 homens armados numa chalupa, alta noite, com a incumbência sinistra de saquearem o porto e os armazéns; mas, sendo dia de Natal,
achava-se grande parte da população na Igreja; os homens da chalupa sob o mando de Cook, cercam o templo e, conservando o povo lá dentro sob a ameaça das armas, entregaram-se ao saque e depois a orgias desbragadas.
Isso deu azo a que o povo pudesse escapar da Igreja e fugir da vila, carregando consigo tudo que pudesse servir de presa aos flibusteiros.
Dias depois, não regressando Cook às naus, que se mantinham fora da barra, veio Cavendish à vila com mais homens e, encontrando-a abandonada, embarca de novo.
Levantaram ferros mas, ao passarem por São Vicente, lembraram-se de ue ainda era tempo de se vingarem; desceram à terra e friamente puseram fogo na povoação, rumando em seguida para o Sul.
Mas, como um temporal colocasse em risco as suas naus armadas em corso, regressou a Santos e mandou um grupo de homens saquear o porto e arrebatar víveres a todo custo; dessa feita, porém, foram infelizes, pois a população enfrentou-os e, deles, só
ficaram com vida dois, que foram levados para Santos.
Em 1615, tendo o almirante batavo Joris Van Spilbergen invadido o porto de Santos, mandou parte de sua esquadra buscar víveres em São Vicente; aqui ocuparam o engenho que, segundo os relatórios de viagem, havia sido construído por certa raça de
gente vinda de Antuérpia, a que chamavam os "Escoceses" e, por mais de uma vez, entraram em luta com os vicentinos e moradores de São Paulo, que para aqui acudiram, em socorro, a mando do bandeirante Sebastião Preto.
Já a esse tempo São Vicente entrara em decadência, pois, atraídos pela nova povoação que se fundara nos Campos de Piratininga, e pelo surto do Bandeirismo, após a extinção de Santo André da Borda do Campo, os vicentinos iam pouco a pouco
abandonando a capital do feudo de Martim Afonso de Souza.
Com efeito, quando Nóbrega resolveu visitar São Vicente, aproveitando a viagem do governador geral, foi aqui recebido em triunfo pelos vicentinos. O que o grane inaciano viu no vilarejo o convenceu da necessidade de fundar um povoado longe do
litoral.
Com o nascimento de São Paulo, a decadência de São Vicente então se acelerou, deixando de ser cabeça da capitania, desde 1624, em benefício de Itanhaém, em consequência das questões entre os herdeiros de Martim Afonso de Sousa, para voltar a
readquirir o título em 1679. Poucos anos depois, era São Paulo escolhida para a sede do governo.
Isto, mais que outro fator, contribuiu para a completa paralisação da vida vicentina, que assim veio em marasmo até o século XIX, ao mesmo tempo em que toda a capitania de São Paulo decaía sensivelmente num pauperismo inglório, após haver
abarrotado de ouro "os tonéis de Danaide", das arcas da metrópole.
Em 1836, segundo o quadro estatístico da Província de São Paulo organizado pelo marechal Daniel Pedro Muler, São Vicente não possuía escolas e, quanto ao resto... "a sua dificultosa barra concorreu para que a maior parte de seus primeiros
habitantes elegessem a posição da vila de Santos e afluíssem para esta que tem engrandecida, enquanto aquela tem ido em decadência; contendo 745 habitantes, possui a vila os edifícios públicos da Matriz, com invocação de São Vicente, e a Casa da
Câmara".
M. E. de Azevedo Marques, escrevendo seus preciosos "Apontamentos", por volta de 1870, diz melancolicamente:
"À má escolha do local e ao progresso da povoação de Santos, começada em 1540, deve a vila de São Vicente sua decadência rápida - que, tudo parece indicar, terminará com a extinção completa da povoação. Além da Matriz, a vila de São Vicente possui
apenas a Casa da Câmara, em cujo edifício está também a sala de detenção".
Mas este sombrio prognóstico não se realizou; São Vicente, que através dos séculos resistira a todas as vicissitudes, numa irresistível vontade de sobreviver, venceu a sua própria decadência e ingressou no século XX, e aquilo que mais contribuíra
par ao seu declínio - a sua inadaptação para porto comercial - foi o que, aliado à suavidade de seu clima, deu impulso à urbe vicentina, transformando-a numa das joias de nosso litoral.
Sr. Charles A. de Souza Dantas Forbes
Prefeito Municipal de São Vicente
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