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BENEDITO CALIXTO
Calixto e as Capitanias Paulistas - 19


Clique na imagem para ir ao índice da obraAlém de refinado pintor, responsável por importantes telas que compõem a memória iconográfica da Baixada Santista, Benedicto Calixto foi também historiador e produziu várias obras no gênero, como esta, Capitanias Paulistas, impressa em 1927 (segunda edição, revista e melhorada, pouco após o seu falecimento) na capital paulista por Casa Duprat e Casa Mayença (reunidas).

O exemplar, com 310 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas 217 a 232):

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Capitanias Paulistas

Benedito Calixto

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Imagem: cabeçalho de página da obra (página 217)

CAPÍTULO XV

Os primeiros capitães-governadores da Capitania de São Paulo. - Criação da Capitania de Minas Gerais. - Os capitães-generais de São Paulo vão residir em Minas Gerais. - Descoberta das minas de ouro em Cuiabá e Goiás. - Rodrigo Cezar de Menezes é nomeado governador de São Paulo e vem residir na mesma cidade. - Dados biográficos sobre este célebre governador. - A razão por que o rei d. João V dispensava o seu valimento e boas graças ao marquês de Cascais. - A ação dos governadores da Capitania de Itanhaém no conflito de jurisdição. - O governador de Itanhaém, Antonio Caetano Pinto Coelho de Souto Maior e o seqüestro da sua jurisdição, ordenada pelo rei. - O desânimo e a inércia dos condes da Ilha do Príncipe.

odo o vasto território compreendido hoje nos estados de S. Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e uma parte do Paraná estava, como já dissemos, fazendo parte da Capitania de Itanhaém, pois a Capitania de São Paulo, ou Capitania de São Vicente, resgatada pela Coroa em 1710, nada mais era que as cinqüenta léguas de Pero Lopes de Souza, denominada primitivamente Capitania de Santo Amaro, cuja seção, nesta parte do litoral paulista, estava restrita entre a barra do Rio Juqueriquerê e a barra do Rio de São Vicente.

Não é nosso propósito, como já ficou dito, historiar os fastos memoráveis da Capitania de S. Paulo nesse período tão importante de nossa história colonial que vai de 1710 a 1821, que foi quando terminou o largo período "dos governos dos capitães=generais" para ser substituído pelo "governo provisório" eleito então pelo povo e tropa, do qual foi eleito presidente, a 23 de junho de 1821, o último desses capitães-generais, João Carlos Augusto de Oyenhausen.

O primeiro governador e capitão-general da Capitania Especial de São Paulo foi, como já ficou dito, Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que tomou posse do governo a 18 de junho de 1710 e serviu até 30 de agosto de 1713, sendo substituído no referido cargo por d. Braz Balthazar da Silveira, empossado a 31 de agosto de 1713, que governou a capitania até 3 de setembro de 1717.

Nessa data, isto é, a 14 de setembro de 1717, tomou posse do mesmo cargo d. Pedro de Almeida Portugal, conde de Assumar, que serviu até 4 de setembro de 1721. Este fidalgo, após o seu governo, foi agraciado com o título de Marquês de Castello-Novo e nomeado depois vice-rei da Índia, em 1744.

Pedro Álvares Cabral foi, em 1721, nomeado capitão-general de S. Paulo, porém não chegou a tomar posse, sendo então substituído pelo célebre Rodrigo Cezar de Menezes, que tomou posse a 5 de setembro de 1721, e serviu o cargo de governador e capitão-general da Capitania de São Paulo até 1727. Este nobre fidalgo, cujo governo tanto se distinguiu no áureo período das minerações de Cuiabá e mesmo nas descobertas das ricas minas de Goiás, fora também recompensado pelo governo português com o título de governador de Angola, em 1733.

Foi durante o período governamental destes primeiros capitães-generais de São Paulo - 1710 a 1727 - que mais se acentuou o conflito de jurisdição entre a Capitania de São Paulo e a Capitania de Itanhaém.

O formidável rush paulista para o ouro, o qual se deve a descoberta e o povoamento do solo de Minas Gerais e do território imenso dos Cataguases, como diz o dr. Taunay, havia tido grande impulso, nessa época, pouco antes da criação da Capitania de São Paulo [52].

As descobertas das ricas minas de ouro, no território de Minas Gerais, tinham atraído então tantos forasteiros, e tal era a densidade da população em alguns pontos, que muitas povoações, já pelo seu comércio, já pelo seu desenvolvimento, haviam se tornado bem mais importantes que as vilas de S. Paulo e Taubaté.

Por este motivo, o governo da Metrópole achou conveniente, logo após a criação da Capitania de S. Paulo, remover para a Vila do Carmo o 1º capitão-general, Antonio Albuquerque Coelho de Carvalho, que ali ficou residindo, a fim de melhor administrar as rendas, já fabulosas, dessa zona da Capitania de Itanhaém, e isto com grave prejuízo e desprestígio da legítima autoridade do respectivo governador e loco-tenente do conde da Ilha do Príncipe, que residia ainda em Itanhaém.

Foi este o primeiro ato despótico de d. João V e do seu loco-tenente, após a criação da Capitania de S. Paulo, no novo conflito de jurisdição entre as duas antigas donatarias. Durante o governo de Rodrigo Cezar de Menezes, 1721 a 1727, como veremos adiante, as usurpações e seqüestros se sucederão, contra os direitos do dito donatário da Capitania de Itanhaém.

De 1710 a 1721, a cidade de S. Paulo não teve a regalia de ser considerada a capital, a sede do governo da mesma capitania, porque os capitães-generais deste período fizeram sempre da Vila do Carmo, hoje cidade de Mariana, a capital de seu governo.

O rendimento proveniente das minerações auríferas, nesse território de Minas Gerais, havia se tornado tão importante que o mesmo rei d. João V achou acertado, em 1721, desmembrar essa zona de Minas da Capitania de S. Paulo (embora não estivesse ela compreendida na Capitania de S. Paulo), e bem assim da Capitania de Itanhaém e Rio de Janeiro, a fim de formar a Capitania de Minas Gerais, com jurisdição separada das demais.

Tudo isso se fez, é preciso que se note, dentro da jurisdição da Capitania de Itanhaém, sem a mínima interferência do respectivo governador e loco-tenente dos donatários, condes da Ilha do Príncipe, os quais, entretanto, segundo a "Carta de Confirmação" passada pelo mesmo d. João V, a d. Antonio Carneiro de Souza, em 1709, eram os legítimos donos das "cem léguas de costa, de Martim Afonso de Souza!...".

A jurisdição da extensa Capitania de Itanhaém, como se está vendo, vai sendo cada dia restringida; e as vilas e povoações à margem do Paraíba, donde haviam partido as primeiras expedições, as primeiras bandeiras, para a conquista desse rico sertão de Minas Gerais, sob os auspícios dos governadores e ouvidores de Itanhaém, no tempo da administração de Carlos Pedrozo da Silveira [53] e outros notáveis paulistas da mesma Capitania de Itanhaém, achavam-se agora em declínio, quase em abandono, como a sua antiga rival, a cidade de São Paulo, e isto porque todo o comércio das minas estava sendo feito diretamente pela Capitania do Rio de Janeiro e por outras vias de comunicação que partiam da Vila de Parati,  qual já estava sendo absorvida, também, nas novas jurisdições determinadas pelos prepostos do governo da Metrópole, em prejuízo dos paulistas [54].

Os habitantes que constituíam as novas e florescentes povoações nesta rica zona e mesmo os mineiros empregados no serviço das lavras - na sua mor parte - já não eram paulistas, mas sim, essa onda avassaladora de forasteiros que, avidamente, afluía de todos os pontos, principalmente depois da terminação da Guerra dos Emboabas.

Foi então quando mais se fez sentir, nesta zona, a influência e preponderância absoluta dos governadores-gerais do RIo de Janeiro e da Bahia, cuja política havia sido sempre, mais ou menos, adversa e hostil à ação enérgica, ao espírito independente e altivo do povo paulista. Dessa prevenção, ou dessa desconfiança contra o ânimo e brio dos paulistas, não estavam isentos os próprios capitães-generais de São Paulo, como provaremos adiante.

Os bandeirantes paulistas, já um tanto retraídos e desiludidos, nesta época, afastavam-se dessa região mineira, por eles desbravada; e, dando ainda expansão ao seu ímpeto avassalador, e à tenacidade do seu temperamento, embrenhavam-se de novo nos sertões de sua capitania, onde em breve desvendariam novas e ricas jazidas auríferas, como as de Cuiabá e Goiás, que tanto gáudio, tanto deslumbramento haviam de levar às Cortes de d. João V e d. José I.

As famosas minas de Cuiabá achavam-se também dentro da jurisdição da Capitania de Itanhaém, e o seu descobridor - Miguel Sutil - natural da Vila de Sorocaba, era também, como se vê, um súdito do conde da Ilha do Príncipe, porque esta Vila fez sempre parte da mesma Capitania de Itanhaém [55].

"Natural de Sorocaba, diz Azevedo Marques, foi Miguel Sutil o primeiro que por intermédio de dois índios Carijós descobriu, em 1721, a fértil min de ouro no lugar onde se edificou depois a Vila Real de Cuiabá, recolhendo-se no primeiro dia de trabalho meia arroba de ouro, e as pessoas que o acompanhavam, entre as quais estava um João Francisco, natural de Portugal, chamado o Barbado, quantidade proximamente igual. Montou a perto de quatrocentas arrobas o ouro extraído deste lugar, no primeiro mês de exploração, sem que fosse preciso fazer escavações mais profundas do que quatro braças...".

Foram estas notícias, assim lisonjeiras e mirabolantes, que demoveram o rei de Portugal a mandar imediatamente, para a cidade de São Paulo, até então abandonada pelos seus capitães-tenentes, o célebre fidalgo de que já falamos, Rodrigo Cezar de Menezes, que lhe merecia "toda a confiança", a fim de administrar o vasto território dessa Capitania de S. Paulo.

Deveria também, por ordem do mesmo monarca, manter e fazer respeitar a sua autoridade, subjugando ao mesmo tempo a "arrogância e o brio dos paulistas" e submeter ainda, aos mesmos domínios reais, essa "rebelde Capitania de Tinhaên", cujos governadores, embora desautorados, persistiam, como esse famoso e arrojado Antonio Caetano Pinto Coelho de Souto Maior, "em conceder provimentos, contra as ordens reais, nas vilas que ainda estavam sob a sua jurisdição, de capitão-mor-governador e ouvidor da Capitania de Tinhaên".

Para dar, embora sumariamente, uma idéia do que era a sociedade paulista, ou por outra - do que era a Capitania de São Paulo em 1721, quando Rodrigo Cezar de Menezes veio tomar as rédeas do governo, transcrevemos aqui uma parte do capítulo II da Contribuição para a Historia da Capitania de São Paulo, do dr. Washington Luís, à qual já nos temos referido.

"A classe dirigente paulista, no princípio do século XVIII, os principais da terra, eram pessoas graves, que já tinham o que perder, desejosos de fidalguia, venerando o seu rei e acatando os representantes dele [56].

"Essa situação é que havia de permitir, sem revoltas, as violências de Rodrigo Cezar de Menezes, que viria cerrar as cortinas sobre o passado de aventuras portentosas e de altiva independência e inaugurar a administração paulista.

"É por isso que o período administrativo desse capitão-general marca a época de transição entre a vida antiga e a vida nova, amolecida já pela riqueza. Ainda apareciam casos de heroísmo praticados por homens de outros tempos, mas esporádicos e anacrônicos na nova sociedade que se ia inaugurar.

"Quando Rodrigo Cezar de Menezes terminou o seu governo, o nome de paulista estaria obscurecido para deixar aparecer o de Capitania de S. Paulo, movendo-se sem atritos na engrenagem administrativa colonial. Isso é que faria correr, como depois se repetiu, que só nessa época os paulistas reconheceram o domínio da Coroa portuguesa.

"Para a nova Capitania de São Paulo foi nomeado governador Pedro Alvares Cabral que não tomou posse do governo; em seu lugar veio, pois, despachado Rodrigo Cezar de Menezes.

"Pelo seu nascimento, o novo governador era fidalgo de linhagem e pertencia a um das mais nobres famílias de Portugal. A varonia de sua Casa era Cezar e procedia de Pedro Pires Cezar, cidadão de Leiria, que já andava nomeado no foral que d. Sancho I deu a essa cidade, em 13 de abril de 1195. Seus antepassados concorreram e participaram das glórias de Portugal, praticando façanhas em Ásia e África, onde se ilustraram. Um deles - Vasco Fernandes Cezar, capitão de cafim, durante o reinado de d. Manoel, comandando uma fusta, com ela desbaratou seis chavecos mouros.

"D. Manoel, por isso, abraçou-o, dizendo-lhe: - 'Isso é feito de Cezar!' - Trocadilho que se perpetuou na família. D. João III acrescentou ao brasão de armas seis galés em memória desse feito.

"Durante o longo período de afirmação da independência de Portugal, que vai de d. João IV a d. Pedro II (N.E.: II na contagem da dinastia em Portugal), a rivalidade entre os Cezares e os Mascarenhas interessou e emocionou Lisboa, constituindo uma luta de gigantes, na frase de C. Castelo Branco, que a estudou com amor. Por parte dos Cezares distinguiram-se o arcebispo de Lisboa, d. Sebastião Cezar de Menezes e fr. Diogo Cezar de Menezes, provincial dos Franciscanos no Algarve; aquele dissimulado e hipócrita, este irritável e violento, ambos de talento, irmãos do bisavô do novo governador. Essas duas faces do caráter daqueles religiosos se reuniam, sem os talentos, n pessoa de Rodrigo Cezar.

"Rodrigo Cezar de Menezes era filho segundo de Luiz Cezar de Menezes, que fora governador do Rio de Janeiro, de Angola e depois governador geral do Brasil, donde saiu em 1710. A sua linha materna era Lancastre, que procedia de d. Jorge, filho natural de d. João II: por essa linha bastarda, Rodrigo Cezar era aparentado com a casa real de Portugal. Seu irmão mais velho, Vasco Fernandes Cezar de Menezes, primeiro conde de Sabugosa, herdeiro da Casa de seus pais, vice-reinava no Brasil, desde 23 de novembro de 1720, ao tempo em que ele fora nomeado governador de São Paulo (Dic. Hist. e Geog. de Portugal).

"Rodrigo Cezar estudou em Coimbra; logo porém, trocou a carreira literária pela vida militar, tendo sido nomeado brigadeiro de um dos regimentos de infantaria da Corte.

"Nesse posto estava, quando em Lisboa se começou a murmurar dos amores que o moço rei - d. João, o quinto - trazia com d. Felippa de Noronha, dama do Paço, filha do marquês de Cascais.

"O galanteio, refere um cronista, deveria ter começado por 1704, quando d. João V, ainda príncipe real, teria uns 15 anos e d. Felippa 22. Para vencer os escrúpulos e receios de d. Felippa, o príncipe dera um escrito de casamento.

"D. Felippa acreditou, não só pela fé devida a um príncipe, como também porque, sendo ela nobre, o casamento era possível, e... deixou-se vencer. As conveniências, porém, da política, aconselharam a reclusão de d. Felippa no Convento de Santa Clara.

"D. João V, para evitar um conflito e cobrir o escândalo, recorrera ao expediente sediço de casar d. Felippa de Noronha; e, para tal fim, escolhera Rodrigo Cezar de Menezes, um excelente corte de marido.

"Mas, d. Felippa recusou o alvitre e as murmurações da Corte encarregaram-se de malograr tal casamento. Nessa ocasião, a criada de d. Felippa escreveu ao rei uma carta célebre, considerada por alguns como apócrifa, mas cuja cópia existe nas bibliotecas de Évora, Códices C. V. 1-2 - C. 1-4 e na biblioteca d'Ajuda (Alb. Pimentel, Est. hist. As Amantes de Dd. João V). Acrescenta o cronista que talvez não fosse estranho à nomeação de Rodrigo Cezar de Menezes para São Paulo o malogro desse casamento; queria afastar-se da Corte".

Isso parece improvável, pondera o dr. Washington Luis, porque esse casamento malogrado foi em 1708, e Rodrigo Cezar de Menezes só foi nomeado em 1721, o que dava 13 anos de incubação para o acordar do melindre do pouco escrúpulo do brigadeiro.

Poderia, sim, ter havido malícia da parte de d. João V, nomeando-o governador da Capitania de São Paulo, constituída em parte pela de Santo Amaro, adquirida ultimamente ao marquês de Cascais, pai de d. Felippa, "sendo quase um lugar de família".

"O que prece mais provável, é que a boa vontade de Rodrigo Cezar de Menezes lhe tivesse granjeado as graças de d. João V e, estando passados os tempos áureos da Índia, viesse ele despachado para o Brasil, onde então se acomodavam os nobres. Havia aqui bons lugares então, para filhos segundos das casas nobres..."

***

Eis, finalmente, como, devido à indiscrição dos cronistas portugueses, se vem a descobrir o motivo do "valimento" e das "boas graças" que o rei D. João V dispensava ao marquês de Cascais, comprando-lhe a Capitania de Santo Amaro pelo duplo, ou triplo, do valor que lhe dava o seu donatário; anexando ainda a essa Capitania uma boa parte da donataria de Martim Afonso de Souza, com as três vilas primitivas, dessa região, e consentindo mais - que se continuasse a dar a essa Capitania de Santo Amaro o título de Capitania de São Vicente, para bem garantir os direitos de seu protegido, em prejuízo dos legítimos herdeiros dessa vasta e antiga donataria de Sâo Vicente. "Cherchez la femme..."

Como bem pondera o historiador: - Essa antiga Capitania de Santo Amaro "era quase um lugar de família" onde se poderia acomodar esse outro valido d'el-rei que agora vinha governá-la, no intuito de expandir, de desdobrar cada vez mais a sua elástica jurisdição; não já em proveito do marquês, mas de seu próprio rei, que tanto se interessava agora pela Capitania de São Paulo.

Era preciso, pois, que as ricas minas de Cuiabá, recentemente descobertas, estivessem "dentro da jurisdição das terras compradas ao marquês de Cascais", fazendo parte integrante da Capitania de S. Paulo, e, para tal fim, era necessário invadir a jurisdição da Capitania de Itanhaém, anulando e seqüestrando todos os direitos dos respectivos donatários, como já se havia procedido com a Capitania de Minas Gerais.

E será esse o primeiro ato que vai praticar o "valido d'el-rei d. João V", no governo da Capitania de S. Paulo, conforme os documentos do Arquivo Público citados pelo historiador:

"Vindo por Santos, chegou a S. Paulo o nobre brigadeiro da Corte de d. João V, acompanhado de seus oficiais de sala, os tenentes de mestre-de-campo-general, David Marques Pereira (de gloriosa memória) e Antonio Cardozo dos Santos, do ajudante de tenente, João Rodrigues do Valle, e do secretário do governo, Gervasio Leite Rebello.

"Vaidoso de sua pessoa, orgulhoso de sua prosápia, o novo governador admirava-se e guardava profundo rancor e despeito pela quase indiferença com que fora recebido em S. Paulo.

"Os governadores precedentes, da capitania unida de S. Paulo e Minas Gerais, tinham feito moradia na Vila do Carmo, hoje cidade de Mariana, em Minas Gerais, por ficar mais próxima das lavras, e lá se achava todo o arquivo da administração.

"Chegando a S. Paulo, foi Rodrigo Cezar residir nas casas de d. Simão de Toledo Piza, nas quais já costumavam a assistir os seus antecessores quando passavam por S. Paulo. Essas casas deviam estar situadas na Rua do Carmo ou na Rua da Fundição, vizinhando com o colégio dos Jesuítas. Era aí o palácio do governo.

"Em 7 de setembro de 1721, Rodrigo Cezar comunicou a sua posse às Câmaras das Vilas das Capitanias (incluindo já nesse número as vilas da Capitania de Itanhaém) e determinou - uma vez que nenhuma havia feito espontaneamente - que cada uma delas enviasse um membro para lhe dar informações necessárias ao real serviço de Sua Majestade.

"Para fazer crer que toda a autoridade estava enfeixada em suas mãos e que já estava acabando o tempo das donatarias, o seu primeiro ato foi, em obediência à Carta Régia de 1º de fevereiro de 1721, dar baixa em todas as nomeações para os postos de ordenanças feitas por Antonio Caetano Pinto Coelho, capitão-mor (e governador da Capitania) de Itanhaém e loco-tenente do conde da Ilha do Príncipe...".

Mas, para que "os tempos das donatarias já estivessem acabados", como queria o capitão-general de São Paulo, seria preciso que o rei indenizasse, primeiramente, aos donatários da Capitania de Itanhaém, como já havia feito com o feliz donatário de Santo Amaro ou S. Vicente. Só então é que Rodrigo Cezar de Menezes poderia "enfeixar em suas mãos" toda a autoridade, na vasta região desbravada pelos paulistas.

O rei, entretanto, jamais cogitou de tal indenização; e, se isso não o tinha feito até essa data, enquanto as suas vistas estavam voltadas unicamente para a região das Minas Gerais, menos probabilidade haveria agora, na desanexação legal dessa donataria de Martim Afonso, quando já estavam em plena evidência as ricas minas de Cuiabá, bem como as de Goiás.

Do que agora cogitava seriamente o rei d. João V, como bem diz o dr. João Mendes de Almeida, "era de piorar as condições do donatário, para diminuir a indenização". Essa "indenização" não se faria, porém, em seu reinado, nem tampouco no do seu sucessor, como afirmam os cronistas fr. Gaspar, Pedro Taques e Marcellino Pereira Cléto, porque o produto fabuloso dessas minas de ouro da donataria de Martim Afonso, então chamada Capitania de S. Paulo, ainda não era suficiente para manter o fausto e as prodigalidades desses monarcas.

As condições da rica Capitania de Itanhaém, no período administrativo dos capitães-generais de São Paulo, era o mais precário e o mais triste possível, principalmente durante o governo de Rodrigo Cezar de Menezes. Os governadores não tinham autonomia alguma, pois que as suas jurisdições estavam inteiramente anuladas pelas decisões régias. Como, porém, a autoridade do rei não podia - assim de uma penada - abolir ou negar a posse incontestável que sobre essa donataria tinham ainda os herdeiros diretos de Martim Afonso pelo direito de morgadio, ordenava aos governadores que não deixassem de lhes pagar a redízima a que tinham direito, como donatários que ainda eram, da Capitania de Itanhaém.

Nas vésperas da retirada de Rodrigo Cezar da Capitania de S. Paulo, isto é, da Vila Real de Bom Jesus de Cuiabá, onde então se achava em serviço da Administração das Minas, escrevia ele a d. João V, a 7 de março de 1728, relatando o seguinte: "Senhor: - Pela cópia de algumas ordens que trouxe da Secretaria deste Governo, Gervasio Leite Rebello, vi o que V. Majestade foi servido determinar a respeito de não consentir que os loco-tenentes dos donatários, que tivessem jurisdição, sem estarem encartados novamente, o que executei em dois que vinha providos pelo conde da Ilha e mandei ao provedor da Fazenda Real que lhe continuasse com a redízima que costumava pagar-lhe, e agora novamente mandarei registrar a ordem que V. Majestade foi servido mandar-me sobre este particular...".

A Capitania do conde da Ilha do Príncipe - Itanhaém - tinha ainda governadores, como esses "loco-tenentes dos donatários encartados novamente", como diz o governador de S. Paulo, os quais, entretanto, não tinham direito de exercer jurisdição alguma em suas terras, como se vai ver.

Na Relação das Villas da Capitania de S. Paulo e sua respectiva Comarca, sujeitos ao mesmo governo, na forma da divisão que mandou fazer o mesmo rei d. João V, estavam, desde 1721, incluídas todas as vilas da Capitania de Itanhaém, inclusive a própria vila do mesmo nome, sede ainda dessa mesma Capitania!...

E como desse ato régio houvesse desobediência por parte de Antonio Caetano Pinto Coelho de Souto Maior, loco-tenente do donatário, conde da Ilha do Príncipe, o rei d. João V, atendendo à representação que lhe havia feito o conde de Assumar, d. Pedro de Almeida, capitão-general de São Paulo e Minas, ordenou por uma carta régia (cuja data se ignora, conforme uma anotação redigida pelo dr. Antonio de Toledo Piza) que "se mandasse dar bayoca (baixa) a todas as pessoas que estavam providas, em postos de ordenanças, por Antonio Caetano Pinto Coelho, capitão-mor da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Tinhaén, como lugar-tenente do conde da Ilha, donatário da dita Capitania, por não ter jurisdição alguma para prover os ditos postos e haver Sua Majestade, que Deus guarde, mandado seqüestrar a jurisdição do dito donatário para a Coroa Real".

Não querendo o faustoso rei desfalcar o seu erário com a indenização aos donatários de Itanhaém, ordenava pois aos seus prepostos que dessem baixa às autoridades e seqüestrassem, em proveito de sua real Coroa, os direitos e as jurisdições da vasta e rica Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Tinhaên!!...

Mais tarde, em 1728, esse mesmo rei d. João V, condoído talvez da posição humilhante e da inércia dos condes da Ilha do Príncipe, cuja têmpera de fidalguia tanto havia amolecido nesse faustoso reinado, e vendo então as arcas de seu tesouro abarrotadas com o ouro da Capitania de Martim Afonso, mandava que o provedor de sua Fazenda, a título de redízima, lhe distribuísse algumas migalhas das rendas fabulosas que lhe provinham dessas ricas e inesgotáveis minas da antiga Capitania de Itanhaém!...

Brasão de Itanhaém

Imagem: adorno da página 232 da obra


[52] A terminação da Guerra dos Emboabas, nessa época havia contribuído também para o desenvolvimento dessa zona: os moradores de S. Paulo e Taubaté, esquecendo antigas rivalidades, haviam - num influxo patriótico - defendido com denodo, nessa guerra, o território aurífero então invadido pela "onda de forasteiros" que, a todo transe, pretendiam apoderar-se, como de fato se apoderaram, das jazidas auríferas, mais importantes, e das terras descobertas e desbravadas pelos paulistas da Capitania de Itanhaém e Capitania de S. Vicente, então denominada Capitania de S. Paulo.

[53] Vide este nome na Relação dos Governadores da Cap. de Itanhaen.

[54] Vide "Villa de Paraty" na Relação das Villas fundadas durante o dominio da Cap. de Itanhaen.

[55] As minas de Cuiabá estavam sendo procuradas desde 1716, e mesmo antes, por destemidos e audazes sertanistas paulistas como Antonio Pires de Campos, Paschoal Moreira Cabral Leme e outros que conseguiram descobrir alguma pinta do precioso metal nesses sertões de Mato Grosso. Mais tarde, em fins de 1718, outras bandeiras paulistas se uniram com as primeiras, no mesmo afã de descobertas, e a 8 de abril de 1719, no arraial de Cuiabá, se ajuntavam todos esses sertanistas paulistas, após as descobertas de ouro no ribeiro de Caxipó, e elegiam "seu guarda-mor regente" a Paschoal Moreira Cabral Leme, a fim de salvaguardarem os seus direitos, nas mesmas minas. Este auto foi assinado por Paschoal Moreira - Simão Rodrigues Moreira - Manoel dos Santos Coimbra - Manoel Garcia Velho - Balthazar Ribeiro Navarro - Manoel Pedrozo - João de Anhaia Lemos - Francisco de Siqueira - Ascenzo Fernandes - Diogo Domingos - Manoel Ferreira - Antonio Ribeiro - Alberto Velho Ribeiro - João Moreira - Manoel Ferreira de Mendonça - Antonio Garcia Velho - Pedro de Góes - José Fernandes - Antonio Moreira - Ignacio Pedrozo - Manoel Rodrigues Moreira e José da Silva Paes.

Havia sido já enviado, em missão ao governador de São Paulo, o paulista Antonio Nunes Maciel, dando conta das descobertas, a fim de que este governador (d. Pedro de Almeida) comunicasse ao rei d. João V.

A descoberta mais importante nesta região foi, entretanto, a realizada em 1721, por Miguel Sutil.

[56] Este período já foi transcrito em outro capítulo destas Memorias.