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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Achille Lauro

1946-1994 - Willem Ruys (até 1965)

Notícia publicada em 1º de dezembro de 1994 no jornal santista A Tribuna:

Incêndio mata três pessoas em transatlântico

O transatlântico italiano Achille Lauro pegou fogo quando viajava com 579 passageiros pela costa Leste da África, em direção às Ilhas Seychelles. Pelo menos três pessoas morreram e oito ficaram feridas. Em 1985, o navio foi seqüestrado por terroristas palestinos no Mediterrâneo.


Em 1985, o Achille Lauro foi seqüestrado por terroristas palestinos
Foto: Agência Reuters/Arquivo, publicada com a matéria

Incêndio em transatlântico italiano deixa 3 mortos

O navio Achille Lauro viaja pela costa Leste da África, em direção às Ilhas Seychelles, com 579 passageiros, quando o fogo começou

De Roma

Pelo menos três dos 579 passageiros do navio Achille Lauro morreram (até 20 horas) e oito ficaram feridos em conseqüência de um incêndio que atingiu a luxuosa embarcação na madrugada de ontem durante um cruzeiro pela costa Leste da África.

Segundo a empresa proprietária do navio, a Starlauro, de Nápoles, as três vítimas eram idosos que não conseguiram escapar a tempo do incêndio, que teve início às 3 horas (horário de Brasília) numa ala das cabines dos passageiros.

Os demais passageiros e cerca de 300 dos 408 tripulantes do Achille Lauro, que se dirigia para as ilhas Seychelles, foram resgatados pelo petroleiro Hawaiian King.

"Neste momento, podemos confirmar três mortos no incêndio no Achille Lauro", informou a Starlauro através de comunicado. "Eles eram idosos de nacionalidades alemã, inglesa e sul-africana".

As primeiras notícias sobre o incêndio, prestadas pelo Ministério dos Transportes da Itália, haviam dado conta de que não existiam vítimas. O Ministério estava em contato pelo rádio com o Hawaiian King, que recolheu ocupantes do Achille Lauro que passaram três horas em botes salva-vidas em meio a mar calmo e temperatura amena a cerca de 100 milhas (182,5 quilômetros) da costa da Somália, no Oceano Índico.

A Starlauro disse ainda não estar claro o que causou o incêndio no luxuoso navio. Autoridades italianas revelaram que receberam um pedido de socorro da tripulação do Achille Lauro poucos minutos antes do início do incêndio.

Dois outros navios, os cargueiros Bardu e Treasure Island, também teriam ajudado no resgate dos ocupantes do Achille Lauro, levando os sobreviventes para o Djibuti e para o porto de Mombasa, no Quênia.

Cerca de 60 tripulantes permaneceram na embarcação italiana até extinguir o fogo.

O presidente da Starlauro, Nicola Coccia, elogiou a tripulação e os passageiros pela bem-sucedida retirada do navio em chamas. Os sistemas automáticos de sprinkler também funcionaram. "Eles abandonaram o navio sem entrar em pânico e permaneceram nos botes salva-vidas por três horas sem qualquer problemas", disse Coccia.


Imagem publicada com a matéria

Seqüestro - O Achille Lauro, construído há 47 anos, ocupou as manchetes dos jornais do mundo todo em outubro de 1985, quando quatro terroristas palestinos o seqüestraram durante um cruzeiro no Mediterrâneo, com 511 passageiros e tripulantes a bordo, ameaçando explodi-lo.

Quando os seqüestradores chegaram, dois dias mais tarde, a Port Said, Egito, soube-se que um passageiro em cadeira de rodas, o judeu norte-americano Leon Klin Ghoffer, tinha sido morto e atirado ao mar, crime que provocou revolta em todo o mundo.

O Egito concordou em soltar os seqüestradores para salvar as pessoas a bordo do Achille Lauro, porém o avião que os transportava foi interceptado por caças norte-americanos e obrigado a descer na Sicília. Os quatro extremistas foram julgados na Itália e condenados a longas penas de prisão.

Um porta-voz da Starlauro, que chegou a temer que o navio pudesse afundar, informou que a casa de máquinas não foi atingida pelo fogo e que ainda não foram calculados os prejuízos no cruzeiro de US$ 30 milhões. (UPI)


Achille Lauro, em Port Said, depois de ter sido seqüestrado por terroristas palestinos em 1985
Foto: Agência Reuters/Arquivo, publicada com a matéria

Na sexta-feira, 2/12/1994, continua o noticiário no jornal santista A Tribuna:


O transatlântico continua queimando no Oceano Índico, nas proximidades da costa da Somália
Foto: Agência Reuters, publicada com a matéria

Cigarro pode ter causado incêndio no Achille Lauro

Autoridades italianas acreditam que o fogo que está consumindo o transatlântico Achille Lauro pode ter sido provocado por um cigarro. O navio começou a incendiar-se na quarta-feira, a 160 quilômetros da costa da Somália, na África.

A Tribuna publica na edição de hoje a primeira parte de um artigo de José Carlos Rossini, de Genebra, sobre a história da embarcação, que já esteve no Porto de Santos na década de 70.


O fogo continua a consumir os camarotes do transatlântico italiano da Lauro,
que tem a estrela de cinco pontas como símbolo
Foto: Agência Reuters, publicada com a matéria

No sábado, 3 de dezembro de 1994, noticia o jornal santista A Tribuna:

O transatlântico Achille Lauro, que estava em chamas desde quarta-feira passada perto da costa da Somália, naufragou ontem.


O Achille Lauro, em escala em Santos em 12 de fevereiro de 1975
Foto: Arquivo, publicada com a matéria

ACHILLE LAURO
Embarcação de passageiros afunda no Oceano Índico

O luxuoso transatlântico estava queimando desde a madrugada de 4ª feira

De Roma

O luxuoso transatlântico italiano Achille Lauro afundou ontem no Oceano Índico. O navio de passageiros começou a se incendiar na quarta-feira, durante um cruzeiro pela costa Leste da África, com cerca de 1.000 pessoas a bordo.

De acordo com funcionários da Guarda Costeira italiana, o navio de US$ 30 milhões (R$ 25 milhões 710 mil) afundou às 19h10 (14h10 em Brasília), a cerca de 100 milhas (182,5 quilômetros) da costa da Somália, na África.

O Achille Lauro havia se transformado em uma carcaça queimada à deriva no Oceano Índico.

"É uma notícia triste", disse o capitão do navio, Giuseppe Orsi, a última pessoa a sair da embarcação, em chamas, na quarta-feira.

O naufrágio do Achille Lauro ocorreu envolto em chamas e fumaça, um fim talvez inesperado para o navio, que já foi palco de um seqüestro e inspirou a criação de uma ópera.

 

O Achille Lauro estava avaliado em US$ 30 milhões

 

Cigarro - As autoridades ainda não conseguiram identificar as causas do incêndio, que causou a morte de dois passageiros, embora haja suspeitas de que o fogo tenha sido provocado por uma ponta de cigarro.

Os sobreviventes do incêndio no Achille Lauro, somando 977 pessoas, foram transferidos de um petroleiro para navios de carga e para embarcações de guerra dos Estados Unidos.

Segundo o comissário de bordo do navio, Aldo Accadri, o fogo teve início na sala de máquinas. Os esforços para combater as chamas, realizados pelos tripulantes, foram inúteis.

O navio, construído em 1947 e reformado em 1965, ganhou as manchetes de todo o mundo em 1985, quando foi seqüestrado por quatro terroristas palestinos, que ameaçaram explodir a embarcação, que transportava 511 passageiros e tripulantes. (Agências UPI e Reuter).



O navio esteve algumas vezes no Porto de Santos, como em 22/1/79
Foto: Agência Reuter, publicada com a matéria

A atribulada carreira de um transatlântico

José Carlos Rossini
De Genebra

A armadora holandesa Rotterdamsche Lloyd (RL) foi estabelecida na Cidade e Porto de Roterdam em 15 de junho de 1883, com a finalidade de operar navios em linha regular entre a Holanda (e seus países vizinhos) e as colônias holandesas do Oriente.

Inicialmente com cargueiros puros e, a partir de 1888, com navios de capacidade mista, a RL consolidou sua posição no mercado de fretes de e para a Batavia (atual Indonésia), as altas chaminés pintadas totalmente de negro dos seus navios passando a ser um símbolo de regularidade e bons serviços nos portos de escala.

Tal presença nessa rota se consolidaria ao longo do tempo e, logo após o término da Primeira Guerra Mundial, a RL lançaria ao mar seu primeiro grande transatlântico de passageiros, o Patria, de 9.891 toneladas de arqueação bruta (tab), construído em 1919.

Outros o seguiriam, tal como o Slamat, de 1924, o Indrapoera, de 1925, o Sibajak, de 1928, o Baloeran, de 1930, e o Dempo, de 1934, todos eles com tonelagem superior às 10 mil tab.

Em fins de fevereiro de 1938, a RL ordenou a construção de um navio de passageiros que seria então o maior de sua frota. Levaria o nome do fundador da empresa, ou seja, Willem Ruys.

Em janeiro de 1939, foram assentadas as primeiras traves da base do casco e as grandes forjas de aço do estaleiro começaram a produzir as suas chapas.

Nove meses mais tarde, eclodia na Europa o conflito armado que se expandiria pelos "quatro cantos" do globo; a Segunda Guerra Mundial passou como um furacão sobre os Países Baixos e a conclusão do Willem Ruys foi adiada às calendas gregas.

Em princípios de 1946, com a paz restaurada na Europa, os trabalhos de construção deste transatlântico puderam ser recomeçados.

Por milagre, o furor da guerra não havia destruído nem o estaleiro, nem as primeiras formas do Willem Ruys. Em 17 de julho de 1946, seu casco foi lançado à água e quatro meses e meio depois a construção foi terminada e o navio entregue à armadora.

Em 2 de dezembro, o Willem Ruys realizava a viagem inaugural entre Roterdam e Jacarta (Indonésia). Era então um navio de linhas compactas e agradáveis à vista, bem desenhadas em sua concepção pré-guerra, com duas chaminés centralizadas, a de popa (ré) com altura inferior à de proa (frente), dando-lhe um aspecto moderno.

Possuía dois hélices e oito motores a diesel do tipo Sulzer, que permitiam desenvolver 22 nós (40,7 quilômetros horários) de velocidade de cruzeiro e 24 nós (44,4 quilômetros horários) em velocidade máxima. Tinha 193 metros de comprimento total e deslocava 21.120 toneladas de arqueação bruta.

 

Com a guerra, a conclusão do navio foi adiada às calendas gregas

 

O Willem Ruys permaneceu na rota para a Indonésia durante dez anos consecutivos, até dezembro de 1957. Foi então recolhido ao seu estaleiro construtor e recondicionado, antes de ser transferido, em maio de 1958, para a linha Roterdam-Nova Iorque (Holanda-Estados Unidos).

Seu novo emprego não durou muito e, após uma meia dúzia de viagens entre a Europa e o continente norte-americano, foi entregue ao Estaleiro Wilton-Fijennord para nova, desta vez extensiva, reforma.

O objetivo da RL era transformá-lo em um navio de primeira linha para a realização de uma nova linha marítima em torno do globo terrestre.

Ao sair do estaleiro, em Schiedam, no mês de fevereiro de 1959, o Willem Ruys tinha a nova capacidade de 23.114 tab e acomodações modernas para 247 passageiros em primeira classe e 770 em classe turística.

Fora dotado de estabilizadores Denny-Brown e de instalações de ar condicionado.

No dia 7 de março de 1959, o Willem Ruys iniciou serviço na ligação de volta ao mundo, saindo e voltando a Roterdam com escalas intermediárias de Oeste para Leste em Southampton (Inglaterra), Port Said, Suez (Egito), Colombo (Sri Lanka), Cingapura (Cingapura), Sydney (Austrália), Wellington, Canal do Panamá, Port Everglades (Flórida, Estados Unidos), Bermudas (Caribe) e Southampton.

Nesta gigantesca rota, o Willem Ruys realizou 26 viagens no total, numa das quais também escalou em Nova Iorque.

Sua última saída de Rotterdam para um giro ao mundo ocorreu em outubro de 1963, com retorno no dia 22 de setembro.

Em abril de 1963, as armadoras holandesas Rotterdamsche Lloyd e S.M. Nederland foram fundidas numa única empresa, que levou o nome de Nedlloyd Lines.

Neste reordenamento estatutário-jurídico, decidiu-se o futuro do Willem Ruys: deveria ser vendido.

Foi o armador italiano Achille Lauro, originário de Nápoles, o autor da melhor oferta de compra e, assim, em janeiro de 1964, o transatlântico mudou de proprietário.

Junto ao Willem Ruys, a Lauro Line adquiriu também outro transatlântico holandês pertencente ao Grupo Nedlloyd. Tratava-se do Oranje, antiga propriedade da Nederland e que fora construído em 1939.

Passando para a bandeira da Itália e com o porto de registro em Nápoles, foram rebatizados, respectivamente, com os nomes de Achille Lauro e Angelina Lauro, homenagem ao proprietário e sua esposa.

Antes de serem utilizados pelos novos proprietários, ambos os navios teriam de sofrer reformas e, em julho de 1965, foram entregues aos estaleiros Cantieri Riuniti, de Palermo (Itália), para modernização.

 

Em agosto de 1965, a primeira tragédia: uma explosão a bordo

 

E 29 de agosto de 1965, a primeira tragédia acontece: enquanto se encontrava no estaleiro, ocorre uma explosão a bordo do Achille Lauro, seguida por um incêndio, que é rapidamente dominado. O resultado são alguns operários feridos ou ligeiramente queimados e um considerável atraso nos trabalhos previstos.
Em março do ano seguinte, sai finalmente de Palermo, com seu casco pintado inteiramente de azul, superestrutura branca modificada com acréscimo de um enorme salão de festas envidraçado em redoma num arco de proa a altas chaminés também de cor azul, onde se destacavam, em cada uma, a estrela branca de cinco pontas, símbolo da armadora.

Sua tonelagem fora aumentada para 23.629 toneladas e sua capacidade de passageiros modificada para acomodar 152 pessoas em primeira classe e 1.155 em classe turística, totalizando 1.307.

No dia 13 de abril de 1966, zarpa de Gênova, Itália, com destino à Austrália e Nova Zelândia, realizando sua primeira viagem de linha por conta da Lauro.

Permanece em serviço nessa rota até dezembro de 1972, com um único incidente de navegação, quando em 1971 colide com um pequeno barco pesqueiro italiano e afunda-o, provocando a morte de um de seus tripulantes.

Mas é o fogo o tradicional inimigo do "grande navio azul", como era conhecido e chamado pelos marinheiros napolitanos.

No ano seguinte ao da colisão, no mês de maio, quando se encontrava em Gênova, em doca seca para reparos de manutenção, um violento incêndio se declara a bordo, felizmente sem provocar vítimas ou feridos.

A partir de 1973, o transatlântico passa a realizar cruzeiros de luxo e é nessa época que escala algumas vezes em Santos, atracando sempre no cais do Armazém 16.

A série de incidentes continua em abril de 1975, quando colide no Estreito de Dardanelles (Turquia) com um navio mercante de transporte de gado, o Youssof Bada, que afunda imediatamente com a perda de uma vida humana.

O outro grande transatlântico da Lauro Lines, o Angelina Lauro, já mencionado, foi também vítima do fogo quando realizava cruzeiro pelo Caribe. Em 30 de março de 1979, estava atracado em Charlotte Amalie, Saint Thomas, nas Ilhas Virgens, quando um foco de incêndio surgiu na cozinha de popa, esta destinada aos tripulantes, e rapidamente se propagou pelo navio. Tal foi a ferocidade das chamas que, em menos de uma hora, todo o transatlântico queimava.

Acorreram em seu socorro diversos rebocadores armados de canhões de água e outras embarcações, despejando-se a bordo do Angelina Lauro milhares de toneladas de água, que o fizeram afundar nas águas profundas da baía.

O navio adernou e continuou queimando por bem mais seis dias seguidos. Tal destruição rendia inútil qualquer tentativa de reconstrução e o transatlântico (ou o que dele restava) foi declarado perda total e abandonado aos seguradores, contra pagamento da quantia de 6 milhões de libras esterlinas, valor pelo qual estava segurado. Afortunadamente, a maioria de seus passageiros e tripulantes encontrava-se em terra firme quando da eclosão do sinistro e assim não houve vítimas a lamentar.

 

O neto de Achille Lauro suicidou-se aos 32 anos, por causas misteriosas

 

O "grande transatlântico azul", símbolo de uma cidade martirizada e sofredora (Nápoles), nome que leva na popa (ré) como porto de registro, é também vítima das circunstâncias negativas que o circundavam.

Por volta do início dos anos 80, a má sorte ronda em torno da família Lauro. O armador Achille, idoso, doente e cheio de dívidas, tenta ainda salvar as ruínas do seu passado império financeiro (no ápice da glória, possuía, além de uma frota de navios, estações de rádio e televisão, dois times de futebol e fortuna imobiliária).

Seu neto, Achille ele também de nome, provável sucessor nos negócios, suicida-se em julho de 1981, com a idade de 32 anos, por causas misteriosas.

A família do patriarca se divide em guerra aberta, cada ramo tentando salvar-se do naufrágio e Achille Lauro, numa desesperada tentativa de evitar a falência, põe a leilão todos os seus bens particulares. Em vão!

 

O navio é salvo, mas para o idoso armador é o fim. Falece no início de 1982

 

Não bastasse essa dramática situação da empresa, o "grande transatlântico azul" é novamente vítima do fogo. No dia 2 de dezembro de 1981, gigantesco incêndio estoura a meia nau do navio, quando este se encontrava navegando ao largo das Ilhas Canárias.

Passageiros evacuados, a tripulação consegue apagar as chamas com a ajuda de rebocadores vindos de Palma e Tenerife. O navio está danificado, mas salvo; porém, para o idoso armador é o fim. Ele falece no início de 1982.

Está gravada para sempre na memória a imagem alucinante de vários homens armados, correndo pelas pontes e salões do Achille Lauro, dando pontapés e ameaçando de morte os aterrorizados passageiros.

Estamos em outubro de 1985 e o cenário não é de cinema, bem sim o de uma ação armada pela Frente de Libertação da Palestina, cujos cinco homens invadem o transatlântico de armas em punho, quando este se encontrava ao largo de Alexandria, no Egito.

O objetivo é relatado ao comandante Gerardo De Rosa: "Israel, libere 52 prisioneiros palestinos que detém, se não mandaremos aos ares o navio inteiro e seus 450 passageiros".

Para reforçar a ameaça, escolhem ao acaso um passageiro de passaporte americano e origem judaica, o sr. Klinghoffer, e o jogam ao mar, na sua cadeira de paraplégico.

O episódio do seqüestro do Achile Lauro ficaria famoso em nível internacional e seria o tema de um filme para a televisão, com o ator Burt Lancaster fazendo o triste papel de Leon Klinghoffer.

A armadora Lauro Line, após sua liquidação financeira, foi adquirida, nos primórdios desta década (N.E.: anos 1990), por um magnata italiano, radicado na Suíça, Gianluigi Aponte, e o nome da empresa mudado para Starlauro.

Nápoles continuou a ser o porto de registro e o Achille Lauro, sempre pintado nas cores azul e branca, permaneceu fazendo cruzeiros de veraneio, ora no Mediterrâneo, ora no Oceano Índico, sem maiores problemas ou incidentes a serem notados.


O navio italiano incendiou-se em 30/11 e afundou em 2/12/94
Foto: Agência Reuter, publicada com a matéria

O último cruzeiro do transatlântico constava nos catálogos da Starlauro e das principais agências de viagens há muito tempo. Saída prevista de Gênova, Itália, em 19 de novembro de 1994, com escalas em Haifa (Israel) no dia 23, em Port Said (Egito) no dia seguinte, Suez, às portas do canal e antes de atravessá-lo em 25 e em Mahe (nas Ilhas Seychelles) em 2 de dezembro (ontem, segundo o programa dos catálogos) e chegada a Durban (África do Sul) no dia 9 deste mês, sexta-feira próxima (N.E.: esta parte da matéria foi publicada em 3/12/1994).

Para realizar essa viagem de alegria, sol e divertimentos, embarcaram 572 passageiros, a maioria em Gênova, outros poucos nos portos de escala seguintes.

Do total de passageiros, 214 eram de nacionalidade sul-africana, 150 eram alemães, o restante sendo composto de pessoas com diversos outros passaportes: britânicos, holandeses, italianos, suíços.

Para atender esse número de passageiros, havia a bordo uma tripulação de 408 pessoas, da qual mais de um quarto eram italianos.

São 3h59 de Greenwich Mean Time (GMT) – 1h59 de Brasília – de quarta-feira, dia 30 de novembro de 1994, quando de bordo do Achille Lauro é lançado o primeiro sinal de socorro na sigla SOS (socorro). O comandante Giuseppe Orsi, de 56 anos, é um velho lobo-do-mar.

Tão logo recebeu em sua cabina a informação de que um incêndio eclodia na sala de máquinas, dera ordens a todo o dispositivo anti-incêndio de entrar em ação, na tentativa de dominar as chamas, antes que estas se propagassem. Era pouco mais de meia-noite.

O sinal do Achille Lauro rebateu em Oslo e daí as autoridades alertaram os navios que se encontravam nas proximidades do sinistro.

As autoridades italianas foram avistadas pelo Centro Marítimo de Toulouse, no Sul da França. O ministro dos Transportes do governo italiano, Publio Fiori, ordena ao Centro das Capitanias dos Portos da Itália que coordene todas as operações de salvamento e resgate de passageiros e tripulantes.

A Marinha dos Estados Unidos despacha, a pedido dos italianos, dois navios de guerra estacionados na base de Diego Suarez: o cruzador Gettysburg e a fragata Hallyburton.

Missão: recolher os náufragos que se encontram em condições de alojamento precárias no convés do petroleiro Hawaiian King.

Em terra firme, consulados e embaixadas italianas na Somália, no Quênia e nas Seychelles se movimentam, preparado o recebimento dos náufragos.

O governo italiano ordena o envio de dez aviões (um Boeing 707, dois C-130 e sete G-222) da Aeronáutica Militar da Itália para Mombasa (no Quênia), a fim de repatriar os passageiros e tripulantes do Achille Lauro.

O comandante Orsi, recolhido juntamente com outras 48 pessoas a bordo do navio mercante grego Treasure Island, declara ao capitão deste, comandante Skapinakis, que o incêndio começou na sala de máquinas de seu transatlântico.

São 6 horas GMT ou 10 horas locais (4 horas em Brasília) de sexta-feira, 2 de dezembro. O Achille Lauro, três dias após o eclodir do incêndio, ainda queima.

Adernado (inclinado) em cerca de 20 graus, apresenta dois grandes focos de fogo. Um à popa e outro a boreste (lado direito) do casco, a três quartos de ré. Este último foco parece ser o mais violento, tendo aberto uma enorme cratera no casco e no ventre do navio.

Contra todas as previsões, o antigo navio permanece ainda flutuando. Parece que se obstina a permanecer vivo, foge ao destino que lhe indica o fundo do oceano como sua última etapa.

De Suez, partem dois rebocadores de alto-mar que, segundo a fórmula no cure - no pay (sem resgate não há pagamento), tentarão arrastá-lo até o porto mais próximo.

O Achille Lauro dispunha de dez divisões estanques transversais, com 19 portas estanques de deslize horizontal comandadas com sistema hidráulico da ponte de comando. O comandante Orsi mandou acioná-las tão logo soube do incêndio.

O grande transatlântico azul pode flutuar com até dois de seus 11 compartimentos do casco inundados.

As cenas filmadas nas últimas horas não são indicadoras de um perigo de naufrágio iminente e o Achille Lauro continua a flutuar.

Até quando? Conseguirá o velho casco permanecer flutuando? Agüentarão as paredes e portas estanques?

De qualquer modo, parece certeza que mesmo que isto possa acontecer, dificilmente o "grande navio azul" poderá voltar a navegar majestoso no grande oceano azul.

Achille Lauro:

Outros nomes: Willem Ruys (até 1965)
Bandeira: Itália
Armador: Star Lauro, de Nápoles
Tipo: navio de passageiros
País construtor: Holanda
Estaleiro construtor: Koninklijke Maatss.de Schelde (casco nº 214)
Porto de construção: Vlissingen
Ano da entrega: 1947
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 23.862 t
Arqueação líquida: 13.601 t
Peso morto: 3.937 t
Comprimento: 195,97 m
Boca (largura): 25,05 m
Calado: 11,71 m
Motor principal: Sulzer
Potência: 7.999 HP
Velocidade: 22 nós (40,7 km/h)
Passageiros: 1.017 (depois 1.307)
Classes: 1ª - 247 (depois 152)
     turística - 770 (depois 1.155)

Fonte: Lloyd's Register

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 2 e 3/12/1994, e em 12/1/1995