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BENEDITO CALIXTO
Calixto e as Capitanias Paulistas - 03


Clique na imagem para ir ao índice da obraAlém de refinado pintor, responsável por importantes telas que compõem a memória iconográfica da Baixada Santista, Benedicto Calixto foi também historiador e produziu várias obras no gênero, como esta, Capitanias Paulistas, impressa em 1927 (segunda edição, revista e melhorada, pouco após o seu falecimento) na capital paulista por Casa Duprat e Casa Mayença (reunidas).

O exemplar, com 310 páginas, foi cedido a Novo Milênio para digitalização pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. A ortografia foi atualizada, nesta transcrição (páginas VII a XXII):

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Capitanias Paulistas

Benedito Calixto

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Imagem: cabeçalho da página XV da obra, com o brasão de São Vicente, Cellula Mater

INTRODUÇÃO

tomada de La Pelérine, diz Capistrano de Abreu (Capítulos de História Colonial 1500-1800), a feitoria francesa fundada em Pernambuco, e notícias de preparativos para se fundarem outras, espancaram finalmente a inércia real.

Escrevendo a Martim Afonso de Souza, a 28 de setembro de 1532, anuncia-lhe el-rei d. João III a resolução de marcar  costa, desde Pernambuco ao Rio da Prata, e doá-las em capitanias de cinqüenta léguas; a de Martim Afonso teria cem, e seu irmão Pero Lopes seria um dos donatários. A chegada deste jovem guerreiro vitorioso em Pernambuco - a 17 de fevereiro de 1531 - (Diário de Pero Lopes) mostrou mais uma vez a iminência do perigo.

Talvez a isto se devam certas medidas desde logo tomadas, ou pelo menos discutidas; liberdade ampla de emigrar para o Brasil, preparo de uma armada de três caravelas, cada uma com dez a doze condenados à morte, "per farli dismontare in terra, cosi abbiamo a domesticare quel paese, rispetto per non mettere boni uomini a pericolo", assegurava, a 16 de julho de 1533, o veneziano Pero Caraldo, a quem devemos esta notícia.

Tal armada veio efetivamente?

Sua vinda explicaria uma porção de pontos obscuros.

Os documentos mais antigos da doação das Capitanias datam de 1534.

A demora entre o projeto e a execução, pode-se explicar pela vontade régia de esperar a volta de Martim Afonso de S. Vicente, ou pela dificuldade de redigir as complicadas cartas de doação e os forais que as acompanhavam, ou, finalmente, pela falta de pretendentes à posse de terras incultas, impróprias para o comercio logo desde o começo.

Admira até como houve doze homens capazes de empresa aleatória. A nenhum dos membros da alta fidalguia tentou a perspectiva de semear povos.

Aparece, entre os primeiros povoadores, Braz Cubas, jovem criado de Martim Afonso, que aportou a São Vicente em 1540.

Governou mais de uma vez a terra, guerreou contra os Tamoios, fortificou a Bertioga, a entrada preferida pelos inimigos, e fundou a vila de Santos que possuía melhor porto e, facilmente, superou a vila "primogênita" de Martim Afonso.

Mais tarde empenhou-se na cata de minas, e consta haver achado algum ouro.

Os donatários seriam, de juro e herdade, senhores de suas terras: teriam jurisdição civil e criminal, com alçada até cem mil réis na primeira; com alçada no crime até a morte natural para escravos, índios, peões e homens livres; para pessoas de mor qualidade até dez anos de degredo ou cem cruzados de pena. Na heresia (se o herege fosse entregue pelo eclesiástico), traição, sodomia etc., a alçada iria até a morte natural, qualquer que fosse a qualidade do réu, dando-se apelação ou agravo, somente se a pena não fosse capital.

Os donatários poderiam fundara vilas, com termos, jurisdição, insígnias (pelourinhos), ao longo das costas e rios navegáveis; seriam senhores das ilhas adjacentes até dez léguas distantes da costa; os ouvidores, os tabeliães do público e judicial seriam nomeados pelos respectivos donatários, que poderiam livremente dar terras de sesmarias, exceto à própria mulher ou ao filho herdeiro.

Para o donatário poder sustentar seu estado e a lei da nobreza, eram-lhe ainda concedidas dez léguas de terra ao longo da costa, de um a outro lado da capitania, livres e isentas de qualquer direito ou tributo, exceto o dízimo, distribuídos em quatro ou cinco lotes, de modo a intercalar-se entre um e outro, pelo menos, a distância de duas léguas.

Cabiam-lhes mais a redízima (½% da dízima), as rendas pertencentes à Coroa e ao mestrado de Cristo; a vintena do pau-brasil (declarado monopólio real, com as especiarias) depois de forro de todas as despesas; a dízima do quinto pago à coroa por qualquer sorte de pedrarias, pérolas, aljôfares, ouro, prata, coral, cobre, estanho, chumbo ou outra qualquer espécie de metal; todas as moendas d'água, marinhas e de sal e quaisquer outros engenhos de qualquer qualidade, que na Capitania e governança se viesse a fazer; as pensões pagas pelos tabeliães; o preço das passagens dos barcos nos rios que os pedissem; certo número de escravos, que poderiam ser vendidos no reino, livres de todos os direitos; a redízima dos direitos pagos pelos gêneros exportados etc.

Os forais asseguravam aos solarengos: sesmarias com imposição única da dízima paga ao mestrado de Cristo; permissão de explorar as minas, salvo o quinto real; aproveitando do pau-brasil dentro do próprio país; liberdade de exportação para o reino, exceto de escravos, limitados a número certo, e certas drogas defesas (pau-brasil, especiarias etc.); direitos diferenciais que os protegiam da concorrência estrangeira; entrada franca de mantimentos, armas, artilharia, pólvora, salitre, enxofre, azougue, chumbo e quaisquer coisas de munições de guerra; liberdade de comunicação entre umas e outras Capitanias do Brasil.

Representantes do poder real, só havia feitores, almoxarifes e escrivães, incumbidos de arrecadarem as rendas da coroa.

Para várias capitanias existiam nomeações de vigários e vários capelães: sempre el-rei, ao lado do grão-mestre de Cristo. (Havia também vigários-gerais com o título de Ouvidor Eclesiástico, conforme se vê do Processo de João de Boulés, em São Vicente, depois de fundada a primeira Diocese no Brasil).

Nas terras dos donatários não poderiam entrar em tempo algum carregadores com alçadas ou outras algumas justiças-reais para exercer jurisdição, nem haveria direitos de sisa, nem imposição, nem saboarias, nem imposto de sal.

Em suma, convicto da necessidade desta organização semi-feudal, d. João III tratou menos de acautelar sua própria autoridade, que de armar os donatários com poderes bastantes para arrostarem usurpações possíveis dos solarengos vindouros, análogas às ocorridas na história portuguesa da Idade Média.

Ao Ouvidor da Capitania, com ação de nove a dez léguas de sua assistência e agravos e apelações em toda ela, caberia o mesmo papel histórico dos juízes de fora de além-mar.

Para evitar lutas, como as que se travaram entre a coroa ainda empobrecida e os vassalos prepotentes, proibiu-se de modo absoluto "partir a Capitania e governança, nem escambar, espedaçar, nem de outro modo alienar, nem em casamento a filhos ou filhas, nem outra pessoa dar, nem para tirar para pai ou filho ou outra alguma pessoa de cativo, por que minha vontade é que a dita Capitania e governança, e coisas ao dito governador - nesta doação dadas - andem sempre juntas e se não partam, nem alienem em tempo algum".

(Esta regra, ou esta ordem, foi, mais tarde, modificada, conforme se verá no decorrer dos fatos, nesta memória).

As dez ou mais léguas de terras doadas aos donatários, espaçadas, entre si, alienáveis em fateotas, correspondiam a reguengos lusitanos.

As capitanias foram doze, embora divididas em maior número de lotes.

Começavam todas à beira-mar e prosseguiam, com a mesma largura inicial, para o ocidente, até a linha divisória das possessões portuguesas e espanholas acordada em Tordesilla [II], linha não demarcada então, nem demarcável com os conhecimentos do tempo. Facilmente, fixou-se o limite setentrional na costa, do Maranhão. A testada litorânea então dividida, estendia-se assim por 735 léguas.

No plano primitivo, a demarcação devia ir de Pernambuco até o Rio da Prata, meta da qual, afinal, ficou cerca de 12 graus afastada; nela não entrava a costa de Este-Oeste, que, entretanto, foi demarcada.

Para esta última decisão, é possível que influíssem as notícias de Diogo Leite, incumbido de explorar aquela zona.

Só por considerações internacionais se poderia explicar a fixação tácita dos limites do Brasil em 28º 1/3.

O Rio da Prata fora descobrimento português, mas os espanhóis já aí tinham estado bastante tempo, derramado sangue e arriscado empresas: a eles competiam todos os direitos, a começar pelo tratado de Tordesilla.

A divisão dos donatários ainda não foi descrita, tão concisa e geograficamente, como nos termos de D'Avezac, o único que conseguiu dar certa forma a esta matéria essencialmente refratária.

O limite extremo da mais meridional destas capitanias, concedida a Pero Lopes de Sousa, é determinado nas próprias Cartas de doação, por uma latitude expressa de 28º 1/3; confrontava, um pouco ao Norte de Paranaguá, com a de São Vicente, reservada a Martim Afonso de Souza, a qual se estendia, do lado oposto, até Macaé, ao Norte de Cabo Frio, desenvolvendo assim mais de cem léguas de costa, mas em duas partes que se encravaram, desde S. Vicente até a embocadura do Juqueriquerê - a seção de Santo Amaro - de dez léguas, adjudicada a Pero Lopes, irmão de Martim Afonso.

Ao Norte dos domínios deste estava a capitania de São Tomé, cujas trinta léguas iam expirar junto de Itapemirim; era este o lote de Pero de Góes, irmão do célebre historiador Damião de Góes e companheiro na expedição de Martim Afonso e Pero Lopes (Capítulos da Hist. Colonial - Capistrano de Abreu).

As três principais sedes das donatarias paulistas

Imagem: montagem com as ilustrações das páginas IX, XI e XII da obra

Capitanias da Coroa

São conhecidas por este nome todas as donatarias que por serem mal administradas, ou abandonadas pelos respectivos donatários, passaram ao domínio da Coroa.

A primeira a ser adjudicada foi a Capitania da Bahia, que teve como donatário Francisco Pereira Coutinho.

Logo que a Portugal chegou a notícia do desastroso fim de Pereira Coutinho - morto e devorado pelos selvagens -, resolveu el-rei comprar a Capitania da Bahia pela importância anual de 400$000, paga pela redízima da mesma Capitania, ao filho do donatário, Manoel Pereira Coutinho, e a seus descendentes.

Eis como o erudito historiador Capistrano de Abreu descreve ainda os principais fatos a que nos estamos reportando: "O remédio, preferido por d. João III - em vista do mau sucesso das capitanias hereditárias -, consistiu em tomar posse da Capitania da Bahia, deixada devoluta pela morte de Coutinho, com os recursos da Coroa, e estabelecer uma organização mais vigorosa, criar um governo geral, forte bastante para garantir a ordem interna e estabelecer a concórdia entre os diversos centros de população.

"Rasgaram-se assim doações e forais, onde só estavam previstos conflitos entre solarengos e senhores hereditários, e só se pensava em equiparar a situação destes à dos reis contra os poderosos vassalos medievais.

"Os poucos protestos dos interessados passaram desatendidos, e em 1549, sem abolir de todo o sistema feudal, instituiu-se novo regime.

"Acompanhado por quatrocentos soldados, seiscentos degredados, muitos mecânicos pagos pelo erário, partiu de Lisboa, em fevereiro, o primeiro governador, Tomé de Souza, com Pero Borges, ouvidor geral, o provedor-mor da Fazenda, Antonio Cardoso de Barros, e aportou na Bahia de Todos os Santos, em fins de março de 1549.

"Saltando em terra, tratou logo de escolher local apropriado para a cidade que vinha fundar, de fortificá-la contra os ataques da gente de terra e construir os edifícios mais urgentes...

"Em companhia do governador vieram seis jesuítas, os primeiros mandados a este continente, sobre cujos destinos tanto deveriam mais tarde influir.

"Completaram harmonicamente a administração, pois tanto como Tomé de Souza ou Pero Borges, o padre Nóbrega obedecia ao sentimento coletivo; trabalhava pela unidade da colônia e, no ardor de seus trinta e dois anos, achava ainda pequeno o cenário em que se iniciava uma obra sem exemplo na história!...

"Os jesuítas, superiores e alheios aos debates entre colonos, concentraram logo seus esforços na Capitania de São Vicente".

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CAPITANIA DE S. VICENTE - Com as quatro vilas S. Vicente, Itanhaém, Santos, S. Paulo e aldeamentos indígenas, sob a catequese dos padres jesuítas - 1532-1597

Imagem: mapa inserido entre as páginas XVI e XVII da obra (Clique na imagem para ampliá-la)


[II] As divisas, entre as capitanias de São Vicente e Santo Amaro, com o correr do tempo - após o secular litígio entre seus respectivos herdeiros - 1624 em diante - já não se regulavam por esse "rumo do ocidente", pois, obedecendo à linha geral da costa, ao Sul de Cabo Frio - que toma a direção de Nordeste e Sudoeste - os respectivos donatários deram então ás suas terras a mesma linha divisória, adotadas já pelas sesmarias desta zona, que foi sempre o rumo de Sueste, e é ainda a linha de divisas que hoje vigora, conforme se verifica nas discriminações de terras e nas velhas escrituras desta parte meridional da costa.