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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 09/13/02 17:42:11

Bonde de Santa Tereza
Texto do escritor Machado de Assis, com esse título, publicado na época da inauguração da linha de bondes para aquele bairro do Rio de Janeiro, e reproduzido na publicação eletrônica Jangada Brasil - Almanaque, número 18, de 2/2000:

Inauguram-se os bondes de Santa Teresa – um sistema de alcatruzes ou de escada e jacó – uma imagem das cousas deste mundo.

Quando um bonde sobe, outro desce, não há tempo em caminho para uma pitada de rapé; quando muito, podem dois sujeitos fazer uma barretada.

O pior é se um dia, naquele subir e descer, subirem uns para o céu e outros descerem ao purgatório, ou quando menos ao necrotério.

Escusado é dizer eu as diligências viram esta inauguração com um olhar extremamente melancólico. Alguns burros, afeitos à subida e descida do outeiro estavam ontem lastimando este novo passo do progresso. Um deles filósofo humanitário e ambicioso murmurava:

- Dizem: "les dieux s’en vont". Que ironia! Não; não são os deuses, somos nós, "Les ânes sén vont", meus ,colegas, "les ânes sén vont".

E esse interesse quadrúpede olhava para o bonde com um olhar cheio de saudade e humilhação. Talvez rememorava a queda lenta do burro, expelido de toda a parte pelo vapor, como o vapor o há de ser pelo balão, e o balão pela eletricidade, a eletricidade por uma força nova, que levará de vez este grande trem do mundo até a estação terminal.

O que assim não seja... por ora.

Mas inauguram-se os bondes. Agora é que Santa Tereza vai ficar à moda. O que havia pior, enfadonho a mais não ser, eram as viagens de diligências nome irônico de todos os veículos desse gênero. A diligência é um meio termo entre a tartaruga e o boi.

Uma das vantagens do bonde de Santa Tereza sobre os seus congêneres da cidade, é a impossibilidade da pescaria. A pescaria é a chaga dos outros bondes. Assim, entre o largo do Machado e a Glória, a pescaria é uma verdadeira amolação; cada bonde desce o passo lento, a olhar para um e outro lado, a catar um passageiro ao longe. Ás vezes o passageiro aponta na praia do Flamengo, o bonde, polido e generoso suspende o passo, segue, espera, cochila, toma uma pitada, dá dois dedos de conversa, apanha o passageiro e segue o fadário até a seguinte esquina onde repete a mesma lengalenga.

Nada disso em Santa Tereza! Ali o bonde é um verdadeiro leva-trás; não se detém a brincar no caminho como um estudante vadio.

E se depois do que fica dito, não houver uma alma caridosa que diga que eu tenho em Santa Tereza uma casa para alugar - palavra de honra! o mundo está virado.

(ASSIS, Machado de. In BANDEIRA, Manuel; ANDRADE, Carlos Drummond de. Rio de Janeiro em prosa e verso).

Carlos Pimentel Mendes