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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Construiu em 1887 a canoa de rodas

Texto condensado da obra Vultos Vicentinos - Subsídios para a História de São Vicente, de Edison Telles de Azevedo, impresso na Empresa Gráfica Revista dos Tribunais S.A. (S.Paulo/SP), e lançado em São Vicente/SP em 1972 - exemplar no acervo da professora Sidnéia Lopes Escobar:


Até automobilista foi o eclético José Joaquim de Azevedo, quando, em 1910, adquiriu um automóvel alemão, dos primeiros a surgirem na Baixada. No clichê, é visto dirigindo a máquina, em companhia de seu cunhado Heraldo Lapetina
Foto publicada com a matéria

Mais conhecido por "Juca Morgado" e "seu Morgado", [José Joaquim de Azevedo] nasceu em Portugal, no Villar dos Frades, Província do Minho, em 30/9/1892, filho de José e Agostinha de Azevedo. Com 14 anos, veio sozinho, no barco à vela Santa Madalena, para o Brasil, viajando três meses, nunca mais voltando à terra natal.

Descendo no Rio de Janeiro, foi trabalhar com um engenheiro, com o qual veio para Santos, empregando-se nas obras do primeiro edifício da Alfândega. Não querendo acompanhar o engenheiro para a Bahia, ficou em Santos.

São Vicente, entretanto, o atraía, pela sua beleza panorâmica; enamorou-se também por uma moça de tradicional família vicentina, Catarina Lapetina, considerada na época uma das mais bonitas. [A 4/12/1891, casou-se com ela].

Sítio Sambaiatuba - grande oficina - Por ser empreiteiro e construtor naval, construiu em seu Sítio Sambaiatuba (hoje Catiapoã) uma grande oficina de carpintaria, com parte mecânica, ferraria e encanamento. Possuía alambique para fábrica de caninha, engenho de fubá e beneficiamento de arroz; fabricava cal de ostras; fornecia areia lavada (matéria-prima no fabrico do vidro), para a Vidraria Santa Marina, em São Paulo.

Fabricava caixas para sabonetes e sabão. As áreas onde estão hoje o Santos Golf Clube, Indústrias Reunidas Vidrobrás Ltda. e estação da E.F. Sorocabana, pertenceram a José Joaquim de Azevedo. Possuía grande granja, vacas leiteiras, árvores frutíferas, bananal, animais para carros e boa quantidade de suínos.

Explorou o serviço de transporte de passageiros, com tróleis puxados a cavalos, e lanchas, da "Casa das Bananadas" até o porto do Campo (antes da inauguração da Ponte Pênsil). Os bois e vacas eram puxados, dentro d'água, por lanchas do "seu Morgado" (mesmo trajeto), pois não havia embarcações próprias para o transporte de animais.

Construiu em 1887 a canoa de rodas - Um episódio importante e pitoresco precisa ser lembrado à geração de hoje. Em suas próprias oficinas de carpintaria, "Juca Morgado", homem trabalhador e inteligente, resolveu construir uma canoa movida por duas rodas laterais, o que conseguiu, após vários meses de esforços. A referida embarcação era acionada por duas alavancas impulsionadas por força manual.

O lançamento da mesma na água foi grande acontecimento para a população, que aguardava ansiosa tal inauguração, no Mar Pequeno, em frente ao caminho do Paquetá (hoje av. Newton Prado).

Dois homens se apresentaram, fardados de marinheiros: Severino Alonso e Manoel Lopes Fernandes (Manequinho Espanhol) (...) Os dois marinheiros põem em movimento a embarcação, sob aclamações dos convidados e curiosos. A experiência tinha sido coroada de êxito, pois a canoa de rodas venceu, em velocidade, uma outra, remada por quatro experientes canoeiros. "Seu Morgado" recebeu os cumprimentos.

Foram aparecendo depois as lanchas e as embarcações com motores de popa, e a canoa de rodas não mais foi vista em nossas águas. Ficou no ostracismo, recolhida ao barracão do pescador Antônio Tavares de Almeida e Silva, no sítio dos Barreiros. O pescador Tavares, como era conhecido, bastante estimado, foi também emérito da cidade.

Lá pelos idos de 1888, nosso biografado explorou um salão de bilhares, numa casa do Largo Batista Pereira (hoje Praça João Pessoa), residência que posteriormente conhecemos como "casa de d. Vitoriana".

Adepto do turfe, ajudou a construir o primeiro hipódromo de São Vicente, isso em 1890-91. Freqüentava as corridas. O hipódromo, sólido e vistoso, ocupava a grande área dos terrenos da Santa Casa, na baixada do Itararé, e na encosta do morro do mesmo nome. Por ocasião da Revolução da Armada, a entidade turfística foi extinta (1894). Somente em 1949 (depois de 55 anos) é que surgiu um novo Jóquei Clube (o atual), em terras que pertenceram a Antonio Militão de Azevedo (pai do autor do livro).

Quando moço, José Joaquim de Azevedo foi também músico amador. Tocava pistão na antiqüíssima banda regida por Indalécio Constâncio Ferreira, em 1882. Era seu incentivador o maestro Aurélio Prado.

Construiu a primeira olaria, em 1886, no antigo Paquetá, assinalado por uma pedra junto ao Mar Pequeno, onde havia fincada uma barra de ferro. A segunda olaria construiu-a na Rua dos Velhacos, depois Rua Conselheiro Nébias (hoje Rua do Colégio), ao lado da residência de Xavier dos Passos, mais conhecido por "Chico Botafogo", tendo como seu principal auxiliar Júlio Barroso, pai do saudoso ex-vereador Raul Serapião Barroso.

Para os festejos carnavalescos de 1900, construiu todos os carros alegóricos, destacando-se a Galera de Pedro Álvares Cabral, puxada a cavalos, sob desenho de B. Calixto. Era o almirante José Inácio da Glória Jr. (Nhonhô). O Dragão trazia na boca uma moça: Zilda Emmerich. Outros carros foram construídos, até o Carnaval de 1910. Entre outros auxiliares na construção lembramos Carlos Porto, vulgo Carlos Garnizé e Vitório Brizzi. O Pavão era o carro-capitânia dos Galopins Carnavalescos, em 1910.

Arruador municipal - Como arruador da Intendência Municipal, possuía larga visão e conhecimento dos serviços rurais. Atendia os requerimentos para construção de casas (os terrenos eram doados pela Intendência e caso o interessado não construísse dentro de um ano, perderia o direito à doação).

Construiu a Lavanderia Pública, no Largo de Santa Cruz (hoje Praça Bernardino de Campos); foi um dos empreiteiros para o assentamento da linha de bondes puxados a burros, do Porto Tumiaru até ao José Menino; ajudou a construir o Monumento ao IV Centenário da Descoberta do Brasil (praça da Biquinha) em 1898, 1899 e 1900 (desenho de Benedito Calixto); fez parte da equipe que construiu a "Escola do Povo"; instalou água encanada em várias casas; quando auxiliar do engenheiro dr. Alexandre Martins, abriu a rua em Santos que recebeu esse nome; foi eleitor e jurado; integrava o partido político chefiado pelos irmãos Moura, pois naturalizara-se brasileiro.

Além da canoa de rodas, e muitas lanchas, construiu ainda canoas com motor de motocicleta; e uma de corrida, impulsionada por hélice de aeroplano.

O dr. Pérsio de Souza Queiroz mandou buscar na Alemanha um automóvel; entretanto, por não se habituar a lidar com o mesmo, vendeu-o a José Joaquim de Azevedo e seu cunhado Heraldo Lapetina, isso já pelos idos de 1910-1911. O veículo despertou a curiosidade da pacata população afonsina, pois era um dos primeiros veículos dessa natureza que apareceram em São Vicente.

Embora turrão e de gênio arrebatado, possuía um coração boníssimo. Alegre e festeiro, reunia de vez em quando em sua casa tocadores de violão. Fumava e tomava café abundantemente, até os seus últimos dias. Não abusava do álcool. Possuía grande força nas mãos e atendia os casos de "queixos caídos". Era apaixonado pela leitura e pela arquitetura, e pesquisador de tudo que se relacionasse com a mecânica. Gostava de caçar, sendo seu companheiro inseparável "João do Morro".

O presidente da República, dr. Manoel Ferraz de Campos Sales, quando de sua visita à Fortaleza de Itaipu, recebeu de São Vicente merecidas homenagens. "Seu Morgado" encontrava-se nessa ocasião em Paranaguá, assentando motores a pedido da firma Zerrenner Bülow. Ranulfo, seu filho, com apenas 12 anos, foi quem dirigiu a lancha, transportando Campos Sales até o Porto do Campo, o que fez com tanta habilidade que o presidente não se conteve e o cumprimentou, elogiando-o.

Vítima de um ataque de uremia, ficou hospitalizado 19 dias na Soc. Portuguesa de Beneficência (de que era sócio fundador). Não suportando a doença, veio a falecer, com 81 anos, a 27 de abril de 1933.


José Joaquim de Azevedo, um eclético a serviço da cidade
Imagem: bico-de-pena do autor do livro, publicado com o texto

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