Raffaele Rubattino, cidadão genovês, nascido na aurora do século XVIII, cresceu à beira-mar e, do pai, que era agente de afretamentos marítimos, herdou a paixão pelo mar. Em
1838, fundou, com um sócio financeiro, o sr. De Luchi, uma modesta empresa pioneira de navegação peninsular a vapor, a De Luchi & Rubattino, cujo objetivo era realizar viagens de linha regular entre Gênova e Livorno (Itália), com dois pequenos
vapores por ela adquiridos. Uma sucessão de acontecimentos negativos fez com que o sr. Rubattino atravessasse período difícil entre 1841 e 1843; neste ano, porém, conseguiu, com a ajuda de capital
provindo de acionistas da cidade de Milão, consolidar sua posição de armador, com cinco pequenos navios que realizavam viagens de cabotagem (navegação doméstica) no Mar Tirreno - sobretudo entre Gênova-Livorno e Gênova-Nápoles - incorporados a uma
nova sociedade.
Em 1845, a nova armadora pertencente ao sr. Rubattino, conhecida com o nome de Societá Italia, já possuía sete vapores e um balanço financeiro confortável; tal situação de prosperidade continuou por vários anos e,
em 1852, o empresário podia visar mais alto e mais longe.
Nova empresa - Naquele ano, associou-se com o capitão-de-mar Giovanni Pittaluga, também de Gênova, para a constituição de uma outra empresa, cuja finalidade operacional seria a de ligar com vapores postais a
Itália às Américas. Na época, tal projeto assumia proporções gigantescas e, como tal, possuía também um interesse político notável.
Foi assim que, com o apoio de Camilo Benso, conde Di Cavour, uma das figuras políticas mais proeminentes no processo de unificação da Itália, e graças à ajuda financeira de um estabelecimento bancário (a Banca
Nazionale) e de outros dignitários genoveses, os sócios Pittaluga e Rubattino conseguiram fundar, em outubro de 1852, a Compagnia Transatlantica.
A Transatlantica tornou-se a primeira empresa de navegação peninsular a vapor com caráter internacional, pois propunha-se, num primeiro estágio, a realizar viagens regulares entre Gênova e
Rio de Janeiro.
Cláusulas - Seu capital social foi inicialmente de 10 milhões de liras e o apoio de Cavour traduziu-se num contrato de serviço pelo qual o embrião do novo Estado italiano comprometia-se a pagar um subsídio
anual de 50 mil liras para a futura linha Gênova-Nova Iorque (Itália-Estados Unidos) e de 30 mil liras para cada viagem realizada entre Gênova, Rio de Janeiro (Brasil) e Buenos Aires (Argentina).
Em contrapartida, a Transatlantica se empenhava a operar nessas linhas navios que não tivessem menos do que 1.500 toneladas de arqueação e cujos maquinários não fossem inferiores a 250
cavalos-vapor de potência.
Outras cláusulas restritivas foram impostas pelo governo: capacidade de passageiros não inferior a 180 pessoas, duração da travessia oceânica não superior a 38 dias para o Rio de Janeiro e 22 dias para Nova Iorque.
Além desses pontos citados, a Transatlantica se comprometia a transportar gratuitamente o correio oficial, os funcionários consulares e diplomáticos do Estado e a ceder seus vapores em
requisição de transporte de guerra, caso houvesse tal necessidade.
O contrato de serviço foi aprovado pelo Parlamento do Reino da Sardenha em abril de 1853, entrando imediatamente em vigor.
Encomendas - Para honrar o compromisso assumido, a Transatlantica ordenou imediatamente ao estaleiro britânico de Chester & John Moore, de Blackwall, cercanias de Londres
(Inglaterra), a construção de quatro vapores oceânicos, que deveriam levar os nomes homenageando as origens sociais e político-financeiras da empresa:
Vittorio Emanuele, da Casa Real de Savóia, rei unificador da Itália monárquica;
Conde di Cavour, idealizador e realizador do conceito da Unítá (Unidade);
Torino, sede do governo de então (que abrangia a Ligúria, o Piemonte, a Savóia e a Sardenha);
Genova, cidade natal dos armadores.
Os dois primeiros foram entregues no início de 1855, mas, ao invés de entrarem em serviço mercante, foram logo requisitados pelo governo da França, país tradicionalmente ligado à Casa de Savóia.
Tal solicitação, aprovada por Vittorio Emanuele II (futuro rei da nação italiana, em 1861) derivava do Tratado de Amizade que ligava o então Reino da Sardenha à Inglaterra e à França e ao início da Guerra da
Criméia, entre esses dois últimos mencionados países e a Rússia. Cavour foi então obrigado a ceder os dois novíssimos vapores para o transporte de 15 mil soldados à frente de guerra.
O Genova navegou apenas de 1856 a 1859
Os demais - Foi somente no ano seguinte, 1856, que os outros dois navios foram entregues pelo estaleiro londrino. Assim, o Torino e o Genova puderam entrar em serviço regular para a América
Latina no final desse mesmo ano.
Antes, porém, que suas viagens inaugurais acontecessem, a Transatlantica despachou para o Rio de Janeiro um pequeno vapor de 600 toneladas, o Sardegna, que zarpou de Gênova em 1º de
outubro, a fim de ser posicionado naquele porto brasileiro, para o serviço intermediário e complementar entre a então capital do Brasil (Rio) e a capital da Argentina.
O Genova iniciou seu emprego na Rota de Ouro e Prata, saindo do porto lígure (Gênova), do qual levava o mesmo nome, em 20 de outubro, isto é, alguns dias posteriormente ao Sardegna (e cuja
viagem havia sido a inaugural da armadora), seguido um mês depois pelo Torino.
A linha era feita com base numa saída mensal de suas pontas, Gênova e Rio de Janeiro, com escalas em São Vicente (Cabo Verde, arquipélago perto da costa da África) para reabastecimento de carvão, além de Pernambuco
e Bahia.
Sob o comando do capitão Francesco Napoli, tendo 71 passageiros a bordo, o Genova realizou sua viagem inaugural, empregando 38 dias exatos no trajeto. Ao chegar ao Rio de Janeiro, os passageiros que se
destinavam a Buenos Aires foram transferidos para o Sardegna, este chegado dois dias antes à Baía da Guanabara.
O Torino deixou Gênova em 20 de novembro sob as ordens de Luigi Dodero e, em pleno Atlântico equatorial, cruzou, no dia 9 de dezembro, com o Genova (que retornava à Europa).
Semelhantes - Este quarteto de navios encomendado pela Transatlantica tinha características técnicas e de desenho muito semelhantes, embora o Genova e o Torino fossem
um pouco maiores em tonelagem e tivessem maquinário de propulsão ligeiramente mais potente do que o par Vittorio Emanuele e Conte di Cavour.
O custo de construção dos quatro foi superior a 3 milhões de liras, equivalentes à sexta parte do capital da empresa (e que fora aumentado em 1854 para 18 milhões de liras da época) e refletia o esmero técnico e
acabamento que receberam. As instalações internas eram luxuosas para aqueles idos pioneiros: salão de primeira classe à popa (ré) e cabinas da mesma classe logo abaixo deste.
Os ambientes eram largos e espaçosos, com decorações de madeira trabalhada contrastando com espelhos em moldura dourada. Tapetes cor-de-vinho com motivos florais espalhavam-se em todas as áreas públicas destinadas
aos passageiros de classe.
Os transatlânticos foram equipados com uma máquina a vapor auxiliar, que servia para a destilação de 450 galões de água por dia. Todo esse luxo e sofisticação tecnológica eram prematuros para a época, já que - na
metade do século XIX - nem o Brasil, nem a Argentina, representavam ainda verdadeiros polos de desenvolvimento, e a demanda de fretes e passagens era muito fraca para tal envergadura de investimento.
Não foi, portanto, surpreendente que a jovem empresa não reunisse as condições financeiras para se desenvolver, quanto mais que ela não havia conseguido colocar o Conte di Cavour e o Vittorio Emanuele
na rota norte-americana, devido à forte concorrência inglesa no Atlântico Norte.
Final - Em 1857, após uma meia dúzia de viagens, seu quarteto de esplêndidos vapores foi desarmado em Gênova, aguardando os acontecimentos na frente administrativa e financeira da armadora.
Na falta de qualquer iniciativa por parte dos bancos credores e do governo (que antes havia apoiado sua própria criação), a Transatlantica entrou em liquidação forçada e seus navios foram
leiloados a preços bem inferiores a seus valores de construção.
Os quatro grandes trocaram de proprietário, sendo adquiridos pelo Credito Mobiliare por uma soma total que não ultrapassava 1,5 milhão de liras, ou seja, a metade do que haviam custado originalmente!
O fim do Genova não tardou a vir. Em 1859, foi afretado pelo estabelecimento financeiro que era seu proprietário ao governo da Espanha, este em campanha bélica na África do Norte.
Passou a ser então utilizado como transporte de tropas entre Málaga e portos marroquinos, mas em fins de novembro daquele ano foi totalmente destruído por um violento incêndio, declarado acidentalmente a bordo,
quando o Genova embarcava novas tropas naquele porto espanhol. |