O navio da Furness-Houlder começou a navegar no ano de 1918 A empresa Furness-Houlder Argentine Lines Ltd.
(FHA) foi constituída em Londres, Inglaterra, no ano de 1915 e, como bem lhe indica o nome, seus principais acionistas sendo as companhias de navegação Furness Line e Houlder Line.
Por sua vez, as duas últimas empresas faziam parte do Grupo Furness Withy, holding que controlava, naqueles idos, um número impressionante de armazéns e de navios mercantes.
Como já visto em coluna anterior, o Grupo Furness Withy possuía, em agosto de 1914, data do início da Primeira Guerra Mundial, uma frota de 20 vapores com instalações de frigorificação,
ou seja, cerca de 5% da frota britânica de navios deste tipo.
Tal número não era, no entanto, suficiente para cobrir a grande demanda existente no mercado de fretes por navios frigoríficos e tal situação levou sir Christopher Furness, presidente do Conselho Administrativo do
grupo, a aprovar a encomenda de cinco grandes vapores para o transporte de carga frigorificada, que deveriam ser incorporados à recém-criada Furness-Houlder Argentine Lines.
Construídos em quatro estaleiros britânicos diferentes, surgiram assim, pela ordem de aprestamento (conclusão), o Condesa, entregue no decorrer de 1914, seguido pelo quarteto
Baronesa, Duquesa, Marquesa e Princesa, estes sendo consignados somente em 1918, com grande atraso, devido à guerra.
Este quinteto de navios possuía características técnicas e de construção praticamente similares, com grande capacidade de carga frigorificada e acomodações para tão somente 12 passageiros de primeira classe, o que
os qualificavam de cargueiros.
A convenção internacional exige a presença de um médico qualificado a bordo para os navios que transportam regularmente mais do que 12 passageiros e é essa a linha de distinção entre cargueiros, de um lado, e
mistos ou de passageiros, de outro.
O Duquesa entrou em serviço no decorrer de 1918, realizando sua viagem com destino ao Rio da Prata. Tal como seus irmãos gêmeos, era um navio de expressiva aparência externa, com longo casco, onde se
sobressaíam a superestrutura quadrada da ponte de comando e sua altíssima chaminé preta, esta levando a tradicional cruz de Malta branca, em fundo de faixa vermelha.
Dos cinco vapores desta série, o Condesa teria vida útil extremamente curta, tendo sido afundado por um submarino alemão, o U-84, no dia 7 de julho de 1917, na posição 49º23' Norte de latitude e 8º54'
Oeste de longitude (105 milhas – 195 quilômetros – a Oeste de Bishop Rock, na entrada do canal da Mancha). O Condesa voltava então de sua viagem inaugural, de Buenos Aires, Argentina.
O Baronesa, o Marquesa e o Princesa conseguiram sobreviver à hecatombe de navios afundados na Segunda Guerra Mundial, sendo vendidos para demolição, o primeiro em 1947, e em 1949 os dois
últimos mencionados, depois de longas carreiras, sempre com as cores da FHA e na Rota de Ouro e Prata (Brasil e Argentina).
O Duquesa tinha 131 metros de comprimento por 19 de boca (largura) e tinha capacidade para apenas 12 passageiros, o que o classificava como cargueiro
Foto: reprodução, publicada com a matéria
Quanto ao Duquesa, por mais de 20 anos também percorreu incessantemente a rota entre a Inglaterra e a Bacia do Prata, transportando carne frigorificada e outros produtos perecíveis, no sentido Sul-Norte, e
carga geral ou em lastro, no sentido inverso.
Sua carreira terminaria provavelmente junto com a de seus irmãos, se não fosse a ação corsária de uma ilustre belonave da Marinha do III Reich, o famoso couraçado de bolso Admiral Scheer, este reclassificado
como cruzador pesado após a reforma de fevereiro de 1940.
A eclosão do conflito mundial de 1939 quebrou a monotonia e a rotina de serviço da carreira do Duquesa. Em poucos meses do ano de 1940, o vapor escaparia por um fio da destruição, em duas ocasiões, para,
finalmente, na terceira, cair vítima da ação predatória do panzerschiffe Scheer.
Em meados de maio de 1940, o Duquesa encontrava-se atracado no porto francês de Le Havre, descarregando parte de sua carga frigorificada embarcada na Argentina.
A situação de guerra de então apresentava um cenário catastrófico para as nações aliadas, já que as tropas alemãs haviam conquistado a Holanda e a Bélgica e agora avançavam para dentro do território francês,
aproximando-se, a Leste e ao Norte, das portas de Paris.
A Luftwaffe (Força Aérea da Alemanha) realizava inúmeros raides aéreos, bombardeando as áreas destinadas a serem o terreno de avanço da Wermacht (Exército alemão).
Le Havre, grande porto oceânico, não poderia ficar imune às atenções germânicas e assim, na noite entre 18 e 19 de maio, o porto foi alvo de bombas incendiárias e explosivas.
Algumas destas cairiam nas proximidades do Duquesa, atingindo outros vapores atracados, mas não provocando danos ao navio da FHA.
Apesar de outros ataques aéreos, o Duquesa continuou a ser descarregado e teve a distinção de ser o último vapor mercante aliado a sair do Porto de Le Havre antes que este fosse tomado pelas tropas alemãs.
De Le Havre a Londres e em seguida rumo a Buenos Aires, para mais um carregamento de 6 mil toneladas de carga. Ao terminar essa viagem redonda (de ida e volta), o Duquesa escalou novamente em Londres no
início de setembro.
A capital britânica e outras cidades do Reino Unido eram alvos, nessa época, de uma vigorosa campanha de bombardeamentos aéreos alemães, naquela que seria denominada por Winston Churchill a Batalha da Inglaterra.
No sábado, dia 7 de setembro, o Duquesa encontrava-se atracado nas docas da Bacia Victoria, do porto londrino, quando subitamente, em plena luz do dia, surgiram centenas de aviões alemães, num ataque que
seria o primeiro raide diurno contra Londres.
O vapor inglês Minnie de Larrinaga, que se encontrava atracado ao lado do Duquesa, descarregando uma partida de trigo argentino, foi atingido por uma bomba do tipo incendiário, sendo em seguida
totalmente destruído por um violento incêndio, que durou dois dias.
Na semana seguinte, o Porto de Londres continuou a ser bombardeado com grande intensidade, mas o Duquesa escapou ileso, apesar da explosão de algumas bombas de grosso calibre nas proximidades.
O cruzeiro de guerra do cruzador pesado Admiral Scheer, sob o comando do capitão-de-mar-e-guerra Theodor Krancke, realizou-se entre outubro de 1940 e março de 1941, com ações bélicas preponderantemente no
Atlântico Sul.
Deste cruzeiro já narramos longamente o histórico em cinco artigos da coluna Guerra no Mar (de 27 de dezembro de 1990, 3 e 10 de janeiro, 21 e 28 de março de 1991) e nos limitamos aqui ao episódio da captura
e subseqüente afundamento do Duquesa, do ponto de vista inglês.
O cargueiro da FHA havia zarpado de Buenos Aires no princípio do mês de dezembro de 1940, com seus porões totalmente lotados, com 9 mil toneladas de carne argentina, 900 toneladas de ovos e quantidade apreciável de
outros alimentos congelados (gansos, perus, galinhas), além de grande número de vinhos e licores, tudo destinado à Inglaterra.
Alguns dias depois, encontrando-se em navegação um pouco ao Sul da linha do Equador, o comandante Bearpark, do Duquesa, foi informado à mesa de almoço que o vigia do mastro assinalava ter avistado a torre de
controle de um navio de guerra.
Subindo à ponte de comando, Bearpark observou pelo binóculo que a belonave não tinha características de ser britânica ou francesa.
Decidiu então proceder o envio de uma mensagem Marconi, assinalando a presença, naquelas áreas, de um navio de guerra suspeito. Minutos mais tarde, a estação terrestre de Sierra Leone acusava o recebimento da
mesma.
Bearpark ordenou em seguida uma mudança de bordo para verificar se seria seguido pelo intruso. Dito e feito e a essa altura o comandante inglês não tinha mais dúvidas: estava com um potente corsário alemão no seu
encalço e seu dever agora consistia em mandar outra mensagem pelo telégrafo, descrevendo as características do navio de guerra.
Mas tão logo a mensagem foi para o éter, uma bala de canhão de grosso calibre foi explodir nas águas à proa (frente) do Duquesa, seguida por uma mensagem em lâmpada-morse explicitamente clara: "Pare de
transmitir ou será afundado".
O navio inglês, encontrando-se naquele momento a apenas quatro milhas (7,5 quilômetros de distância do navio de guerra, a Bearpark não restava senão obedecer rapidamente à ordem.
Seguiu-se então o tradicional ritual de abordagem e inspeção da carga e dos papéis de bordo por parte dos oficiais alemães. Informado do valioso conteúdo dos porões do Duquesa, o capitão Krancke decidiu
preservá-lo para servir de geladeira flutuante ao Scheer. Despachou, em conseqüência, o vapor para uma posição isolada do Atlântico Sul, onde o Duquesa deveria permanecer à disposição de suas ordens e sob o comando de um de
seus oficiais.
Durante os dois meses que se seguiram à data de sua captura, o antigo vapor da FHA, agora presa de guerra da Kriegsmarine, reabasteceu de bens a cozinha e a copa não somente do Scheer, mas também a de
diversos outros navios auxiliares alemães que operavam no Atlântico Sul naquele período.
Foram assim contemplados, com centenas de milhares de ovos e centenas de toneladas de carne de primeira qualidade dos pampas, os navios Urenfels, Nordmark, Portland, os corsários Thor,
Atlantis e Pinguin e dois submarinos. Tal era a profusão e a rica variedade de comestível e bebidas da carga do Duquesa, que os marinheiros alemães não tardaram a apelidá-lo de "nossa rotisserie do Atlântico".
Infelizmente para eles, tudo o que é bom termina cedo e, assim, após ter sido esvaziado de tudo o que continha, o Duquesa foi implodido em 18 de fevereiro de 1941, oito semanas exatas após sua captura pelo
Admiral Scheer. |