O nome Sitmar deriva das iniciais de Società Italiana Trasporti Marittimi, sociedade fundada depois da Segunda Guerra Mundial
por um cidadão russo emigrado para a Inglaterra, de nome Alexander Vlasov. Já antes do conflito, Vlasov havia se tornado proprietário de uma frota de cargueiros que foram registrados sob bandeiras de
diversos países: Itália, Grã-Bretanha, Romênia, Grécia, Panamá e Argentina.
Como não podia deixar de ser, o armador Vlasov perdeu uma parte de seus navios por causas bélicas. Com o fim da guerra em 1945, uma nova era se abria para homens intrépidos do estilo Vlasov, Onassis, Dodero,
Livanos, Latsis, Chandris e outros.
Tais como estes, Vlasov passou a adquirir tonelagem na forma de cargueiros que haviam sido construídos aos milhares em programas padronizados durante os anos do conflito e que, com o fim da guerra, não tinham mais
uso por parte das autoridades aliadas.
Reinício - Entre as primeiras aquisições de Vlasov figuravam os navios-transporte de guerra do tipo Victory, que levavam os nomes originais de Wooster Victory e Vassar Victory. Após
algumas modificações, estes dois navios foram afretados à Organização Internacional para os Refugiados (IRO, na sigla em inglês), uma agência oficial da Organização das Nações Unidas (ONU), transportando refugiados de guerra para a Austrália. Ambos
tinham sido construídos em 1945 (eram portanto quase novos), com tonelagem próxima de 8 mil toneladas de arqueação bruta.
O Vassar Victory foi rebatizado imediatamente Castel Bianco, enquanto o Wooster Victory guardou seu nome por mais três anos, antes de ser chamado com o denominativo de Castel Verde.
Por volta de 1952, o plano de recolocação em massa de refugiados promovido pela IRO havia chegado ao fim e, assim sendo, esta instituição deixou de afretar vários navios.
Alexander Vlasov decidiu então reformar o par para empregá-lo no lucrativo transporte de emigrantes. Ambos foram ampliados em tonelagem e espaço, passando para 10.139 toneladas o Castel Bianco e para 9.008
toneladas o Castel Verde, podendo cada um transportar 1.200 passageiros em cabinas múltiplas de terceira classe.
A rota principal dos dois passou a ser Gênova-América Central, e nesse serviço permaneceram até 1957, quando foram vendidos, por um bom preço, a armadores espanhóis.
Além do par acima descrito, Vlasov também comprou outros dois navios do tipo C-3, que haviam participado da guerra como porta-aviões-de-escolta. Um desses foi imediatamente reformado para transportar 1.800 pessoas,
em dormitórios múltiplos, e logo afretado ao IRO com o nome de Fairsea. O segundo desse par permaneceu sem uso durante nove anos. Em 1957, foi reconstruído para acomodar 1.460 passageiros em cabinas com ar condicionado, para o serviço
entre a Europa e a Austrália, e - rebatizado Fairsky - teria vida relativamente proveitosa a serviço da Sitmar.
Após 23 anos de existência sob bandeira britânica,
o Castel Felice serviu durante alguns meses a Rota de Ouro e Prata
Foto: reprodução, publicada com a matéria
Gêmeos na Índia - Planejado em 1928 por ordem da companhia British India Steam Navigation, empresa especializada na rota entre a Grã-Bretanha e a Índia, o Castel Felice havia iniciado sua vida com o
nome de Kenya.
Junto a outro navio gêmeo (o Karanja), o Kenya havia sido construído para ligar portos ingleses a Rangum (Birmânia), Madras e Bombaim (na Índia), via Canal de Suez. Em algumas viagens, o par Kenya
e Karanja estendia a linha até a Cidade do Cabo (África do Sul) pelas Ilhas Seychelles.
Após suas provas de máquinas, em dezembro de 1930, o Kenya iniciou o serviço, permanecendo nessa rota até o início das hostilidades, em setembro de 1939. Foi então decidida a sua transformação em
navio-transporte-de-tropas, mas - antes que tal coisa acontecesse - o Almirantado britânico requisitou o navio, para destiná-lo ao uso militar.
Foi então o Kenya modificado para navio de apoio de desembarque de tropas navais (Landing Ship Infantry - LSI na sigla em inglês) e rebatizado com o nome de H.M.S. Keren. As iniciais H.M.S. se referem
a Her Majesty Ship (Navio de Sua Majestade).
Em tal condição de uso naval, foi empregado em diversas campanhas, tendo desembarcado infantaria naval em maio de 1942 na Ilha de Madagascar, em novembro do mesmo ano em Argel (Argélia) e em teatros de guerra do
Oceano Índico e do Oceano Pacífico. Ao término das hostilidades, o navio, até então requisitado, foi adquirido pelo Almirantado, permanecendo porém em inatividade, ancorado num braço de mar ao longo da costa escocesa.
Novo interesse - Foi somente em fins de 1949 que alguém voltou a se interessar pelo Kenya, ou H.M.S. Keren. O nome do interessado? Alexander Vlasov.
Adquirido por uma subsidiária da Sitmar, a armadora Alva S.S. Co., e tendo recebido por curto espaço de tempo o nome de Fairstone, foi em seguida transferido para a propriedade desta última em outubro de
1950, tendo sido içada a bandeira nacional da Itália em sua popa. Foi, porém, somente em agosto do ano seguinte que o ex-H.M.S. Keren foi rebocado até o porto de Gênova para ser totalmente reformado.
O navio era propulsionado por seis turbinas a vapor, de fabricação original de seu estaleiro construtor, e possuía seis conveses. Alguns meses depois, renasceu com o nome de Castel Felice e com
características de desenho e uso completamente modificadas. Adaptado para o transporte de emigrantes, podia transportar um total de 1.540 passageiros.
Os mastros originais foram retirados e substituídos por dois guindastes, um novo mastro aparecendo na superestrutura do navio. A chaminé original deu lugar a uma nova, muito mais larga, pintada de amarelo e com uma
letra "V" na cor azul de cada lado.
Em outubro de 1952, completada a sua reforma e com o seu casco inteiramente pintado de branco, saiu de Gênova para Sydney (Austrália), realizando uma viagem redonda. Foi em seguida utilizado na linha
Gênova-Maracaibo (Venezuela), via Tenerife (Ilhas Canárias, no Atlântico) e Caribe.
A primeira viagem na Rota de Ouro e Prata aconteceu em 1953, com escalas tradicionais. Este serviço durou até junho de 1954, seguido por algumas viagens entre a Europa e o Canadá e Europa-Estados Unidos.
Em 1955, o Castel Felice passou por outra reforma, desta vez mudando-se a acomodação para 28 passageiros em primeira classe e 1.173 em classe turística, desaparecendo assim a classe emigrante. Além disso,
foi instalado ar condicionado em todo o navio e uma piscina construída na popa.
Final - A partir desta reforma e até o ano de 1970, quando foi demolido em Kaohsiung (Taiwan/Formosa), a carreira do Castel Felice foi uma das mais variadas, sendo utilizado em diversas rotas,
sobretudo à Austrália; o transatlântico, porém, nunca mais retornou às águas da costa Leste da América do Sul.
Ao todo, o Castel Felice havia realizado 101 viagens redondas para a Austrália, transportando mais de 200 mil passageiros. A vida útil deste navio foi longa, cerca de 40 anos, dos quais 10 com a British
India como Kenya, sete anos com a Royal Navy como Keren e 18 como Castel Felice. Seu emprego na rota para o Brasil e o Prata limitou-se a pouco mais de um ano, com uma dezena de viagens.
Nota: a companhia Sitmar, do Grupo Vlasov, não deve ser confundida com outra empresa de navegação italiana de mesmo nome e que existiu entre 1913 e 1934.
No porto de Santos, o transatlântico italiano Castel Felice, da armadora Sitmar, adaptado no início da década de 1950 para transporte
de emigrantes, com capacidade para 1.540 passageiros. Ficou pouco mais de um ano na rota da América do Sul, sendo usado principalmente nas rotas da Austrália. Foi demolido em 1970 em Kaoshing-Taiwan. Foto do livro Photographias & Fotografias do
Porto de Santos - 1996, de Laire Giraud e outros autores
Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud,
postada na rede social Facebook em 11/3/2014 |