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Edição 151 - MAI-JUN/2006
MEIO-AMBIENTE

Qual o risco dos transgênicos?

Produtos agrícolas viram marcas registradas, sem controle sobre a contaminação genética da Natureza e sobre a identificação para o consumidor

Carlos Pimentel Mendes (*)

No Canadá, o cruzamento entre a canola (colza) transgênica (resistente ao agrotóxico glifosato) com a variedade também transgênica Liberty Link (resistente ao agrotóxico gluofusinato) e em seguida com a canola não transgênica Clearfield (resistente ao herbicida do grupo imidazolinona) resultou numa erva daninha poderosa, só combatida por um produto químico altamente tóxico, chamado 2,4 D.

Este é um exemplo dos pesadelos não previstos pelos cientistas – que nem tiveram tempo para toda a experimentação necessária – no desenvolvimento dos organismos geneticamente modificados (OGMs ou transgênicos). Que têm um propósito nobre: criar seres melhorados, que não sejam afetados por agrotóxicos, mais resistentes aos rigores da natureza e às pragas... e mais produtivos.

Plantas e animais têm seus genes alterados ou transferidos de uns para outros, e variantes aparentemente ideais são lançadas no mercado, sem que se tenha feito exaustivos estudos sobre efeitos colaterais. Autoridades são convencidas a liberar tais produtos na natureza, com base em análises técnicas criadas pelos próprios interessados e portanto de evidente suspeição. E você, leitor/consumidor, alvo final de todo esse processo, nem sabe que já está ingerindo produtos que poderão ter efeitos incertos sobre seu organismo. Talvez deixá-lo estéril, por exemplo.


O problema canadense: cruzamentos sem controle entre variedades de canola (colza)
Imagem: Cartilha sobre Transgênicos do Greenpeace

As denúncias dos ambientalistas - à frente a organização Greenpeace - são sérias e documentadas o suficiente para preocupar qualquer um. Mas a questão é também econômica e toca nas raias da soberania nacional. Pois se qualquer um pode plantar arroz, feijão e soja comuns, só quem compra da Monsanto pode plantar soja RoundUp, transgênica e marca registrada. E se de plantas comuns se pode obter sementes para novos plantios, as variedades transgênicas exigem normalmente que a cada safra sejam adquiridas novas sementes. Com o devido pagamento de royalties embutido no preço. O que significa saída de divisas nos países importadores das sementes.

Ao mesmo tempo - e talvez seja a maior preocupação -, os campos cultivados com produtos transgênicos ficam ao lado de fazendas de produção comum. E, pela ação de ventos, chuvas e animais, ocorre a miscigenação entre os cultivos, entre outras alterações ambientais insuficientemente documentadas. Como no caso das canolas canadenses. Em outros casos, a vizinhança do cultivo transgênico inviabiliza o cultivo da variedade comum, não resistente por exemplo à carga de agrotóxicos aplicada sobre a plantação transgênica, que contamina lençóis freáticos e indiretamente leva ao aparecimento de super pragas e ao desequilíbrio biológico. 

E o lobby dos produtores de transgênicos já cerceia até o direito dos proprietários de culturas não transgênicas. Como no Paraná, onde existe inclusive um acordo comercial com a Europa que garantiria tratamento diferenciado aos produtos agrícolas paranaenses, desde que se possa atestar que produtos transgênicos não se misturem aos comuns. Usando uma medida judicial liminar, já deixou o porto de Paranaguá um navio com soja transgênica para a Europa. Em Brest (França), ativistas tentam impedir a descarga do produto, acusando a embarcadora Cargill de, entre outras coisas, concorrer para o desmatamento da Amazônia, com seus silos para soja.


Autoridades são convencidas a liberar os produtos na Natureza, com base em análises criadas pelos próprios interessados. Colocados à venda, nem sempre estampam o selo exigido pela legislação
Foto: www.mds.gov.br

Risco real - E o produto transgênico mais conhecido no Brasil, a soja marca RoundUp, da empresa Monsanto, é bem o exemplo do que preocupa os ambientalistas. Para liberar o cultivo dessa varidade, a empresa apresetou às autoridades estadunidenses documentação onde afirmava que apenas uma cópia da construção quimérica (pacote de genes de vírus e bactérias inserido na planta) estava presente no produto. Em maio de 2000, entretanto, foram descobertos fragmentos adicionais de DNA nessa soja, e a Monsanto alegou então que tais segmentos são inativos (não funcionais).

Em 2001, uma equipe independente de cientistas provou que, ao contrário, alguns desses segmentos são funcionais, o que é admitido agora pela empresa. Significa que este DNA vem transcrevendo o produto intermediário, o RNA, a um passo de produzir uma proteína desconhecida, imprevista e nunca testada, e portanto de conseqüências inimagináveis. Isso pode ser desencadeado em algumas gerações ou em tempos de estresse da planta (situações de seca ou chuva excessiva).

Desinformação - Já não bastasse o conhecimento pequeno que a população tem das diferenças entre organismos naturais (sem alteração artificial de suas características), geneticamente melhorados (em que ocorre seleção de características favoráveis, mas não há transplante de genes de outras origens) e geneticamente modificados (em que esse transplante ocorre), os múltiplos interesses econômicos contribuem para mascarar os problemas e aumentar a desinformação reinante. Empresas consumidoras de transgênicos lutam para não ser obrigadas a estampar claramente em seus produtos alimentares a informação de que foram elaborados com transgênicos, cerceando indiretamente o próprio direito do consumidor de optar por não consumi-los.

Raro é o produto de origem transgênica vendido no Brasil que tenha estampado no rótulo o triângulo com uma letra "T". Isso é previsto diretamente na portaria 2.658/03 do Ministério da Justiça e na lei federal 11.105/05, bem como no decreto 4.680/03 e indiretamente na lei federal 8.078/90.

E há riscos nisso? A verdade é que não se sabe até onde eles vão. Por um lado, há os impactos ambientais que sentiremos a longo prazo, como diminuição na biodiversidade, contaminação genética, surgimento de superpragas, desaparecimento de espécies benéficas, aumento do uso de herbicidas (contaminando os solos). Em relação à saúde humana, notou-se o aumento de casos de alergia, principalmente entre crianças, e um aumento da resistência humana a antibióticos. Pode acontecer ainda de plantas trasngênicas produzirem substâncias novas e desconhecidas, tóxicas ao ser humano.

Para completar o cenário, existem experimentos quanto à produção de organismos vivos capazes de produzir medicamentos. Se tais exemplares saírem dos ambientes controlados de laboratório e chegarem aos campos, pode acontecer de em breve futuro ingerirmos sem saber hormônios que alterem nosso corpo, talvez nos deixando estéreis. O mundo tem sobejas provas de que não há controle absoluto sobre o processo, mesmo quando ele é conhecido (como no caso de bois doentes que se misturaram recentemente no Mato Grosso com os sadios, obrigando ao sacrifício de rebanhos inteiros e à suspensão da venda de produtos bovinos ao exterior). Quanto mais, se as mudanças são imprevisíveis e podem não ser detectadas a tempo (como no caso da gripe aviária, que já passou aos mamíferos e ameaça chegar aos humanos)?


Phil Angell, diretor de comunicação da Monsanto, declarou: "A Monsanto não tem que garantir a segurança dos alimentos transgênicos. Nosso interesse é vender o quanto mais possível. Garantir a segurança é trabalho do FDA” (a agência governamental dos EUA responsável pela liberação dos medicamentos. Já os ambientalistas lembram que a segurança dos alimentos transgênicos nunca foi avaliada com o mesmo rigor usado pela indústria farmacêutica para testar os medicamentos
Imagem e informações da legenda: Cartilha sobre Transgênicos do Greenpeace


(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.