Alguns bairros do continente ainda não possuem farmácia, agência
bancária ou posto previdenciário
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria
Continente de S. Vicente, uma área ainda a ser descoberta
Região carece de uma série de serviços
Victor Miranda
Da Redação
O
crescimento desproporcional da Área Continental trouxe, a reboque, um problema importante a ser resolvido pelo Poder Público: como estruturar uma
região com nove bairros, praticamente 100 mil habitantes e que, por décadas, não contou com praticamente nenhum investimento?
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicados ontem em A Tribuna, enquanto a parte insular de São
Vicente cresceu 4% em dez anos, a região continental saltou 26,1% no mesmo período. O aumento populacional do Município ficou em 9,52%.
A tarefa da Administração é como trocar o pneu de um carro em movimento. Ou seja, precisa agir urgentemente na região, trazendo investimentos,
atraindo recursos, mas sem poder frear o crescimento populacional que, ao que tudo indica, tende a prosseguir nos próximos anos.
"Durante muito tempo, falou-se na Área Continental como um local que poderia amenizar os problemas habitacionais da Ilha de São Vicente. Essa
solução surgiu, na cabeça das pessoas, quase que naturalmente. Foram comprando terrenos, construindo casas e, hoje, é um enorme desafio dar
condições para que essas famílias possam viver bem", analisa o secretário de Planejamento e Gestão, Emerson dos Santos.
As dificuldades podem ser observadas na precariedade de opções de serviço e de lazer. Às crianças, falta conforto nas escolas. Aos adolescentes,
faltam atividades que os tirem das ruas, reduzindo desde gestações precoces à violência e drogas. Aos jovens e adultos, há carência de bons
empregos.
Às famílias, faltam farmácias para comprar remédios. Aos idosos, as vagas para atendimento nas unidades de saúde não são suficientes. A todos,
falta segurança.
Como as carências são muitas, fica impossível resolver todos esses problemas de uma só vez e a curto prazo. É preciso um plano mais amplo de
crescimento. Afinal, são itens de competência do Poder Público, mas também do setor privado, que, aparentemente, ainda reluta em investir em uma
região com mais de 98 mil habitantes.
Olhar do
político – "São Vicente é uma Cidade com poucos recursos", comenta o prefeito Tercio Garcia, "mas, nos últimos tempos, temos dado atenção especial à Área
Continental. Só que fica complicado resolver problemas históricos de uma hora para outra. Mas não podemos nos omitir".
Ele, aliás, afirma que a Prefeitura está empolgada com a chegada de empresas relacionadas ao pré-sal àquela área – o que poderá gerar empregos e
injetar recursos na economia local. Mas ainda espera que novos empreendimentos se instalem no continente.
"Para se ter uma idéia, após muitos anos de reivindicações, a primeira agência bancária ainda vai se instalar nessa região no final do ano",
complementa. Tercio entende que pequenos, médios e grandes empresários deveriam olhar mais para essa região. "A Área Continental de São Vicente
pode ser um maná para empresários", avalia o político.
No entanto, órgãos governamentais poderiam pensar dessa forma. A agência bancária citada pelo prefeito, por exemplo, é privada. Bancos públicos,
por ora, nem pensar. Outros órgãos também seriam bem-vindos, como o INSS.
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria
Na contramão
A população de São Vicente é
majoritariamente feminina. Elas somam 52% dos habitantes da Cidade, enquanto os homens compõem 48%. Essa tendência ocorre em 28 dos 29 bairros. A
exceção é o Jardim Rio Branco, na Área Continental, onde o sexo masculino lidera com 53,2% dos moradores.
O curioso é que, embora esses
dados sejam do IBGE – ou seja, números oficiais – os próprios homens do bairro contestam a informação. Ao conversar com seis moradores do Jardim
Rio Branco, todos disseram a A Tribuna que deve haver algum engano, pois elas seriam supremas lá também.
"Os pesquisadores devem ter
feito o censo de manhã, quando as mulheres estão no mercado e os porteiros – maioria no bairro – estão em casa", arrisca o bem-humorado Manoel
Galdino Souza. Gerson de Jesus é mais prático em sua explicação. "Nem precisa fazer pesquisa. É só olhar a rua e perceber que aqui não falta
mulher coisa nenhuma".
Conjuntos mudam o Samaritá
Imagine só: você mora em um bairro tranqüilo, sem muita infra-estrutura e, de uma hora para outra, recebe a companhia de centenas de novos
vizinhos. Alguns meses avançam e mais moradores passam a dividir o mesmo espaço. Foi exatamente por essa situação que passaram os habitantes
antigos do Samaritá.
Do censo de 2000 para o de 2010, o IBGE aponta que o bairro registrou um aumento populacional de exatos 218%. A justificativa é simples: o núcleo
recebeu projetos habitacionais dos governos do Estado e Federal. Paralelamente, porém, ações de estrutura demoram a acontecer.
Atualmente, a Prefeitura trabalha em obras de drenagem, guia, sarjeta e pavimentação. Há projetos de uma escola estadual naquela região. Fora
isso, muito pouco.
Vazios
– "Tem farmácia no bairro?" Não. Tem padarias? Apenas uma. Tem mercado? Não. Tem unidade de saúde? Só um posto antigo e incompatível com a
demanda. Tem escola de Ensino Médio? Também não. Assim, é complicado demais de viver", comenta um homem que identificou-se como Adriano e diz
morar há 12 anos no Samaritá.
O comerciante Joelito Cardoso de Santana concorda com as dificuldades citadas. Há oito anos, antes do boom populacional, ele trocou o
Parque das Bandeiras pelo Samaritá. Lá, abriu um bar.
"Comercialmente falando, gostei muito da vinda desses conjuntos habitacionais, pois aumentaram minha clientela. Mas não dá para (o órgão público)
atender a população de hoje da mesma forma que atendia antes. A estrutura precisa acompanhar esse crescimento", analisa Joelito.
Moradora de um dos novos conjuntos habitacionais, a faxineira Creuza Domingos da Costa mudou da Zona Noroeste, em Santos, para o Samaritá. Há
cinco anos no bairro, ela exalta algumas transformações – como a pavimentação e drenagem das vias -, mas critica a lentidão para a chegada dos
serviços.
"Se sabem que vão mudar famílias para cá, precisam melhorar as condições antes das pessoas pegarem as chaves dos apartamentos. Outro problema é a
falta de transporte público. São coisas que todos sabem que acontece, mas ninguém resolve", comenta.
Essas mudanças estruturais se farão mais urgentes a curto prazo. Isso porque está prevista a mudança de 880 famílias nos próximos anos, com a
entrega de dois novos conjuntos habitacionais.
Quase 42% da população estão em idade economicamente ativa
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria
Maioria da população vicentina é jovem
Ao contrário de outras cidades da Baixada Santista, onde o número de idosos é crescente, São Vicente segue com o perfil de poucos aposentados. No
entanto, uma mudança pode ser observada nesse censo: a população majoritária não é mais composta por crianças.
A população jovem cresce muito no Município. Segundo o IBGE, 58.390 (ou 17,6%) pessoas têm entre 20 e 29 anos. Já os que possuem entre 15 e 19
anos somam 27.368 (8,23%) e, os com idade de 30 a 39 anos, 53.497 (16,1%).
Resumindo, 41,9% dos vicentinos têm de 15 a 39 anos, estando no auge do vigor e em idade economicamente ativa.
Além de aspectos positivos para a economia, a nova realidade modifica também a carência de serviços e inverte uma lógica geométrica, segundo
explica Emerson dos Santos.
"A população de São Vicente, dividida por faixa etária, formava um triângulo. Ou seja, nascia muita gente, ia perdendo fôlego na juventude e
chegava à população mais idosa com um índice baixo. Hoje, essa característica mudou, formando um losango. Nasce bastante gente, mas o número de
jovens tem crescido muito", explica.
O prefeito Tercio Garcia (PSB) cita que essa característica exige que a Prefeitura atue em frentes diferentes. "Precisamos cada vez mais fomentar
a criação de empregos e ser uma Cidade voltada para o futuro. Ou seja, investir na educação e qualificação de nossas crianças, adolescentes e
jovens".
Segundo ele, essa realidade complementa o trabalho de saúde feito com crianças desde o nascimento, até a adolescência. "Investir na qualidade de
vida infantil é o mesmo que investir no futuro. Trabalhamos muito para melhorar a vida das crianças, seja na área de educação, seja em projetos
sociais. Agora, é preciso dar seqüência a esse trabalho".
Bairro Irmã Dolores, o gigante
caçula
Além dos índices de crescimento
populacional nos últimos dez anos, a Área Continental de São Vicente apresenta algumas particularidades no Censo 2010 do IBGE. O Humaitá, então o
maior bairro da região, encolheu, perdeu território – a Vila Nova Mariana – e caiu para o terceiro principal núcleo habitacional. Foi ultrapassado
pelo Jardim Rio Branco e Jardim Irmã Dolores.
O bairro caçula do continente,
aliás, estréia no levantamento oficial como o mais populoso daquela parte da Cidade. Com 23.429 moradores, o Irmã Dolores é a junção dos antigos
Quarentenário e Vila Ponte Nova.
Mesma vida
– Embora novo (menos de dois anos), a nomenclatura pouco acrescentou na qualidade de vida dessa população, segundo depoimento deles mesmos.
"A única mudança que o novo
nome trouxe foi uma justa homenagem à Irmã Dolores, uma mulher batalhadora que fez muito pelo Quarentenário. Porque, melhorias recentes, nós não
tivemos", comenta o pedreiro João Batista Dias da Rocha, de 48 anos.
Há 17 anos no bairro, ele
comenta que a principal evolução, ali, se deu durante a atuação da missionária espanhola que agora é homenageada, que levou ao local melhorias
como asfalto, iluminação e uma casa de parto.
"Ela batalhava demais por essa
comunidade. Eu a conheci e acho essa homenagem justíssima. O desenvolvimento da estrutura do bairro e do trabalho social morreram com a Irmã
Dolores", relata a comerciante portuguesa Emília Maia, de 71 anos, moradora do núcleo.
Tempo
– Apesar da crítica, numa comparação a longo prazo, a população garante que é impossível ignorar as melhorias. Isso porque, até 15 anos atrás,
tanto o Quarentenário como a Vila Ponte Nova eram núcleos sem qualquer infra-estrutura.
A pavimentação até hoje não
chegou em algumas das vias dos locais – ainda não saíram do estágio de projetos -, mas o abastecimento de água e energia elétrica, a melhora no
saneamento básico e a iluminação viária em nada trazem saudade do tempo de valas correndo a céu aberto em ruas escuras.
"Já até recebi proposta para
vender minha casa, de três andares. Mas ainda acredito que nos próximos anos essa região vai valorizar ainda mais. Assim como há 12 anos eu tinha
uma visão do futuro, hoje, ainda preciso pensar assim", comenta Renato dos Santos.
AMANHÃ,
IMPACTO DO PERFIL DA POPULAÇÃO NA EDUCAÇÃO PÚBLICA