Poucos meses antes do início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a frota de navios da NGI era composta de tão somente 10 unidades, das quais as três
maiores em tonelagem não passavam da marca de 10 mil t.a.b. (Palermo, de 9.203 t; America, de 8.996 t; e o Verona, de 8.261 t), sendo relativamente lentos e antigos. Por ocasião da
assembleia ordinária de 21 de novembro de 1913, foi aprovada pelos acionistas e pela direção da empresa a construção de dois novos navios de passageiros, com tonelagem superior a 20 mil toneladas.
Esta decisão vinha ao encontro da necessidade de reforçar a frota da empresa e torná-la competitiva com os navios de bandeira britânica, alemã e francesa, que já existiam em serviço nas linhas entre a Europa e as
Américas do Norte e do Sul.
O primeiro desses dois novos transatlânticos foi encomendado ao estaleiro inglês Swan Hunter & Wigham Richardson, do porto de Newcastle, e recebeu o nome de Giulio Cesare. Embora a sua construção tivesse
sido iniciada em 1914, ele só seria completado e lançado ao mar em 1920, pois o início do conflito havia paralisado a realização da encomenda ao estaleiro.
No dia 30 de dezembro de 1913, assinou-se a ordem de construção do segundo transatlântico com o estaleiro Ansaldo, do porto de Sestri Ponente, na Itália. O desenho de base do novo navio, batizado com o nome de
Duilio, era similar ao do Giulio Cesare e a sua quilha foi iniciada em 1914.
Dois anos mais tarde, o Duilio foi lançado ao mar, porém - com a entrada da Itália em estado de guerra - os trabalhos de acabamento da estrutura foram suspensos até segunda ordem.
Foi somente em 1920 que o estaleiro Ansaldo pôde dar continuidade à construção do Duilio, e mais três anos se passaram antes que estivesse definitivamente acabado e pronto a entrar em operação.
Foram necessários portanto mais de 9 anos, do momento em que foi colocada a primeira trave de madeira até o embarque do primeiro passageiro. A viagem inaugural, de Gênova a Nova Iorque, iniciou-se em 10 de outubro
de 1923 e, nos cinco anos que se seguiram, o Duilio serviu a linha do Atlântico Norte, sob o comando do capitão Pellegrino Sturlese.
Oito conveses - As características desses quase gêmeos eram a de serem os primeiros navios da frota mercante italiana a superar as 20 mil toneladas e o comprimento dos mesmos, marcante para a época, ser de
pouco menos de 200 metros.
A estrutura interna era composta de oito conveses e os salões e acomodações para passageiros de primeira classe se distinguiam por um luxo onde a decoração interna era de vários estilos: os apartamentos seguiam
quatro tipos de decoração, os chamados Diretório, Luiz XIV, Regência e Adam; o vestíbulo era no estilo Luiz XIV; o salão de jantar, com mais de sete metros de altura, se situava ao redor de 20 colunas do estilo dórico e possuía uma segunda galeria,
dominada por uma cúpula de vidro opaco, que filtrava a luz natural.
O salão de festas, que ocupava mais de 200 metros quadrados, possuía algo de aspecto triunfal, pelo tamanho e decoração. As paredes eram todas revestidas de madeira trabalhada, onde haviam sido colocados pinturas a
óleo e tapetes decorativos de grande valor artístico, prevalecendo as tonalidades de cores pastel, verde e ouro.
Em volta dos conveses chamados de Ponte dei Saloni (o segundo do alto para baixo) e Passeggiata (o terceiro), havia os corredores laterais, que, somados, davam aos passageiros mais de 500 metros de espaço para
passeio. Parte deste espaço era coberto e protegido (a chamada varanda de bordo) e parte a céu aberto, onde se realizavam por bom tempo os jogos esportivos de bordo.
O Duilio, em foto de 1932, com a pintura da Italia Flotte Riunite, sendo sobrevoado por um avião
Quatro classes - Projetado por um dos maiores engenheiros da Itália, Fabio Garelli, o Duilio podia transportar cerca de 1.680 passageiros distribuídos em quatro classes distintas, das quais 290 eram
de primeira classe.
O sucesso comercial do par Duilio e Giulio Cesare foi enorme e contribuiu para a expansão da NGI, nos anos 20, com a construção de três outros transatlânticos que ficariam famosos: o Augustus,
o Roma (ambos de 1926) e o Rex de 1928.
Em 1928, justamente por causa da entrada em serviço desses três novos transatlânticos na linha norte-americana, o Duilio foi transferido para a Rota de Ouro e Prata, tendo realizado a primeira viagem entre
Gênova, Barcelona, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires em agosto daquele ano.
A inteira distância, incluindo as escalas, era percorrida em somente 13 dias, 10 dos quais entre Barcelona e o Rio de Janeiro.
Junção - Em 1932, devido ao amálgama entre as principais companhias de navegação de passageiros italianas na nova sociedade paraestatal Italia-Flotte Riunite, o Duilio, como tantos outros, abandonou
suas cores de origem, passando a ter a sua chaminé pintada de branco com o bordo superior em vermelho e uma estreita faixa verde entre as duas cores mencionadas. O casco foi pintado de branco, em vez do preto original.
No ano seguinte, o Duilio passou a ser utilizado na nova rota, entre Gênova e Cidade do Cabo, com escalas em Marselha, Gibraltar e Dacar. Em 1934, foi colocado de volta no estaleiro que o construiu, para ser
reformado.
Nesse processo de reforma, embora a tonelagem permanecesse praticamente a mesma, o número de lugares para passageiros diminuiu consideravelmente, passando para 750, que evidentemente dispunham de mais espaço e
conforto.
Tal como acontecera com outros grandes transatlânticos italianos (Conte Verde, Conte Rosso), o par Duilio-Giulio Cesare foi transferido, em 1937, para as cores e frota do Lloyd Triestino, uma
das integrantes do consórcio de sociedades que formavam o pool (associação) da Marinha Mercante da Itália.
Rota africana - O Lloyd Triestino manteve o Duilio na rota da África do Sul até o início das hostilidades entre a Itália e os Aliados, em 1940. Nesse ano, os dois quase gêmeos foram colocados em
naftalina: o Duilio em San Sabba, perto do porto de Trieste, e o Giulio Cesare em Trieste.
Em março de 1942, o Duilio voltou a navegar, afretado pela Cruz Vermelha Internacional para - como navio de repatriamento diplomático - ajudar na evacuação de refugiados e feridos de guerra dos portos do
Leste africano. Em seus bordos foram pintadas cruzes vermelhas e nas chaminés cruzes brancas. No verão daquele mesmo ano (agosto), voltou a ficar ancorado no porto de Trieste, ao lado do Giulio Cesare.
Em setembro de 1943, o Duilio e o Giulio Cesare foram sabotados e afundados em Trieste por ordem das próprias autoridades italianas, evitando-se assim a captura dos dois navios por tropas alemãs.
Nesse porto, no dia 10 de julho de 1944, em consequência de um pesado bombardeio aéreo, por parte dos Aliados, o Duilio afundou nas águas pouco profundas do seu ancoradouro. Quis o destino que, construído
durante a Primeira Grande Guerra, o Duilio fosse destruído no curso da Segunda Guerra Mundial.
Corte transversal do navio, mostrando as divisões internas
Foto: História da Vida Privada no Brasil, vol. 3, 1998, Cia. das Letras, SP/SP
"Duilio - Este navio da Navigazione Generale Italiana (NGI) foi um dos responsáveis pelo transporte de milhares de imigrantes italianos para o Brasil e Argentina e por isso tornou-se
muito conhecido na colônia. Sua história também é bastante interessante. Ele começou a ser construído no deflagrar da I Guerra Mundial, em 1914, nos estaleiros de G. Ansaldo, em Sestri Ponente, mas a guerra interrompeu a obra e o casco permaneceu
longo tempo inativo. Somente em 1923 foi concluído. Tinha 24.281 toneladas e 182,60 metros de comprimento, duas chaminés, dois mastros e capacidade para 280 passageiros de primeira classe, 670 de segunda e 600 de terceira. Recebeu o nome do
imperador romano Caio Duilio e passou a fazer a rota Gênova-Nova York. Em 1928 transferiu-se para a linha Gênova-Buenos Aires, serviço que fez ininterruptamente até 1932, quando foi vendido para a Italia Flotte Riunite Cosulich-Lloyd Sabaudo-NGI,
companhia formada com a união de outras, após sérios problemas financeiros. Foi vendido em 1937 para o Lloyd Triestino, manteve o nome e a linha. Mas, o navio que sobreviveu à I Guerra não resistiu à II Guerra Mundial e foi bombardeado e afundado
em julho de 1944 por um submarino em Trieste, sendo reflutuado somente em 1948 para ser desmontado. O cartão-postal foi enviado do Rio de Janeiro para Buenos Aires em junho de 1930".
Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso:
13/3/2006)
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