MEIO-AMBIENTE
Qual o risco
dos transgênicos?
Produtos agrícolas viram
marcas registradas, sem controle sobre a contaminação genética
da Natureza e sobre a identificação para o consumidor
Carlos Pimentel Mendes (*)
No
Canadá, o cruzamento entre a canola (colza) transgênica (resistente
ao agrotóxico glifosato) com a variedade também transgênica
Liberty Link (resistente ao agrotóxico gluofusinato) e em seguida
com a canola não transgênica Clearfield (resistente ao herbicida
do grupo imidazolinona) resultou numa erva daninha poderosa, só
combatida por um produto químico altamente tóxico, chamado
2,4 D.
Este é
um exemplo dos pesadelos não previstos pelos cientistas – que nem
tiveram tempo para toda a experimentação necessária
– no desenvolvimento dos organismos geneticamente modificados (OGMs ou
transgênicos). Que têm um propósito nobre: criar seres
melhorados, que não sejam afetados por agrotóxicos, mais
resistentes aos rigores da natureza e às pragas... e mais produtivos.
Plantas e animais
têm seus genes alterados ou transferidos de uns para outros, e variantes
aparentemente ideais são lançadas no mercado, sem que se
tenha feito exaustivos estudos sobre efeitos colaterais. Autoridades são
convencidas a liberar tais produtos na natureza, com base em análises
técnicas criadas pelos próprios interessados e portanto de
evidente suspeição. E você, leitor/consumidor, alvo
final de todo esse processo, nem sabe que já está ingerindo
produtos que poderão ter efeitos incertos sobre seu organismo. Talvez
deixá-lo estéril, por exemplo.
O problema canadense: cruzamentos sem controle entre variedades de canola (colza) Imagem: Cartilha
sobre Transgênicos do Greenpeace
As denúncias
dos ambientalistas - à frente a organização Greenpeace
- são sérias e documentadas o suficiente para preocupar qualquer
um. Mas a questão é também econômica e toca
nas raias da soberania nacional. Pois se qualquer um pode plantar arroz,
feijão e soja comuns, só quem compra da Monsanto pode plantar
soja RoundUp, transgênica e marca registrada. E se de plantas comuns
se pode obter sementes para novos plantios, as variedades transgênicas
exigem normalmente que a cada safra sejam adquiridas novas sementes. Com
o devido pagamento de royalties embutido no preço. O que
significa saída de divisas nos países importadores das sementes.
Ao mesmo tempo
- e talvez seja a maior preocupação -, os campos cultivados
com produtos transgênicos ficam ao lado de fazendas de produção
comum. E, pela ação de ventos, chuvas e animais, ocorre a
miscigenação entre os cultivos, entre outras alterações
ambientais insuficientemente documentadas. Como no caso das canolas canadenses.
Em outros casos, a vizinhança do cultivo transgênico inviabiliza
o cultivo da variedade comum, não resistente por exemplo à
carga de agrotóxicos aplicada sobre a plantação transgênica,
que contamina lençóis freáticos e indiretamente leva
ao aparecimento de super pragas e ao desequilíbrio biológico.
E o lobby
dos produtores de transgênicos já cerceia até o direito
dos proprietários de culturas não transgênicas. Como
no Paraná, onde existe inclusive um acordo comercial com a Europa
que garantiria tratamento diferenciado aos produtos agrícolas paranaenses,
desde que se possa atestar que produtos transgênicos não se
misturem aos comuns. Usando uma medida judicial liminar, já deixou
o porto de Paranaguá um navio com soja transgênica para a
Europa. Em Brest (França), ativistas tentam impedir a descarga do
produto, acusando a embarcadora Cargill de, entre outras coisas, concorrer
para o desmatamento da Amazônia, com seus silos para soja.
Autoridades
são convencidas a liberar os produtos na Natureza, com base em análises
criadas pelos próprios interessados. Colocados à venda, nem
sempre estampam o selo exigido pela legislação Foto: www.mds.gov.br
Risco real
- E o produto transgênico mais conhecido no Brasil, a soja marca
RoundUp, da empresa Monsanto, é bem o exemplo do que preocupa os
ambientalistas. Para liberar o cultivo dessa varidade, a empresa apresetou
às autoridades estadunidenses documentação onde afirmava
que apenas uma cópia da construção quimérica
(pacote de genes de vírus e bactérias inserido na planta)
estava presente no produto. Em maio de 2000, entretanto, foram descobertos
fragmentos adicionais de DNA nessa soja, e a Monsanto alegou então
que tais segmentos são inativos (não funcionais).
Em 2001, uma
equipe independente de cientistas provou que, ao contrário, alguns
desses segmentos são funcionais, o que é admitido agora pela
empresa. Significa que este DNA vem transcrevendo o produto intermediário,
o RNA, a um passo de produzir uma proteína desconhecida, imprevista
e nunca testada, e portanto de conseqüências inimagináveis.
Isso pode ser desencadeado em algumas gerações ou em tempos
de estresse da planta (situações de seca ou chuva excessiva).
Desinformação
- Já não bastasse o conhecimento pequeno que a população
tem das diferenças entre organismos naturais (sem alteração
artificial de suas características), geneticamente melhorados (em
que ocorre seleção de características favoráveis,
mas não há transplante de genes de outras origens) e geneticamente
modificados (em que esse transplante ocorre), os múltiplos interesses
econômicos contribuem para mascarar os problemas e aumentar a desinformação
reinante. Empresas consumidoras de transgênicos lutam para não
ser obrigadas a estampar claramente em seus produtos alimentares a informação
de que foram elaborados com transgênicos, cerceando indiretamente
o próprio direito do consumidor de optar por não consumi-los.
Raro
é o produto de origem transgênica vendido no Brasil que tenha
estampado no rótulo o triângulo com uma letra "T". Isso é
previsto diretamente na portaria 2.658/03 do Ministério da Justiça
e na lei federal 11.105/05, bem como no decreto 4.680/03 e indiretamente
na lei federal 8.078/90.
E há
riscos nisso? A verdade é que não se sabe até onde
eles vão. Por um lado, há os impactos ambientais que sentiremos
a longo prazo, como diminuição na biodiversidade, contaminação
genética, surgimento de superpragas, desaparecimento de espécies
benéficas, aumento do uso de herbicidas (contaminando os solos).
Em relação à saúde humana, notou-se o aumento
de casos de alergia, principalmente entre crianças, e um aumento
da resistência humana a antibióticos. Pode acontecer ainda
de plantas trasngênicas produzirem substâncias novas e desconhecidas,
tóxicas ao ser humano.
Para completar
o cenário, existem experimentos quanto à produção
de organismos vivos capazes de produzir medicamentos. Se tais exemplares
saírem dos ambientes controlados de laboratório e chegarem
aos campos, pode acontecer de em breve futuro ingerirmos sem saber hormônios
que alterem nosso corpo, talvez nos deixando estéreis. O mundo tem
sobejas provas de que não há controle absoluto sobre o processo,
mesmo quando ele é conhecido (como no caso de bois doentes que se
misturaram recentemente no Mato Grosso com os sadios, obrigando ao sacrifício
de rebanhos inteiros e à suspensão da venda de produtos bovinos
ao exterior). Quanto mais, se as mudanças são imprevisíveis
e podem não ser detectadas a tempo (como no caso da gripe aviária,
que já passou aos mamíferos e ameaça chegar aos humanos)?
Phil Angell,
diretor de comunicação da Monsanto, declarou: "A Monsanto
não tem que garantir a segurança dos alimentos transgênicos.
Nosso interesse é vender o quanto mais possível. Garantir
a segurança é trabalho do FDA” (a agência governamental
dos EUA responsável pela liberação dos medicamentos.
Já os ambientalistas lembram que a segurança dos alimentos
transgênicos nunca foi avaliada com o mesmo rigor usado pela indústria
farmacêutica para testar os medicamentos Imagem e informações
da legenda: Cartilha
sobre Transgênicos do Greenpeace
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio. |