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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Duca Degli Abruzzi

1908-1929

No início do século XX, a Itália não possuía uma verdadeira política uniforme de expansão marítima; a tonelagem de sua marinha mercante de linha estava dividida em várias sociedades de navegação que não podiam, por tamanho e capacidade financeira, competir com a concorrência estrangeira, bem mais organizada e estruturada por experiência mais longa.

Não existiam na península itálica os grandes grupos de armadores, já formados há muito tempo na Grã-Bretanha e na Alemanha, tais como a NDL, a Hapag, a Hamburg-Süd, a Royal Mail, a PSNC, a Lamport & Holt e outras.

A Navigazione Generale Italiana (NGI) virou o século (XIX-XX) procurando se estruturar para poder competir validamente no campo internacional dos transportes marítimos, e o primeiro passo para uma coordenação financeira foi a compra das ações que lhe permitiriam assumir, mais tarde, o controle majoritário da armadora italiana La Veloce, empresa esta que se encontrava sob o controle de bancos alemães.

Em 1904, por iniciativa da NGI, foi constituído em Gênova o primeiro Sindicato de Marítimos Italianos, cuja função principal na época era dar cobertura financeira aos acidentes de trabalho e doenças dos marinheiros do país.

Em 1907, sempre sob os auspícios da NGI, foi também criada uma companhia de seguros para a cobertura de risco dos armadores italianos e, enfim, no ano seguinte, um Sindicato de Armadores.

Tais iniciativas demonstraram a vitalidade da administração da empresa, sob a direção de homens como Domenico Gallotti, Dionigi Biancardi, Domenico Brunelli e Agostino Crespi.

Em janeiro de 1901, a frota da NGI era composta por 99 navios e estavam em construção outros três, os maiores da classe Regiões (o Lombardia, o Sardegna e o Umbria).

Em 1904, as unidades da empresa eram 103 e, em 1907, sempre em janeiro, o número total de navios havia diminuído ligeiramente para 99 unidades, que representavam 224 mil toneladas de arqueação bruta, a maior parte sendo navios envelhecidos.

Renovação - Face à entrada em serviço de novos transatlânticos ordenados pelas empresas concorrentes européias e italianas, a NGI decidiu, em 1904, proceder ao reforço e à renovação da frota.

Um ano mais tarde, foram feitos contratos com os estaleiros das localidades italianas de Foce, Ancona, Palermo e Muggiano para a construção de quatro vapores, três para a linha sul-americana e um para a linha norte-americana.

Subseqüentemente, foi tomada a decisão de construir outros dois desta mesma série, totalizando assim seis navios, dos quais Muggiano e Palermo deveriam construir dois cada um, e Foce e Ancona, um cada um. Destas seis novas unidades, três navegariam na linha do Atlântico Norte e três na linha do Atlântico Sul.

No biênio de 1907 e 1908, foram assim lançados, em ordem cronológica:

Duca Degli Abruzzi (Muggiano em maio de 1907);
Duca Di Genova (Muggiano em setembro de 1907);
Re Vittorio (Gênova em novembro de 1907);
Regina Elena (Ancona em dezembro de 1907);
Principe Umberto (Palermo em março de 1908); e o
Duca D'Aosta (Palermo em setembro de 1908).

Diferenças - Os seis transatlânticos eram praticamente gêmeos entre si e só detalhes internos os diferenciavam. Os três Duca eram destinados a servir a linha entre a Itália e os Estados Unidos, enquanto os três da Família Real o eram para a Rota de Ouro e Prata.

Surpreendentemente, eram os da série Família Real a terem instalações mais luxuosas, a fim de satisfazer a clientela sul-americana, que na época era mais exigente que a norte-americana. O trio destinado à linha norte-americana tinha instalações mais simples, adaptadas ao tráfego sobretudo de emigrantes que naqueles anos eram mais numerosos para os Estados Unidos.

Os do tipo Duca dispunham de acomodações em primeira classe para 66 passageiros distribuídos em dois pequenos apartamentos de luxo, três cabinas especiais no convés dos botes salva-vidas, 27 cabinas múltiplas no convés de passeio, mais uma sala de música, salão para fumantes, jardim de inverno e um grande salão de jantar.

A segunda classe era situada na popa, com 30 cabinas de quatro lugares cada uma, enquanto que a terceira classe, destinada aos emigrantes, podia acomodar 1.200 pessoas em dormitórios múltiplos.

Os outros três, da classe Família Real, tinham uma primeira classe de luxo, com diversos salões e apartamentos externos no convés superior. O vestíbulo era situado na popa, dando este, através de uma escadaria, aos salões de música e de jantar. Este último, de forma quadrada, possuía mesas retas de quatro ou seis lugares.

A primeira classe dispunha ainda de um grande salão para fumantes e uma área para as crianças. Esta classe podia acomodar, ao todo, 100 passageiros, enquanto a segunda classe levava 125 pessoas e a terceira 900 emigrantes.

Todos os seis vapores tinham duas chaminés e linhas sóbrias e elegantes, o desenho da base sendo bem proporcionado entre as massas do casco e da superestrutura. Com a entrada em serviço dessas seis unidades, a NGI pôde melhorar em muito a qualidade e a eficiência de suas duas linhas de transatlânticos, e o sexteto tornou-se rapidamente muito procurado.

Interessante notar que a NGI, para poder batizar seus seis navios com os nomes e títulos de personagens da Casa Real Italiana, teve que solicitar autorização à Sua Majestade, o rei, e isto foi feito por ocasião de uma visita pessoal pelo então presidente da companhia, o senhor Di Scalea, acompanhado pelo diretor-geral, o senhor Fileti.


O Duca Degli Abruzzi em cartão postal do ano de sua primeira viagem para o Brasil e o Prata
Foto: cartão postal de J.C.Rossini, datado de 7 de outubro de 1912, publicado com a matéria

Cinco conveses - O Duca Degli Abruzzi foi construído pelo estaleiro Cantieri Navali Riuniti, em Muggiano, perto do porto naval de La Spezia (Itália), com suas máquinas provindo da firma Odero, da localidade de Sestri Ponente.

Possuía cinco conveses, dos quais os dois inferiores eram divididos por nove transversais, que determinavam os espaços destinados a quatro porões de carga, sala das caldeiras, salas das máquinas, depósito de carvão e acomodações para os passageiros de terceira classe.

A viagem inaugural do transatlântico começou em 4 de fevereiro de 1908, com destino a Nova Iorque e sob o comando do capitão Francesco Ansaldo. Após a realização dessa viagem, o Duca Degli Abruzzi permaneceu cerca de três anos e meio navegando na linha norte-americana para, em seguida, no começo de 1912, ser ligeiramente reformado e colocado na linha para a costa Leste da América do Sul.

A viagem inaugural na Rota de Ouro e Prata aconteceu em 2 de outubro de 1912, de Gênova a Buenos Aires, com escalas em Barcelona, Dacar, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu, travessia feita de ponta a ponta em 17 dias.

Guerra - Esta primeira fase de serviço para o Atlântico Sul se estenderia até o outono europeu de 1914, quando, com a eclosão da guerra no Velho Continente, o transatlântico foi posto novamente na linha para os Estados Unidos. A Itália, na época, era país neutro, e seus navios, muito utilizados por aqueles que queriam escapar do conflito para as terras norte-americanas.

Também foram transferidos para o Atlântico Norte os outros dois da classe Duca, o Duca D'Aosta e o Duca Di Genova. Este último não sobreviveria ao período bélico, sendo torpedeado no Mediterrâneo em 6 de fevereiro de 1918 pelo submarino alemão U-64.

Além deste, seriam também afundados dois navios da classe Família Real: em junho de 1916, o Principe Umberto foi torpedeado próximo ao Cabo Linguetta em viagem de Salonica a Taranto, com a perda de 50 oficiais e 170 soldados, numa das maiores tragédias da Marinha Italiana; em 4 de janeiro de 1918, seria perdido o Regina Elena, torpedeado ao largo do porto de Tripoli.

Assim sendo, do sexteto original só três retomariam serviço após o término da grande guerra: o Re Vittorio, o Duca D'Aosta e o Duca Degli Abruzzi. Os dois últimos, depois de servirem a linha regular entre Gênova e Nova Iorque até janeiro de 1916, foram postos em temporária inatividade, devido à entrada da Itália na guerra.

Permaneceram ancorados na Baía de Hudson até abril de 1917, quando, junto a outros navios aliados, iniciaram o transporte de tropas americanas que iam lutar em solo europeu, ficando nesta função até o fim do conflito.

Reforma - Em novembro de 1918, ambos atravessaram o Atlântico, voltando ao porto de Gênova, a fim de serem redimensionados. O Duca Degli Abruzzi saiu dessa reforma com a tonelagem aumentada para 8.249 toneladas e sua capacidade de passageiros para 1.456, divididos em 66 na primeira classe, 122 na segunda e 1.269 na terceira. Além das modificações internas, o navio foi ligeiramente alterado em suas linhas externas, com o número de botes salva-vidas reduzido para dez.

O Duca Degli Abruzzi voltou ao serviço realizando sua primeira viagem do pós-guerra em fins de 1918, ligando Gênova a Nova Iorque, sob o comando do capitão Mariano Bottone. Permaneceria nesta linha durante três anos seguidos, em companhia de outros navios da NGI: o Taormina, o Ferdinando Palasciano, o Colombo e o Duca D'Aosta.

Com a incorporação na frota, em maio de 1922, do recém-construído Giulio Cesare, o Duca Degli Abruzzi foi transferido novamente para a Rota de Ouro e Prata.


O Duca Degli Abruzzi em 1908 (alto), em 1914 (meio) e após a reconstrução, em 1918-19 (abaixo)
Imagem: reprodução, publicada com a matéria

Migrantes - Os anos imediatamente após o fim da guerra 1914-1918 foram marcados por importantes transformações no conceito do transporte marítimo de passageiros. De um lado, aumentava a demanda por navios cada vez mais luxuosos, espaçosos e rápidos; por outro lado, ainda era bem considerável o número de emigrantes que simplesmente procuravam sair da Europa para os países do Novo Mundo e que não desejavam nada mais do que uma travessia segura e simples.

Criou-se assim a necessidade de adaptar os navios de média tonelagem, construídos antes do período bélico, a dois fatores diferentes: ou se aumentava o espaço destinado aos passageiros de classe (e neste caso diminuía-se a capacidade de transporte em massa de emigrantes), ou se optava por modificar o navio para o transporte de emigrantes em classe única. Os dois fatores dificilmente podiam ser conciliados.

Com a entrada em serviço, respectivamente em 1922 e 1923, do par Giulio Cesare e Duilio, a NGI decidiu optar pela adaptação do Duca Degli Abruzzi e do Duca D'Aosta à segunda condição.

Ambos foram recolhidos aos estaleiros de Baia (Itália) e reestruturados internamente para o transporte de passageiros emigrantes. Terminada a reforma, foram colocados na linha Nápoles-Nova Iorque. Esta decisão, que na época em que foi tomada parecia sensata, revelou-se prejudicial por razões que fugiam ao controle da NGI.

A subida definitiva ao poder do governo fascista em 1925, e subseqüentes restrições políticas impostas por Mussolini ao êxodo rural e à emigração, fizeram com que o número de emigrantes italianos se reduzisse consideravelmente.

Assim, o número de embarques e desembarques, em portos italianos, de passageiros de terceira classe, passou de 312 mil pessoas em 1914 para 141 mil em 1926. Tal fato penalizou todos os armadores peninsulares, e a NGI não escapou à regra.

Acordo - No dia 1º de julho de 1928, entrou em vigor o acordo assinado pela NGI, pelo Lloyd Sabaudo e pela Cosulich, acordo este que coordenava os serviços, os itinerários e as tarifas de todas as classes na linha para os Estados Unidos e o Canadá.

Tal acordo, válido por três anos, havia sido instigado pelo governo, com a finalidade de eliminar a concorrência interna e de apresentar uma frente nacional única que pudesse competir validamente com as grandes empresas de navegação estrangeiras.

No segundo semestre daquele ano, a fim de poder usufruir do pagamento de um incentivo à demolição, dado pelas autoridades da marinha mercante, a NGI decidiu vender sete de seus navios de passageiros mais antigos.

Foram assim retirados de sua frota o America, o Bologna, o Re Vittorio, o Venezuela, o Palermo, o Napoli e os dois gêmeos Duca D'Aosta e Duca Degli Abruzzi, este último sendo demolido em 1929.

Duca Degli Abruzzi:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: italiana
Armador: Navigazione Generale Italiana
País construtor: Itália
Estaleiro construtor: Cantieri Navali Riuniti di Muggiano (porto: La Spezia)
Ano da viagem inaugural: 1908
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 7.793
Comprimento: 145 m
Boca (largura): 16 m
Chaminés: 2
Mastros: 2
Hélices: 2
Velocidade média: 16 nós
Motor: a expansão quádrupla, com 4 cilindros, potência: 8.500 HP
Passageiros: 1.836 (após a reforma de 1922)
Classes: 1ª -       80
                2ª -       16
                3ª - 1.740

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 19 e 26/8/1993