Se considerarmos tão somente os números relativos à emigração italiana para a Argentina, podemos ter uma idéia da importância do fenômeno migratório entre a Europa (sem falar do
Japão) para a América Latina. Entre 1945 e 1954, isto é, em dez anos, entraram na Argentina 558 mil imigrantes italianos. Também no mesmo período mencionado, outros 200 mil decidiram retornar a viver
na península italiana, o que significava um movimento total de 758 mil passagens de navio!
Se adicionarmos esses números relativos à Argentina-Itália com os outros movimentos (Argentina - Portugal - Espanha - França etc.), fica clara a amplitude do fenômeno da emigração européia com o fim do conflito de
1939-1945.
Poucas embarcações - Tal demanda de saída não podia ser satisfeita de imediato. Faltavam navios no mundo em 1945-1946. Sobretudo navios de passageiros, muitos dos quais haviam sido afundados no decurso da
guerra, outros haviam sido requisitados como transporte de tropas, outros tantos necessitavam urgentemente de longos períodos de estaleiro para limpeza do casco e manutenção geral.
Com o fim das hostilidades, sobrava, porém, tonelagem de navios puramente de carga, e isto graças ao gigantesco esforço norte-americano na construção dos liberty-ships entre 1941 e 1945.
Para tirar proveito desta conjugação entre forte demanda de passagens transatlânticas e falta de navios, Alberto Dodero, logo depois de fundar sua companhia, adquiriu nos Estados Unidos cinco navios do tipo
Victory, que a Marinha americana havia usado na guerra como transporte-de-tropas.
Estes navios, todos construídos em 1945 e com tonelagem de arqueação bruta entre 7.300 e 7.700 toneladas, foram rebatizados como Buenos Aires, Entrerios, Mendoza, Santa Fé e Tucuman
e recondicionados para o transporte de emigrantes em convés ou em dormitórios múltiplos, de 16 a 24 pessoas cada um.
Melhorias - Foi somente a partir de 1951, com a entrada de seus novos transatlânticos de luxo, que Alberto Dodero deu ordens para que a acomodação espartana dos seus cinco ex-Victory fosse mudada para
algo mais aceitável.
Entre 1949 e 1951, a Companhia Dodero introduziu oito navios de passageiros na Rota de Ouro e Prata, em três serviços diferentes: o primeiro ligava Buenos Aires a Londres (Inglaterra), com
três desses oito navios - que eram o Presidente Perón, o Eva Perón e o 17 de Octubre - oferecendo serviço de luxo em classe única.
O segundo serviço ligava Buenos Aires a Hamburgo (Alemanha), via Amsterdam (Holanda) e, para servir essa linha, foram encomendados três navios a dois estaleiros holandeses. Estes navios levaram os nomes de
Yapeyu, Maipu e Alberto Dodero. Estes três navios podiam acomodar 740 passageiros em classe turística e 13 pessoas somente em primeira classe.
O terceiro serviço havia sido concebido exclusivamente para o transporte de emigrantes e ligava Gênova e Nápoles a Buenos Aires, via Marselha, Barcelona, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu. Para servir essa rota,
foram usados dois ex-cargueiros do tipo C-3, construídos durante a guerra de 1939 a 1945 por ordem do governo dos Estados Unidos.
O Salta foi o resultado da conversão de um porta-aviões da Marinha Britânica
Reconversão - Com o fim do conflito, toda uma longa série destes navios padronizados foi vendida pelos americanos a armadores particulares e reconvertidos para uso civil, a maioria para transporte de
passageiros e carga (misto).
Os dois navios usados pela Dodero Line na linha Gênova-Buenos Aires haviam iniciado suas vidas como cargueiros para a Moore McCormack Lines. Na prancha de desenho dos estaleiros Seattle Tacoma (Estados Unidos),
haviam sido planificados como cargueiros; porém, devido aos imperativos estratégicos que se seguiram ao ataque de Pearl Harbor em dezembro de 1941, acabaram sendo lançados ao mar como porta-aviões-auxiliares da Marinha americana em 1942.
Completados, mas sem nunca terem entrado em atividade, os dois porta-aviões foram vendidos à Royal Navy (Marinha Real) britânica em agosto de 1943. Receberam então os nomes de Tracker e Shah, com o
prefixo HMS - sigla de Her Majesty Ship (Navio de Sua Majestade) -, tendo ambos prestado serviço entre 1943 e 1945, sobretudo no Atlântico Norte.
Com o fim do conflito, os dois porta-aviões-auxiliares foram devolvidos à U.S. Navy em dezembro de 1945, permanecendo desativados até 1949, quando foram comprados pela Dodero Line.
Entregues pela companhia aos estaleiros de Newport News, nos Estados Unidos, foram ali transformados em navios de passageiros com capacidade de 1.320 pessoas em terceira classe. Eram claramente destinados ao
transporte de emigrantes, suas instalações interiores sendo bastante modestas e compactas.
Com os novos nomes, respectivamente, de Corrientes e Salta, entraram em serviço na linha Gênova-Buenos Aires em princípios de 1951. Eram navios sólidos mas de desagradável aspecto exterior, resultado
de uma reconversão de estaleiro de ordem puramente prática e numa estética que visava o serviço para uma clientela sem muitas ambições e de baixo poder aquisitivo.
O Salta possuía duas turbinas a vapor de fabricação Allis Chalmers e estava registrado sob o signo de chamada (call sign) LPCS.
Estatal - Em 1955, quando o governo Juan Domingo Perón foi deposto, a Dodero Line já estava sob o controle do Estado argentino e a queda do ditador fez com que a Dodero Line fosse absorvida pela Flota
Argentina de Navegación de Ultramar (FANU), que por sua vez amalgamou-se, em 1962, na Empresa Lineas Maritimas Argentinas, mais conhecida como ELMA.
Independentemente destes câmbios jurídico-econômicos, o par Corrientes e Salta continuou durante os anos 50 e 60 a ligar a Itália e a Argentina no transporte de viajantes que não podiam se permitir
gastos maiores. Durante vários anos, as tarifas de passagens destes dois navios foram as mais baixas de todo o tráfego Europa-América do Sul e vice-versa.
Em 1964, gastos pelo uso e pela manutenção precária, o par foi desativado. O Corrientes teve pane de motor em agosto e teve que desembarcar seus passageiros em Lisboa. Um mês depois já estava sendo
desmantelado no porto de Antuérpia (Bélgica).
O Salta durou apenas uns meses mais. Em dezembro do mesmo ano, cessou o serviço devido a avarias em suas caldeiras. Depois de permanecer parado e inativo em Buenos Aires por dois anos, foi vendido a
demolidores de navios e desmantelado nesse mesmo porto. |