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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Praia do Gonzaguinha está sumindo (2)

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Antiga preocupação regional, as alterações na largura da faixa de areia das praias, denotando a existência de problemas ambientais a serem corrigidos, periodicamente vira notícia, como nesta matéria, publicada em 16 de junho de 1957 no jornal santista O Diário (página 19 da seção 1 - exemplar no acervo de António Mendes, de Praia Grande/SP - ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

NOTÍCIAS DE S. VICENTE
Meios ao nosso alcance para combater a erosão das praias

Politi: "Erram os que negam e os que afirmam possíveis causas" - Deve, o problema, ser encarado genericamente - Fatos diversos, a que poderia ser atribuída a alteração das correntes, concomitam com o princípio da erosão - Prolongamento dos "narizes": medida mais prática de reação - Solução dada a caso idêntico, na Flórida

Conforme noticiáramos com bastante antecedência, passamos a focalizar o sempre momentoso problema da erosão das praias. Trata-se, como é de domínio público, de um assunto que constantemente vem à baila. A respeito dele muitos se têm pronunciado, sem que, contudo, fosse apontado algo de objetivo quanto às providências a serem adotadas no sentido da extinção desse mal que, dia a dia, se agiganta.

O Diário, iniciando hoje mais uma série de entrevistas com técnicos e autoridades, procurará colaborar com os poderes na árdua luta encetada contra o mal. Transmitindo a opinião credenciada daqueles que melhor podem se referir ao assunto, visará o condensamento de pareceres positivos e baseados em fatos concretos, o que, sem dúvida, abrirá novos horizontes para a solução do caso.

Os enrocamentos de pedras, conforme mostra a foto, provocam o acúmulo de areia, permitindo a formação de praias entre essas pontas
Foto publicada com a matéria

Nosso entrevistado de hoje é o dr. Rafael Faro Politi, vereador à Câmara Municipal e competente engenheiro civil da cidade. Em resposta às perguntas do repórter, declarou-nos aquele técnico:

"Com referência às causas do desbastamento das praias, existem, na cidade, duas correntes de opiniões. Uma delas, constituída de 90% da população, tem atribuído o fenômeno, de modo predominante, à ponte que liga o bairro da Boa Vista à Ilha Porchat. A outra, de 10%, aponta outras causas. Não estou de um lado nem do outro, pois nada de positivo foi dito, ainda, a respeito, pelos técnicos que estudaram o assunto. Ainda recentemente, elementos do Inst. de Oceanografia andaram pela baía e admitiram hipótese, nada concluindo afinal por falta de elementos técnicos auxiliares dos estudos, tais como circulação das correntes marítimas e outros.

"Tanto erra quem afirma com o quem nega que a ponte é causa da erosão, porque ainda não existe uma verdade básica e provada, sobre a qual se possa alicerçar um raciocínio legítimo com referência ao caso. Não me parece coerente afirmar ou negar, com temeridade, qualquer coisa com relação às causas. Só técnicos profundamente entrosados na questão - e isso depois de acurados estudos - poderiam chegar a uma conclusão exata e precisa.

"A propósito, lembro-me, como se fosse hoje, do que meu mestre de Oceanografia nos ensinava que, com alusão ao oceano, aos rios, aos canais e congêneres, nunca deveríamos afirmar nada com precipitação, pois, muitas vezes, um efeito próximo tem causas muito remotas.

"Em minha modesta opinião, os estudos partiram sempre de uma premissa duvidosa. Em lugar de partir-se de um estudo genérico e amplo do fenômeno para - por eliminação de partes - chegar-se às causas básicas prováveis, tomou-se sempre como verdade a construção da ponte da Ilha Porchat para, dentro dos fenômenos mais amplos, provar-se aquela mesma verdade; e ocorre que a especificação pode conduzir a conseqüências formalmente certas e materialmente erradas.

"Realmente, a construção da ponte tem certa relação de tempo com a fase mais violenta dos estragos ocorridos na praia, por volta de 1947. É preciso, contudo, considerar que dessa mesma época datam também os serviços de construção dos diques do Rio d'Avó, do Sá Catarina e do Saquaré, e as grandes obras de prolongamento e extensão do cais do Saboó, com grandes aterros. É claro que essas obras poderiam ter afetado sensivelmente o regime das correntes marítimas - em sentido e intensidade -, com possíveis influências na Baía de São Vicente e conseqüente alteração no movimento de areias de suas praias.

"Embora não tenha elementos para afirmar, com segurança, que sejam essas as causas - como não os têm aqueles que julgam ser a ponte a razão da anomalia - não posso admitir como certo que se enquadre o problema apenas sob um ponto de vista particular: a ponte. Aliás, melhor seria se isso, de fato, se combinasse com a realidade, porque seria obstáculo de remoção relativamente fácil, com a substituição do atual aterro de acesso à ponte por um tabuleiros sobre pilotis, de modo a oferecer o mínimo de resistência à ação eólica ou marítima no movimento das areias.

"Por outro lado, é de se notar que qualquer das outras causas apontadas apresentaria soluções praticamente inatingíveis nos recursos atuais. Contudo, nada está provado e é até mesmo admissível que nenhuma das causas apontadas seja a verdadeira ou ainda que, em conjunto ,constituam esta causa em torno de que tanto divergem as opiniões.

"Na falta de material suficiente para um bom e seguro exame e enquanto os órgãos especializados não chegam a uma conclusão, interessante será que procuremos diminuir as conseqüências erosivas pelos meios que possuirmos ao nosso alcance. Várias soluções poderiam ser aventadas, mas nem todas poderiam ser consideradas, em face do alto custo que representariam.

"Entretanto, duas há que, embora custosas, estão ainda ao alcance dos poderes interessados na preservação não só das praias como das obras nelas realizadas, entre as quais o emissário de esgotos e o ajardinamento, cuja reposição custa fortunas.

"Destas duas soluções, a mais imediata para o combate à ação erosiva do mar, nas praias, seria o prolongamento dos atuais enrocamentos de pedras ("narizes") que, na forma de lanças avançando para o mar, anulam a ação das correntes marítimas, protegendo a orla das praias, possibilitando mesmo a reposição de areia, entre um e outro, como pode ser verificado pelas inúmeras fotografias aéreas da região.

"Atualmente, existem sete dessas pontas de pedra e o seu prolongamento permitirá maior eficiência e melhores resultados. Concomitantemente, outros braços devem ser feitos - no mínimo mais dois - em localização adequada, um deles mais ou menos defronte à Rua Frei Gaspar. Estas pontas, posteriormente, poderão ser aproveitadas, de modo a serem ajardinadas, servindo também para pescarias de paredão e para acostamento de pequenos barcos.

"A propósito, é conveniente ressaltar que na Flórida, Estados Unidos, em face de caso idêntico, essa medida foi adotada e ocasionou resultados dos mais satisfatórios, uma vez que, além de proteger a segurança das praias, complementou a obra da Natureza, criando mais logradouros públicos, como pequenos jardins.

"Outra medida que pode ser tomada, de imediato, é a do uso de um perfil mais favorável para o paredão de contorno da orla das praias, visto que o atual, de paredes verticais, não é o mais indicado, por oferecer grande resistência ao embate das ondas, nas marés agitadas, quando o mais aconselhável, nesses casos, é oferecer o mínimo de resistência, o que pode ser obtido com o perfil inclinado, como aliás foi feito junto à Ponte Pênsil.

"Com estas palavras, creio ter dado minha modesta colaboração no grande problema que preocupa nossa população, representando um rápido resumo do conhecimento que dele tenho, mercê de meus contínuos estudos e de minha constante observação sobre o assunto".

O eng. Rafael Faro Politi, falando ao repórter: "Tanto erra quem afirma como quem nega que a ponte é a causa da erosão"
Foto publicada com a matéria