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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Neptunia

1932-1941

A família Cosulich - nas pessoas de Alberto e Callisto, irmãos interessados em navegação - foi responsável pela fundação, em Trieste, no ano de 1903, da União Austríaca de Navegação, empresa que se tornaria, nos anos seguintes, proprietária da maior frota mercante da Áustria.

Convém lembrar que o Império Austro-Húngaro foi uma grande potência econômica e política da Europa do século XIX, e que a única rota marítima desse império era constituída pela costa norte-oriental do Mar Adriático (que é um braço do Mediterrâneo), do qual Trieste é o porto mais importante. A cidade e o porto de Triste estiveram, em épocas diversas, sob o domínio austríaco e sempre na mira de influência dos governantes da região Norte da Península Itálica.

Em 1909, os irmãos Cosulich haviam decidido criar um estaleiro próprio, onde seriam construídos navios da sua companhia de navegação e outros para terceiros. Nasceu assim o famoso estaleiro Cantiere Navale Triestino, de Monfalcone, perto de Trieste.


Punto Franco Vecchio, no porto italiano de Trieste, em vista recente

Desmembramento - A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) trouxe o desmembramento do Império Austro-Húngaro, aliado da Alemanha no conflito. O então Reino da Itália, que havia sido seu inimigo, recebeu, na partilha dos vencedores do conflito, uma fatia do território Sul da Áustria, fatia onde Trieste representava o prêmio maior.

E, para os italianos, junto com Trieste veio, de presente no pacote, a Frota Cosulich, que em 1919 se tornou sociedade de direito italiano, com o nome oficial de Cosulich Societá Triestina di Navigazione. Os poucos navios da Cosulich que haviam sobrevivido à guerra passaram para a bandeira italiana, e alguns deles foram novamente utilizados na Rota de Ouro e Prata, como o Francesca e o Columbia.

A Cosulich Società Triestina di Navigazione começou a operar no tráfego de passageiros e cargas, entre os portos adriáticos e as Américas, em 1920.

No estaleiro Cantiere Navale Triestino foram construídos, entre 1925 e 1927, os primeiros grandes navios a motor da Cosulich Line, o Saturnia e o Vulcania, gemeos de 23.900 toneladas cada um.

Em 1931, planos para a construção de outros dois modernos navios de passageiros foram aprovados pelo Conselho de Administração da companhia e, no ano seguinte, foram iniciados os trabalhos pelo famoso estaleiro Cantieri Riuniti Dell'Adriatico, do porto de Monfalcone, a alguns quilômetros da sede da armadora.

Em setembro de 1932, o primeiro ficou pronto, batizado com o nome de Neptunia. Em junho do ano seguinte, o segundo foi posto ao mar como Oceania. A viagem inaugural do Neptunia começou em 5 de outubro de 1932, com saída de Trieste para Buenos Aires, sem escala no Brasil. Em 8 de novembro de 1932, o Neptunia, procedente de Buenos Aires, escalou em Santos pela primeira vez e, atracado em frente ao Armazém de Bagagem, foi aberto à visita dos convidados da Cosulich, muitos dos quais eram paulistas que haviam saído da capital do estado em trem especial.

No entretempo, sob o impulso do governo de Mussolini, o Ministério da Marinha Mercante italiana amalgamara as três principais companhias de navegação do país - a NGL, o Lloyd Sabaudo e a Cosulich - em uma só, a Italia Flotte Riunite, e assim todos os navios da Cosulich passaram para as novas cores.


O Neptunia formava com o Oceania um par de navios gêmeos. 
Ambos foram afundados no mesmo dia pelo submarino Upholder

Modernos - O Neptunia e o Oceania eram navios de desenho moderno e avançado para a sua época, tal como o predecessor da classe, o Saturnia, de construção naval arrojada e lançado ao mar em 1925. Formavam um par de navios robustos na aparência e construção, além da silhueta elegantemente poderosa. Possuíam motores diesel com potências diferentes, mas com velocidades máximas semelhantes, em torno de 22 nós; a capacidade de passageiros era de 1.525 pessoas, divididas em três classes; a tripulação era de 250 homens para os dois transatlânticos.

Durante aproximadamente oito anos, o Neptunia e o Oceania serviram dignamente a linha de passageiros da Italia-Cosulich para a América do Sul, saindo de Trieste e escalando nos portos de Split, Patras, Nápoles, Gibraltar, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires, a viagem redonda (ida e volta) sendo realizada em cerca de 35 dias.

Em julho de 1940, o Neptunia e o Oceania foram requisitados pela Marinha de Guerra para serem transformados em navios-transporte de tropas e, nessa nova condição, começaram na primavera de 1941 a embarcar parte do Exército italiano que ia combater nas areias do deserto da África do Norte.


O Vulcania conseguiu escapar ao ataque dos submarinos
que vitimou outros dois navios da Italia-Cosulich

Comboio final - No dia 6 de setembro, saiu do porto de Taranto, no Sul da Itália, um comboio de transporte de tropas, composto por três navios ex-Italia-Cosulich: o Neptunia, o Oceania e o Vulcania. A bordo do trio haviam sido embarcados cerca de 10 mil soldados e oficiais do Exército com destino a Trípoli.

O comboio, protegido pelos contratorpedeiros Da Recco, Da Noli, Pessagno, Usodimare e Gioberti, foi localizado na manhã do dia seguinte por uma patrulha aérea de reconhecimento da Força Aérea Britânica, navegando a Sudeste da costa da Calábria.

Como conseqüência deste avistamento, o Almirantado britânico ordenou a quatro de seus submarinos, Upright, Upholder, Unbeaten e Ursula, formarem uma linha de interceptação a Noroeste da entrada do porto de Trípoli. Na madrugada do dia 18, o comboio foi avistado pelo Unbeaten. A um sinal deste, os outros submarinos apareceram. Às 4h15, o Upholder lançou quatro torpedos simultaneamente. Dois destes atingiram o Neptunia e um, o Oceania. Enquanto isso, o Ursula atacou o Vulcania, mas sem sucesso, e o Upright foi forçado a ficar fora do campo de tiro pelos contratorpedeiros italianos.

Às 6h15, o Neptunia desaparecia, afundando verticalmente de popa. Enquanto isso, no Oceania tentava-se salvar homens e o próprio navio, fazendo passar um cabo de reboque a um dos contratorpedeiros. Em vão, pois, às 8h50, outros dois torpedos do Upholder punham a palavra fim à sua existência. O Oceania também afundou verticalmente, mas de proa. Com os dois navios pereceram cerca de 400 homens, dos 7 mil que estavam a bordo.

O ataque ocorrera a 33º 02' de latitude Norte e 14º 42' de longitude Leste (Sul da Ilha de Malta), tão somente a 60 milhas do porto de destino, e o submarino Upholder (do comandante Malcon Wanklyn) foi também o responsável pelo afundamento de um outro grande transatlântico italiano: o Conte Rosso.

O epitáfio dessa história de três navios afundados (com mais de 1.700 perdas humanas) pelo mesmo submarino aconteceu quando, em abril de 1942, uma lancha-torpedeira italiana afundou, por sua vez, o Upholder e seu valoroso comandante nas mesmas águas, próximas a Trípoli, túmulo do Neptunia e do Oceania - unindo-se assim, de maneira irônica, o destino de homens que se haviam combatido.

Neptunia:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: italiana
Armador: Cosulich Società Triestina di Navigazione
País construtor: Itália
Estaleiro construtor: Cantieri Riuniti dell'Adriatico (porto: Monfalcone)
Ano da viagem inaugural: 1932
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 19.475
Comprimento: 179 m
Boca (largura): 23 m
Velocidade média: 19 nós
Passageiros: 1.525
Classes: 1ª -     175
                2ª -     700
                3ª -     650

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 18/6/1992