TERCEIRO SETOR
Poder do voluntariado toma o poder
Organizações privadas transcendem fronteiras e têm poderio econômico e político cada vez maior
Carlos Pimentel Mendes (*)
Nós nos acostumamos a dizer que no Brasil existem os Três Poderes da República - Legislativo, Executivo e Judiciário. No Império, tivemos ainda o poder Moderador, exercido pelo imperador. Modernamente se diz que há um quarto poder, representado pela Imprensa. Mais recentemente, também compartilhado pelo Ministério Público. Teoricamente, a Igreja é um poder, mas não no sentido terreno (a despeito de suas catedrais e da existência de um país chamado Vaticano). E - jocosamente ou não - há quem diga que certas organizações criminosas formam também um poder paralelo, que em alguns lugares e momentos consegue ser o maior de todos. Em meio a tantos poderes, efetivos ou não, paira outro conjunto de organizações que também têm ou disputam o poder, e que tanto podem atuar numa única rua como em todo o planeta, às vezes estendendo os efeitos de suas ações a outros lugares no universo: as ONGs, também chamadas de Organizações do Terceiro Setor e de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), entre outras classificações.
Imagem: Felipe Simon
Pesquisa do The Johns Hopkins Center for Civil Society Studies, realizada em 35 países, incluindo o Brasil, mostra que este setor emprega 39,5 milhões de pessoas, ou cerca de 6,8% da população em idade de trabalhar não ligada à agricultura. As organizações sem fins lucrativos já empregam 46% das vagas oferecidas pelo setor público no mundo (no Brasil, dados do Instituto de Estudos da Religião – ISER – indicam que o setor já emprega 1,2 milhão de pessoas). Assim, além dos efeitos políticos crescentes, há também a se considerar a influência cada vez maior dessas organizações na economia mundial. Juntas, seriam a sexta nação mais rica do mundo, empregando mais do que as indústrias têxtil (4 milhões de empregados), alimentar (4 milhões), de utilidades (8 milhões) e de transportes (33 milhões).
Só no Brasil, existem mais de 500 mil dessas associações, conhecidas como organizações não governamentais (ONGs) embora apenas pouco mais que a metade delas se encaixe nos perfis mínimos para o enquadramento efetivo na categoria de Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos (Fasfil), segundo dados da Associação Brasileira de ONGs (Abong).
Elas conseguem movimentar mais de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, contando já em 1998 com 44,2 milhões de doadores pessoas físicas, ou metade da população adulta nacional, informam os dados do projeto Comunidade Solidária. E, ao contrário do que muitos pensam, a participação do governo em sua capitalização é bem pequena (15% do bolo de recursos), enquanto a filantropia responde por 11% de seus recursos e os demais 74% provêm de mensalidades e taxas pagas por serviços ou produtos (em países mais desenvolvidos, a participação governamental é maior. Nos EUA, o setor público banca 31% dos recursos).
No Brasil, elas começaram a surgir em 1981 (a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Fase – foi a primeira ONG nacional), e mais de 60% delas apareceram na década de 90, sendo que a cada década mais se acelera o ritmo de seu crescimento. Seguiam a princípio modelos internacionais, que destacavam como principal característica o fato de não fazerem parte de governos constituídos. Modernamente, estão ganhando nova estrutura organizacional, com a denominação de Oscips.
Embora existam requisitos mínimos para seu enquadramento, permitindo que sejam acreditadas como tal perante a sociedade, nem de longe eles restringem a capacidade organizativa desse tipo de entidade. Elas podem, por exemplo, ter ramificações por todo o planeta, movimentar recursos e mobilizar cidadãos em qualquer lugar do mundo para a sua causa, obter assento (e influência) em fóruns e congressos os mais diversos (a Legião da Boa Vontade – LBV – foi, em 1994, a primeira reconhecida pela ONU, organismo no qual conquistou a condição de organização consultiva em 1999).
Essas facilidades associativas são o principal trunfo que permite a sua agilidade e capacidade de reação rápida. É por isso que uma entidade como a World Wild Life (WWF) tem cerca de cinco milhões de associados distribuídos pelos cinco continentes, enquanto o Greenpeace, fundado em 1971 no Canadá, tem hoje 2,8 milhões de associados em 41 países - e uma instância internacional de supervisão, cuja sede fica na Holanda. Seus ativistas podem iniciar uma campanha, a qualquer momento em que se registre uma agressão ambiental, tanto no Guarujá como em pleno Mar do Norte ou no Alasca.
Essa capacidade associativa tanto pode ser mobilizada contra um governo ou regime político (caso da Anistia Internacional), como em resposta a uma crise humanitária em algum lugar do mundo (por exemplo, a associação Médicos sem Fronteiras), ou relacionada a uma religião (a polêmica Opus Dei, fundada em 1928 pelo agora santificado padre espanhol Josemaria Escrivá, se considera, de certo modo, uma precursora das ONGs no mundo)
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"A sociedade precisará encontrar meios eficazes para separar entidades com propósitos sérios daquelas que visam tão-somente..."
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Presença e ausência - O Brasil é visto como um dos países com mais ONGs no mundo, senão o principal. Se tal número é positivo em termos da mobilização voluntária dos brasileiros, o desmedido crescimento do assim chamado Terceiro Setor também demonstra a ausência do Estado nas atividades que lhe dizem respeito.
O incremento descontrolado no número de ONGs e assemelhados também dificulta a distribuição de verbas – advindas dos setores públicos, das empresas, diretamente da sociedade ou ainda de outras ONGs que tenham objetivos semelhantes -, fragilizando economicamente tais organizações.
Isso também abre portas para a corrupção, como a verificada em outros poderes, e aliás em qualquer organização formada por seres humanos e onde existam interesses envolvidos, já que sempre haverá alguém querendo fazer os fins justificarem os meios.
Desta forma, a sociedade precisará encontrar meios eficazes para separar entidades com propósitos sérios daquelas que visam tão-somente obter vantagens pessoais para seus fundadores, as ONGs "de fachada"; depurar mais rapidamente o setor, fazendo com que sejam excluídas as entidades corruptas ou envolvidas em esquemas de corrupção (como no caso da "máfia das ambulâncias", recém-descoberta na "Operação Sanguessuga"); e impedir que entidades danosas à sociedade se formem e se mantenham, sem no entanto impedir a liberdade associativa e a livre expressão das idéias.
O que não é tarefa simples, se compararmos com as igrejas de todo tipo que também vêm sendo criadas, algumas das quais têm como objetivo apenas a salvação de malotes de cédulas seriadas novinhas em folha, que dizem ter recolhido nas sacolinhas das esmolas ofertadas pelos fiéis...)
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio. |