Capítulo V - O governo geral no Brasil. Tomé de Souza,
primeiro governador geral. Seus meios e seus resultados
A América portuguesa, ainda mal conhecida e já desconjuntada pela distribuição em capitanias hereditárias, sem um centro coordenador, estava
ameaçada de desmembrar-se e de desaparecer arrebatada por outras nações. O sistema de repartição da costa do Brasil por d. João III a alguns de
seus vassalos, sem ligação entre si, e com obrigação de conquistar as terras doadas, de povoá-las, de desenvolvê-las, havia completamente
fracassado.
Não obstante constantemente avisado, o Governo português nada fez, ou nada
pôde fazer, e tal situação durou até 1549, época em que d. João III resolveu afinal mudar o sistema adotado.
Para conservação do Brasil, estabeleceu aí um governo-geral, que
superintendesse e ligasse entre si todas as capitanias, ocupando e explorando as terras com aparelhamento de administração e de justiça,
mantivesse os colonos e civilizasse os índios pela catequese, conservando íntegro o seu senhorio na América a produzir economicamente e a render
para o fisco. Não era coisa fácil para Portugal, pequeno e pobre, e ainda absorvido com a Índia e com a África, fazer grande e completa tal obra.
Mas, segundo textualmente a Tomé de Souza na Carta de nomeação a 7 de janeiro de 1549, d. João III faz saber:
"...porquanto é serviço de Deus e
meu conservar e enobrecer as capitanias e povoações que tenho nas minhas terras do brasil ordenei ora de mandar fazer uma fortaleza e povoação
grande e forte na Bahia de Todos os Santos por ser para isso o mais conveniente lugar que ha nas ditas Terras do brasil, para dali se dar favor e
ajuda às outras povoações e se ministrar justiça e prover nas cousas que cumprem ao meu serviço e nos negócios de minha fazenda e bem das
partes"... "e a Tomé de Souza hei por bem e me praz de fazer mercê dos cargos de capitão da povoação e terras da dita Bahia de Todos os Santos e
governador geral da dita capitania e das outras capitanias e terras da costa do dito Brasil"
[1].
Tomé de Souza foi, pois, nomeado capitão da povoação da Bahia e governador
geral da dita capitania e das outras capitanias e, em uma armada, composta de cinco naus, duas caravelas e um bergantim, partiu de Lisboa a 1º de
fevereiro de 1549, e sem incidentes e com ventos prósperos, aportou à Bahia em 29 de março de 1549.
Nessa esquadra, além da marinhagem, da guarnição militar, vieram
oficiais-mecânicos tais como pedreiros, carpinteiros, pintores, telheiros, fazedores de cal, serventes etc., os operários, enfim, necessários para
edificação de uma povoação. Vieram também cirurgião, boticário, e mais um provedor da Fazenda Real – o Fisco – Antônio Cardoso de Barros, antigo
donatário do Ceará, e seus escrivães, o ouvidor Pero Borges com seus escrivães – a Justiça – e um capitão do mar, Pero de Góis, antigo donatário
da Paraíba do Sul. Tudo garantido com pequena força militar de terra e de mar. Vieram também 6 jesuítas, os padres Manuel da Nóbrega, Aspicuelta
Navarro, Leonardo Nunes, Antônio Pires e os Irmãos Diogo Jacome e Vicente Pires – a catequese. Vieram mais também 600 degrdados, condenados por
crimes, que não fossem de moeda falsa, traição, sodomia e heresia.
Como nada havia no Brasil, bruto e selvagem, a esquadra trouxe o indispensável
para fundação, construção, defesa, cuidado e civilização de uma cidade, a do Salvador, que deveria ser criada na antiga vila de Francisco Pereira
Coitinho, na Baía de Todos os Santos, ou se isso não fosse possível, em outro lugar julgado mais conveniente, sempre na mesma baía que, pela sua
situação continental, deveria ser a sede de um Governo.
O governador e capitão da Bahia, o provedor, e o ouvidor trouxeram regimentos,
por onde se deviam guiar, de uma minuciosidade fatigante, onde estreitamente tudo vinha regulado até o tamanho dos barcos, que se fabricassem, bem
como a distância entre os bancos dos remadores, onde também se discriminava o material que se empregasse na construção das obras defensivas da
cidade.
E assim tudo o mais, ordens pequeninas e vãs pois que, prevendo o emprego de
materiais que podiam não existir, ainda se indicavam outros que os substituíssem, e que também podiam não existir.
Salvador foi fundada e ficou sendo a residência do governador e das demais
autoridades que o acompanharam.
Organizado pelo longuíssimo regimento, datado em Almeirim a 17 de dezembro de
1548, o governo geral do Brasil não suprimiu expressamente as capitanias hereditárias nem revogou os direitos nelas concedidos aos capitães-mores
donatários; mas tacitamente deixou tudo sujeito ao governador-geral – representante e delegado do rei absoluto, a lei viva sobre a terra, como já
se entendia e seria declarado na Ordenação Felipina – que a tudo superintendesse (vide Regto. que trouxe Tomé de Souza, em Acioly e B.
Amaral – Memórias Históricas da Bahia, Vol. 1º, pág. 263 e seguintes, já citadas).
Os donatários nada reclamaram e alguns deles fizeram mesmo parte da expedição
de Tomé de Souza.
Foi uma expedição oficial. O seu fim ostensivo foi, como declarava o regimento
de Tomé de Souza, "conservar e enobrecer as capitanias e povoações do Brasil, dar ordem e maneira com que melhor e mais seguramente se vão
povoando para a exaltação da santa fé católica e proveito dos reinos e senhorios reais". Incontestavelmente, esses foram os objetivos principais
para segurar a terra e, ocupando militarmente a costa do Brasil, dela expulsar "os corsários franceses que aí já iam tomando pé".
Mas pela organização feita, e pela execução que ia ser dada, estabelecia-se na
Bahia uma capitania do rei, uma feitoria portuguesa oficial, e uma espécie de penitenciária ao ar livre, um presídio militar, alguma coisa como a
que em Cayena fez a França, e mandar-se-iam condenados, para as costas do Brasil, como já se mandavam e se iam mandar para a costa da África. E
ia-se também subjugar o gentio e doutriná-lo cristãmente.
D. João III foi feliz na escolha dos altos funcionários enviados – Tomé de
Souza, Antônio Cardoso de Barros, dr. Pero Borges, Pero de Góis – probos e dedicados às suas funções, como também o foi na dos primeiros
missionários jesuítas, cuja vinda autorizou para a catequese.
Para tomar posse definitiva da Bahia, onde já havia alguns poucos habitantes
portugueses, cumpria, assim rezava o regimento do governador geral expedido pelo rei, ao "serviço de Deus e ao meu", castigar os
tupinambás, que se haviam levantado, pondo "em ordem destinando-lhes aldeias, povoações, matando e cativando aquela parte deles que vos parecer
que baste para seu castigo e exemplo" (Regto. § nº 6) e "si algum desse gentio (que estiver em paz) quiser ficar na Bahia dar-lhe-ei
terras para sua vivenda" (Regto. § nº 7).
Assim se entendia tratar os aborígines americanos. Davam-se-lhes títulos das
terras que eles já ocupavam, sem dúvida imemorialmente, se se conservassem submissos; mas seriam cativados e matados, para castigo e exemplo, se
não aceitassem o domínio português.
Tomé de Souza aí construiu a cidade do Salvador, conforme ordem recebida, e
nela se fixou.
Pouca ação desenvolveu na capitania de S. Vicente; mandou inspecioná-la em
1550, e a ela foi em 1553. Pouca coisa há a dizer dele, bem como dos demais governadores, exceto de Mem de Sá e de d. Francisco de Souza, tendo em
vista o limite imposto a este estudo.
Como quer que seja, com o governo geral se manteve a
integridade do imenso descobrimento e se ia fazer penosa e demoradamente o povoamento do Brasil. Deve-se contar dessa época a colonização
portuguesa do Brasil.
[1]
Vide Memórias Históricas da Bahia, por Acioly e Braz do
Amaral, vol. 1º, pág. 261. |