Capítulo XVIII - André de Leão
Não pode ser posto em dúvida que d. Francisco de Souza mandou ao sertão André de Leão e mais companhia descobrir minas. Ele transportou-se da
Bahia a S. Paulo com o intuito de partindo do Sul, descobrir os metais preciosos que os irmãos João Coelho de Souza e Gabriel Soares de Souza não
tinham conseguido achar partindo do Norte.
Chegando a S. Paulo, com todo o seu aparato de governador geral do Brasil,
tomou todas as providências para tal descobrimento, promovendo a entrada com os elementos paulistas.
A prova está no regimento, que em S. Paulo deu a Diogo Gonçalves Lasso, a 19
de julho de 1601, publicado no Registro Geral da Câmara da Vila de S. Paulo no volume 1º, págs. 123 a 126, no qual por duas vezes o
governador geral expressamente se refere a uma entrada, confiada a André de Leão, nos seguintes termos:
... "Sendo caso com o favor de Deus e da Virgem
Nossa Senhora de Monserrate venha recado de serem achadas as minas de prata, que 'André de Leão' com mais companhia foi buscar, logo ordenareis de
me avisardes com recado e cartas que trouxerem"... "mando ao capitão Roque Barreto e ao provedor Pedro Cubas vos dêem... embarcação no porto de
Santos por conta da fazenda de Sua Majestade e todo o mais aviamento necessário que se lhes pedir e requerer para o efeito de se mandar este aviso
e entretanto"... "sucedendo que 'André de Leão', ou pessoa que em seu lugar servir, vos peça algum favor para bem das ditas minas a que o mando,
por lhe ser necessário, por causa do gentio inimigo que lá se achar, logo procurareis de o socorrer com a gente desta capitania... como também
pedireis ajuda e ... ao dito capitão Roque Barreto (e) vilas de Santos e S. Vicente..."
Esse "regimento" está muito estragado pelas traças, mas conserva frases
suficientes para se concluir que d. Francisco de Souza mandou André de Leão e mais companhia descobrir e buscar determinadas minas, as minas de
prata. Estava ele tão seguro de as achar que determinava ao seu capitão Gonçalves Lasso e às autoridades locais todas as providências necessárias,
mesmo por conta de Sua Majestade, para que a notícia do descobrimento lhe fosse levada onde ele estivesse.
No tempo em que, vindo da Bahia, d. Francisco de Souza, esteve pela primeira
vez em S. Paulo, aí vivia Guilherme Glymmer, flamengo, que tomou parte em uma expedição ao sertão e que dela fez uma descrição, que encontrou
abrigo na obra de P. Marcgrave – História Botânica do Brasil – nos termos seguintes:
"Julgo a propósito inserir aqui o roteiro que
recebi de Wilhelm Glymmer, nosso compatriota. Conta ele que, na época em que vivia na Capitania de S. Vicente, chegara àquelas paragens, vindo da
Capitania da Bahia, Francisco de Souza; pois recebera de um brasileiro um certo metal, extraído, segundo dizia, dos montes Sabaroason, de cor
azul-escura ou celeste, salpicado de uns grânulos cor de ouro. Tendo sido examinado pelos entendidos em mineração, reconheceu-se que esse metal
continha, em um quintal, trinta marcos de prata pura. Fascinado por essa amostra, o governador, julgando conveniente explorar mais cuidadosamente
esses montes e as minas que eles encerravam, resolveu mandar para lá setenta ou oitenta homens, entre portugueses e brasileiros. Fez parte dessa
expedição o nosso Glimmer, que dela faz a seguinte descrição:
"Partindo da cidade de S. Paulo, na Capitania de S.
Vicente, chegamos, primeiro à povoação de S. Miguel (distante de S. Paulo cinco ou seis léguas para o Nascente), à margem do rio Anhembi, e nesse
lugar achamos preparadas as provisões, que os selvagens tinham de carregar nos ombros. Atravessamos, depois, aquele rio e, com uma marcha de
quatro ou cinco dias a pé, através de densas matas, seguimos rumo de Norte, até um riacho que nasce nos montes Guarimumis, ou Marumiminis, onde há
minas de ouro. Aqui, aparelhadas algumas canoas de cascas de árvores, continuamos rio abaixo, durante cinco ou seis dias, e fomos ter a um rio
maior que corria da região ocidental. Aquele primeiro riacho desliza por sobre campos baixos e úmidos, notáveis por sua amenidade. Tendo descido
este rio maior, em dois dias, encontramos outro ainda muito maior, que nasce no lado setentrional da Serra de Paranapiacaba (assim como o Anhembi
nasce no lado austral da mesma Serra), e correndo, a princípio, para o Ocidente, na mesma direção dos montes, depois, formando um cotovelo, se
encaminha por algum tempo para o Norte, e, afinal, como geralmente se crê, se lança no Oceano entre o Cabo Frio e a Capitania de Espírito Santo;
chama Rio de Sorobis e é abundantíssimo em peixes, tanto grandes como pequenos. Descendo também este rio, durante quinze ou dezesseis dias,
chegamos a uma catarata, onde o rio, apertado entre montanhas alcantiladas, se despenha para o Nascente. Por isso, abicamos neste ponto as nossas
canoas e marchamos outra vez a pé, ao longo de outro rio que desce do lado ocidental e não se presta a navegação. Com cinco ou seis dias de
marcha, chegamos à raiz de um monte altíssimo, e, transpondo-o descemos a uns campos mui descortinados e aqui e acolá sombreados de bosques se
vêem lindíssimos pinheiros, que dão frutos do tamanho de uma cabeça humana; as nozes desses frutos têm a grossura de um dedo médio e são
protegidas por uma casca como as castanhas, e são mui agradáveis ao paladar e nutritivas (presumo que Glimmer se refere aqui à árvore da
Sapucaia). Por muitas milhas no interior se encontram árvores desta espécie.
"Três dias depois, chegamos a
um rio, que deriva do Nascente, e, atravessando-o, durante quatorze dias, tomamos a direção de Noroeste, através de campos abertos e outeiros
despidos de árvores, até outro rio, que era navegável e corria da banda do Norte. Atravessamo-lo em umas embarcações chamadas jangadas, e, quatro
ou cinco léguas mais adiante, topamos outro rio que corria quase de Norte e era navegável. Creio, porém, que estes três rios, afinal, confluem num
só leito e vão desaguar no Paraguai, em razão de que o curso deles é para o Sul, ou para o Ocidente. Em toda a viagem até aqui descrita nada vimos
que denotasse cultura, não encontramos homem algum, apenas aqui e ali aldeias em ruínas, nada que servisse para alimentação, além de ervas e
algumas frutas silvestres; todavia, observávamos às vezes fumaça, que se erguia no ar, pois por aquelas solidões vagueavam com suas mulheres e
filhos alguns selvagens, que não tinham domicílio certo e não curavam de semear a terra. Junto a este último rio, encontramos, finalmente, numa
aldeia de indígenas, víveres em abundância, que vinham muito a propósito, visto que já estavam consumidos os que conosco tínhamos trazido, e já a
fome nos obrigava a comer frutos silvestres e ervas do campo.
"Tendo-nos demorado aqui
quase um mês, abastecidos de vitualhas, prosseguimos a nossa viagem em rumo de Noroeste e, decorrido um mês, sem encontrar rio algum, chegamos a
uma estrada larga e trilhada e a dois rios de grandeza diversa, que, correndo do Sul, entre as serras Sabaraasu, rompem para o Norte; e é minha
opinião que esses dois rios são as fontes ou cabeceiras do Rio S. Francisco.
"Da aldeia sobredita até
estes rios não vimos pessoa alguma, mas soubemos que além das montanhas vivia uma tribo de selvagens assaz numerosa. Estes, informados (não sei
como) da presença de europeus naqueles sítios, despacharam um dos seus para nos espreitar. Caindo este em nosso poder, demo-nos pressa em arrepiar
carreira, de medo desses bárbaros e por nos escassearem os viveres, ficando por explorar o metal por cuja causa havíamos sido mandados; e, quase
mortos de fome, voltamos aquela aldeia de selvagens.
"Daí, recuperadas as forças e aparelhados os
víveres, pelo mesmo caminho por onde viéramos regressamos àquele rio, onde havíamos deixado as canoas, e, revigorados, saltamos nela e subimos o
rio até as suas fontes; e assim gastos nove meses nesta expedição, voltamos primeiro a Mogomimin, depois, à cidade de S. Paulo".
Por sugestão de Capistrano de Abreu, Orville Derby fez um estudo sobre o
roteiro descrito por Guilherme Glymmer, inserido na obra de Margraff, a fim de identificá-lo no terreno.
As sugestões de Capistrano de Abreu foram felizes, como em regra as suas
soluções, pois que Orville Derby era o homem capaz de fazer bom trabalho, não só pelo seu saber e competência, como pela sua experiência e prática
que havia adquirido em estudar e explorar as terras e rios percorridos pela expedição de que Glymnier fez parte.
Em 1879, o conselheiro Cansanção de Sinimbu, então à testa do governo
imperial, iniciando uma política de melhoramentos materiais, organizou, sob a direção do abalizado engenheiro americano, William Milnor Roberts,
uma comissão de engenheiros para o fim de estudar os portos do Brasil e a navegação interior dos grandes rios que desembocam no oceano.
Além do chefe, W. M. Roberts, havia no pessoal dessa comissão os engenheiros
Amarante, Wieser, Lisboa, Saboya, Pecegueiro, Aquino e Castro, Orville Derby e Teodoro Sampaio.
Teodoro Sampaio escreveu um livro sobre essa expedição do qual tiro estes
informes:
"Essa comissão, em pouco mais de 4 meses, subiu o Rio S. Francisco desde a sua
foz, no Atlântico, até Pirapora, corredeira, no estado de Minas Gerais, levantando o seu curso, desenhando as serras vizinhas, esboçando as
pequenas vilas e cidades, marcando o desemboque dos seus afluentes.
"Passou na confluência do Rio Paracatu, à margem esquerda e depois na do Rio
das Velhas à margem direita.
"A comissão esteve na barra do Rio Paracatu, no dia 9 de dezembro de 1879,
onde se demorou para receber lenha para o vapor em que viajava, e para medir a embocadura desse rio, que tinha 216 metros de largo."
Aí ouviu Teodoro Sampaio a narrativa de lendas misteriosas, de coisas
extraordinárias, para as quais não faltaram, como sempre acontece, testemunhas oculares e sérias, que afirmaram a veracidade sob palavra de honra.
Daí seguiram, alcançando a barra do Rio das Velhas a 13 de dezembro de 1879.
Foram todos até Pirapora e na volta, estiveram de novo na povoação Manga,
na confluência do Rio das Velhas com o S. Francisco, da qual fizeram um esboço.
Aí a Comissão se desmembrou, estabelecendo-se o plano para ultimar as
explorações.
O sr. Orville Derby remontaria o vale do Rio das Velhas, transporia a Serra do
Espinhaço e voltaria por estrada de ferro para o Rio de Janeiro. O restante da Comissão voltaria pelo S. Francisco, rio abaixo (Th. Sampaio, O
Rio S. Francisco, págs. 5, 20, 91). Assim foi feito.
Orville Derby, pois, conheceu pessoalmente no Norte como técnico competente,
em 1879, a região atingida em 1603, pela expedição de que fez parte W. Glymmer. Teve, pois, elementos para identificar essa região, que mais tarde
estudou toda minuciosamente até muito mais ao Sul, baseado em documentos paulistas e em estudos sobre o terreno.
Orville Derby foi, e por muitos anos, como muitas pessoas ainda se lembrarão,
e então adquiriu conhecimento do terreno ao Sul do S. Francisco, chefe da então Comissão Geográfica e Geológica criada em S. Paulo pelo
conselheiro João Alfredo, no tempo do Império.
Dirigindo a Comissão Geológica e Geográfica do Estado, ele estudou e fez
levantar plantas, mapas da maior parte do território de S. Paulo, principalmente nas fronteiras do Estado de Minas Gerais, numa época em que se
desejava bem conhecer a região para decidir e fixar as divisas entre esses dois estados. A respeito dessas divisas, o Arquivo Público do Estado de
S. Paulo publicou grossos volumes de documentos.
Orville Derby não se limitou ao estudo atento desses documentos, leu também
todos os nossos cronistas e os cronistas estrangeiros, que se ocuparam do Brasil colonial e de sua expansão. Teve ele ocasião de conhecer, na
História Natural de Piso e Marcgraff, o escrito de Glymmer sobre o roteiro de uma das primeiras bandeiras paulistas partidas de S. Paulo para
o sertão, no tempo em que D. Francisco de Souza viera da Bahia para a vila de S. Paulo, a fim de procurar minas de metais preciosos, nas nascenças
do rio S. Francisco.
Podia, pois, concluir, com pouco risco de errar, que o rio Guaibií era
o Guaicuí ou rio das Velhas, um dos afluentes da margem direita do S. Francisco (R. I. H. G. S. Paulo, vol. IV e vol. 8, pág. 400).
Atendendo à sugestão de Capistrano de Abreu, fez traduzir o roteiro de Glymmer,
pôs em contribuição os trabalhos e os estudos próprios que lhe advieram do conhecimento da zona, como membro de uma comissão exploradora do Rio S.
Francisco e como chefe da Comissão Geográfica e Geológica do Estado, e identificou todos os pontos nele mencionados com a conformação e acidentes
do terreno, pelos seus rios, cursos e cachoeiras, pelos seus vales, montes, planícies, campos e matos desde S. Paulo até as cabeceiras do Rio S.
Francisco no centro do Brasil.
Consultou também as fontes históricas locais, então existentes – Pedro
Taques, num manuscrito conservado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que fala na entrada de André de Leão, e Azevedo Marques
nos Apontamentos Cronológicos, que narra que em 1602 partiu numerosa bandeira para o sertão sob o comando de Nicolau Barreto e formulou a
hipótese de que as duas informações se referiam a uma só entrada, e que a expedição fora uma única, cabendo a Nicolau Barreto a organização civil
e a André de Leão, a parte militar. Foi a expedição, em que tomou parte Glymmer, que O. Derby identificou no terreno.
Na época em que Orville Derhy divulgou o seu estudo, não tinham ainda sido
publicados pelo Arquivo do Estado de S. Paulo os Inventários e Testamentos; e escassas eram as notícias sobre essas entradas; mas desde que
teve conhecimento dos inventários, feitos por morte de Braz Gonçalves, o moço, e de Manuel de Chaves, e verificou que a hipótese sugerida
de uma expedição única não tinha cabimento, apressou-se ele mesmo em bani-la, como se pode ver em um estudo aditivo na R. I. H. G. de S. Paulo,
v. 8º, pág. 400.
Aliás a hipótese da unidade da expedição só poderia interessar ao renome dos
seus comandantes, nenhum valor tendo para identificação do roteiro de W. Glymmer, que era o objetivo essencial para fixar pontos do devassamento e
ocupação do sertão, identificação que continua, pois, com o seu mérito próprio.
O vale do Paraíba já estava domado pelos portugueses nas lutas que sustentaram
com os tamoios e pelo abandono do Rio de Janeiro pelos franceses. Relativamente fácil foi à expedição de André de Leão o caminhar por esse rio,
vales e montes. Vai transcrita a identificação feita, por Orville Derby, no terreno e nos rios tornando por base a descrição de W. Glymmer.
"Partindo de S. Miguel
[1],
nas margens do Tietê, perto de S. Paulo, a bandeira passou para um afluente do Parayba, ganhou este rio, navegou por ele abaixo, até a sua secção
encachoeirada, galgou a Serra, da Mantiqueira, passou diversos rios atribuídos corretamente ao sistema platino e penetrou até próximo ao alto S.
Francisco. Até entrar na bacia do S. Francisco, este caminho deve corresponder muito próxima, se não exatamente, com o da Bandeira de Fernão Dias
Pais Leme, uns setenta anos mais tarde, e com o que depois da descoberta de ouro se tornou célebre como o caminho para as Minas Gerais. Sobre a
derrota [N.E.: a palavra tem aqui o sentido de direção, e
não de fracasso] de Fernão Dias, não temos detalhes, senão do
Rio Grande para o Norte, onde diverge da do atual roteiro; mas para a dos mineiros existe o precioso roteiro dado por Antonil, na sua obra,
intitulada Opulência e cultura do Brasil, publicada em Lisboa, em 1711. Pela comparação desses dois roteiros e levando em consideração a
probabilidade de que a derrota de ambas fosse determinada por caminhos já existentes dos índios, sendo, portanto, provavelmente idênticos, é
possível reconstruir grande parte do caminho da Bandeira de 1601.
"Os dois rios que deram acesso ao Parayba eram
indubitavelmente o Paratehy e o Jaguary. A Serra de Guarimunis, ou Marumiminis, é a atualmente conhecida pelo nome de Itapety, perto de Mogy das
Cruzes, sendo possível que estes nomes antigos ainda sejam conservados no uso local. A referência a minas de ouro nesta serra talvez seja um
acréscimo na ocasião de redigir o roteiro; mas é certo que em 1601, havia, desde uns dez ou doze anos, mineração nas vizinhanças de S. Paulo, e
que antes de 1633, quando foi publicada a edição latina da obra de João de Láet, em que vem a enumeração das minas paulistas, a houve na
localidade aqui mencionada. A referência aos campos, ao longo do primeiro destes rios, é, talvez, um caso de confusão com os do Rio Paraíba, visto
que, conforme informações dos ajudantes da Comissão Geográfica e Geológica, que ultimamente levantaram a planta do vale do Paratehy, ali não
existem campos notáveis. O rio então conhecido pelo nome de Rio de Sorobis, bem que a sua identidade com o Parahyba do litoral já era suspeitada,
foi alcançado na foz do Jaguary, em frente da atual cidade de São José dos Campos. Nota-se que, já nessa época, era conhecido o curso excêntrico
do alto Parahyba. Depois de 15 ou 16 dias de viagem o rio foi abandonado no começo da seção encachoeirada, perto da atual cidade da Cachoeira, e a
bandeira galgou a Serra da Mantiqueira, seguindo um pequena rio que, muito provavelmente, era o Passa Vinte, que desce da garganta que depois
serviu para a passagem da estrada dos mineiros e hoje para a da estrada de ferro Minas e Rio. Passando o alto da Serra, a bandeira entrou na
região dos pinheiros, que os naturalistas holandeses (que evidentemente não conheceram a Araucária, desconhecida no Norte do Brasil) julgaram,
pela descrição de Glimmer, que eram Sapucaias.
"Deste ponto em diante, o roteiro
torna-se um tanto obscuro, dando a suspeitar o ter havido alguma confusão na redação... Os dados topográficos são; o rumo de Noroeste e as
passagens de três rios, dos quais dois maiores, navegáveis e vindos do norte, com a distância de 4 ou 5 léguas entre um e outro. Os únicos rios em
caminho das cachoeiras do Parahyba para a região do alto S. Francisco, que corresponder a esta descrição destes dois rios, são o Rio Grande e Rio
das Mortes, perto da sua confluência. Aí o Rio Grande, cujo curso geral é para o Oeste, corre, por alguns quilômetros, do Norte, num grande saco
que sempre tem sido um ponto de passagem, e, a quatro ou cinco léguas adiante, o Rio das Mortes também vem um pequeno trecho do Norte
[2]. Este trecho é junto à estação de Aureliano Mourão, na estrada de ferro Oeste de Minas e poucos quilômetros abaixo da povoação de Ibituruna,
onde Fernão Dias estabeleceu um dos seus postos, talvez por encontrar perto a grande aldeia de índios amigos, rica em mantimentos, de que fala o
nosso Glymmer. Se porem, este for o ponto de passagem do Rio das Mortes, não se encontra, a três dias de viagem, dos Pinheiros e a quatorze do Rio
Grande, rio algum que pareça digno de menção numa narrativa em que não vem mencionado o Angahy. Este, pelo roteiro de Antonil, está a 22 ou 24
dias de viagem dos Pinheiros e a 4 a 5 do Rio Grande. Para pôr os dois roteiros de acordo, identificando o primeiro rio de Glymmer com o Angahy,
seria necessário inverter os termos dos três e dos quatorze dias de viagem, supondo um outro caso de confusão na redação, como o já apontado com
os campos do Paratehy e Parahyba.
"Da passagem do Angahy o caminho dos mineiros dado
por Antonil tomou mais para a direita, procurando São João d’El-Rei, via Carrancas. É para notar que as marchas diárias do roteiro de Antonil são
pequenas, sendo geralmente 'até o jantar', o que explica, talvez, a discordância, do número de dias (de 14 a 22 ou 24) que se nota na hipótese de
ser o Angahy o primeiro rio do presente roteiro.
"Partindo da aldeia sobre o terceiro rio, a
Bandeira caminhou durante um mês em rumo de Noroeste, sem passar rio algum, até achar-se perto da confluência de dois rios de diversas grandezas,
que romperam para o Norte, entre montanhas que foram identificados com a desejada Serra de Sabarábussú. Aqui, foi encontrada uma estrada larga e
trilhada, que nesta época não podia ser senão dos índios e cuja existência confirma a hipótese já lançada da que a derrota, desta e de
subseqüentes bandeiras, era por estes caminhos fá existentes. A estrada seguida da aldeia por diante era pelo alto de um espigão, e, admitindo que
o ponto de partida era nas vizinhanças de Ibituruna, temos três hipóteses a considerar:
"1º O espigão entre o Rio Grande e as cabeceiras
dos rios Pará e S. Francisco.
"2º O entre os rios Pará e S. Francisco.
"3º O entre os rios Pará e Paraopeba.
"O caminho pelo primeiro destes espigões, passando
por Oliveira, Tamanduá e Formiga, até o alto S. Francisco, corresponde regularmente com o rumo dado, tendendo, porém, mais para o Oeste do que
para o Noroeste, e cruzando o Rio Jacaré que, conquanto não seja grande, parece de bastante importância para ser mencionado. Por este espigão,
porém, é difícil identificar os dois rios do fim da jornada e a serra cortada por eles, porque as serras de
Piumhy ou
a de Canastra mal correspondem à descrição do roteiro. O segundo espigão daria para cair na forquilha entre o Pará e o Itapecerica, ou entre o
Pará e o Lambary, ou finalmente, entre o Pará e o S. Francisco. As duas primeiras parecem demasiado perto para a jornada de um mês, e na do Pará e
São Francisco os dois rios devem figurar como tendo proximamente a mesma grandeza. O terceiro espigão daria, na hipótese de acompanhar de perto a
margem direita do Pará, para cair na forquilha entre este rio e seu afluente o Rio de S. João, na passagem das serras na vizinhança da atual
cidade de Pitanguy; e, sem poder pronunciar-me positivamente a respeito, sou inclinado a considerar esta como a hipótese mais provável".
Até aqui o estudo do O. Derby (R. I. H. G. de S. Paulo, vol. 4º, pág.
338), sobre a identificação do Roteiro de Glymmer no terreno.
Fácil também é agora identificar o cabo da expedição mandada por d. Francisco
de Souza, e na qual tomou parte Guilherme Glymmer.
Essa identificação está baseada nos documentos do Arquivo Público do Estado de
S. Paulo e do Arquivo da Câmara da Vila de S. Paulo, apoiada em alheios estudos precedentes.
As entradas de Antônio de Macedo e de Domingos Luís Grou foram começadas antes
de 1583, as de Jerônimo Leitão até 1590, foram todas anteriores à nomeação de d. Francisco de Souza para governador geral do Brasil. A de Jorge
Correia em 1595, a de Manuel Soeiro (?), em 1596 e a de João Pereira de Souza em 1597 se realizaram depois que d. Francisco de Souza já era
governador geral do Brasil, mas se conservava ainda na Bahia, sede de seu governo, sem ter vindo à Capitania de S. Vicente. Já se achando ele na
Capitania de S. Vicente, desde antes de julho de 1601, a expedição de André de Leão em 1602 foi promovida, organizada, sob influência e ordem de
d. Francisco de Souza, que só com esse fim veio ao Sul, o que é confirmado pela descrição do roteiro, inserido na obra de Piso e Marcgrave. Nele,
Guilherme Glymmer declara que vivia na capitania de S. Vicente, quando a 'essa paragem, vindo da Bahia, d. Francisco de Souza, governador geral do
Brasil, mandara ao sertão', a descobrir minas, uma expedição, composta de 70 a 80 homens, na qual ele Glymmer tomara parte, expedição que voltara
ao povoado sem descobrir minas de ouro ou prata, por terem escasseados os víveres e por medo dos selvagens que povoavam os lugares atingidos e,
portanto, sem aprisionar índios".
Glymmer só poderia ter tomado parte na expedição de André de Leão, que se
compôs de 70 a 80 homens, mandada por d. Francisco de Souza, época em que este governador se achava em S. Paulo, conforme o regimento que deu a
Diogo Gonçalves Lasso a 19 de julho de 1601.
Os pontos expressamente mencionados no roteiro de Glymmer – S. Paulo, S.
Miguel nas margens do Anhembi, travessia do Rio Anhembi, Serra dos Guauminis (Itapeti hoje), Rio Sorobi (hoje Paraíba) – mostram que a expedição
seguiu para Leste e depois para o Norte, buscando o Rio S. Francisco.
A não ser que haja, nesse tempo, outra
bandeira, da qual, entretanto, não dão notícias os documentos paulistas nem os cronistas vicentinos, parece que se pode concluir "sem risco de
errar", que foi na bandeira de André de Leão, em 1601, que Glymmer tomou parte e descreveu o roteiro que foi inserido na obra de Piso e Marcgraff,
e cuja identificação no terreno foi magistralmente estudada por Orville Derby no volume 4º, pág. 329 da Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de S. Paulo.
***
André de Leão é nome que não se
encontra entre os da governança de S. Paulo, nas atas publicadas. Achei menção de um André de Leão no inventário de Martim de Prado, feito em
1616, publicado pelo Arquivo do Estado de S. Paulo (vol. 4º, pág. 406), onde figura "quitação que deu André de Leão ao dito defunto de seis mil
réis, da qual quantia perdeu o conhecimento que havia".
Num estudo, que fez sobre o Hospital Velho da Santa Casa do Rio de Janeiro
(R. I. H. G. B., vol. 89, pág. 204) o sr. Vieira Fazenda refere-se a um documento de doação de chãos aos religiosos capuchos, em 28 de
fevereiro de 1592, no qual assinam Salvador Correia de Sá, governador do Rio de Janeiro, o administrador eclesiástico, e em terceiro lugar, logo
em seguida, André de Leão, e depois mais dezesseis pessoas.
Se é o mesmo da entrada de 1601, André de Leão estava no Rio de Janeiro, antes
dessa entrada.
Também na Relação das Sesmarias da Capitania do Rio de Janeiro,
extraída dos livros de Sesmarias e Registro do Cartório do Tabelião Antônio Teixeira de Carvalho – de 1565 a 1796 – feita por
monsenhor José Pizarro de Souza Azevedo e Araujo, consta a sesmaria concedida a "André de Leão", de 300 braços na lagoa, em 19 de janeiro de 1593
(R. I. H. G. B., vol. 63, 1ª parte, pág. 108), também antes da entrada.
A não ser o caso de homonímia, freqüente nos tempos
coloniais, André de Leão teria vivido no Rio de Janeiro.
[1]
Em 1902, segundo vejo do meu caderno, tomei a seguinte nota:
"Em 27 de novembro de 1600, por um termo de vereança, vê-se que nessa data se
preparava, com consentimento de d. Francisco de Souza, uma entrada ao sertão, que não era o da capitania, da qual faziam parte moradores da terra
e de fora dela.
Era sem dúvida a de André de Leão, que, partida em dezembro de 1600 (pág.
403), ainda estava no sertão em 1601, tendo voltado por agosto ou setembro, assim completando os nove meses de que fala Glymmer. Este tomou parte
em uma bandeira quando d. Francisco de Souza, vindo da Bahia, chegou a S. Paulo para descobrir as minas de metal que continham prata extraída dos
montes Sabarousom".
No vol. 2º das Atas, em que foram publicadas as vereanças de 1600, não
se encontra essa de 27 de novembro de 1600, a que se refere à nota transcrita. Como se vê no vol. 2º, das Atas às págs. 82 e 83, com que
termina o ano de 1600, há uma vereança a 27 de novembro que não se refere ao preparo dessa entrada. Há depois um termo (pág. 83) de seis linhas
que nada diz. Provavelmente quando Manuel Alves de Souza copiou esse livro, já as páginas correspondentes à vereança de 27 de novembro, de que foi
copiada a nota transcrita, haviam desaparecido, consumidas pelo manuseio ou por outra qualquer razão. Para tal informação só resta a nota por mim
tomada, que pouco valor tem, quanto à autoridade do extrato, que ficou acima transcrito.
[2]
Estes trechos em rumo de Norte a Sul, que não vêm representados na
maioria das cartas, são figurados no excelente mapa que acompanha o trabalho do falecido dr. Augusto de Abreu Lacerda sobre a bacia do Rio das
Mortes, no Boletim nº 3 da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de Minas Gerais. |