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Edição 148 - Jan/2006
Religião

A fé no poder

Transformações estão ocorrendo, motivadas mais pela economia e pela política do que pelas religiões em si

Carlos Pimentel Mendes (*)

2006 é um ano predestinado? Para os que acreditam na chamada Nova Era, sim, é agora que começam as grandes transformações. Outros pensarão que neste ano apenas haverá a continuidade das mudanças pelas quais a Humanidade passa, e que vem de longe, do tempo de Cristo, de Maomé, de Alá, dos profetas, de Buda... ou do macaco. Os mais céticos dirão que na verdade, existe apenas um processo de luta pelo poder temporal, por coisas tão mesquinhas como... petróleo.

Os sintomas de que algo mais borbulha sob a superfície podem ser observados pelos mais atentos. Por exemplo, vemos novos embates entre cristãos e muçulmanos, como no tempo das Cruzadas. Da mesma forma, com interesses mais geopolíticos do que de propagação da fé. Como antes, as forças armadas dos cristãos chegam ao centro dos países islâmicos, e estes invadem por dentro o núcleo dos países católicos.

Ou seja, antes os cavaleiros cruzados, com a cruz de Cristo e santa autorização para grandes pilhagens pelo caminho, chegavam a Meca. Agora, são os fuzileiros que, em nome do combate ao terrorismo dito islâmico, invadem Iraque e brevemente o Irã, não por acaso os principais produtores de petróleo, junto com o já invadido Afeganistão. Na mão contrária, os mouros e judeus - que deixaram suas marcas até na península ibérica, séculos atrás – retornam como imigrantes e usam os sistemas legais do Ocidente para reclamar seus direitos. Ou bombas explodem em Londres e Madrid, carros são incendiados na França e na Alemanha, aviões atingem prédios em New York e Washington.

Não há santos nessa história... Poderosos interesses movem todas as facções, nessa luta que está longe de terminar. Religião? Só uma desculpa, para fazer com que fanáticos de todos os tipos cumpram ordens, após condicionamento cerebral. Homens-bomba se explodem acreditando em promessas de Paraíso. Soldados morrem crendo que seu governo leva as benesses da democracia a regiões "bárbaras", assim libertadas de lideranças opressoras.

Dentro de 40 anos, acabado o petróleo no mundo, virão buscar a água do Brasil. As desculpas já estão prontas: dar autonomia aos povos indígenas, acabar com o narcotráfico, talvez mesmo combater imaginários terroristas que os mesmos impérios fabricaram, da mesma forma como criaram Osama bin Laden – que nem todos os recursos de satélites espiões e ampla rede de espionagem permitem capturar. Bem, interessa tal captura? Ou é melhor deixar solta uma ótima desculpa, a ser usada a qualquer momento em que se queira invadir um país?

Afinal, não dá mais para usar aquela história de levar a civilização e os ensinamentos divinos aos povos "bárbaros" – em troca da prata do Potosí, do ouro de Vila Rica, da escravidão. A História, bem estudada, geralmente mostra que quando os ditos "civilizados" atacavam os "bárbaros", na verdade a cultura do povo "bárbaro" era muito mais rica e pura que a do invasor. Tanto, que boa parte dos costumes do povo invadido eram adotados pelo invasor. Que é a Páscoa dos cristãos, se não uma adaptação dos cultos pagãos da fertilidade? Que é o Dia das Bruxas, a nova sensação do Primeiro Mundo civilizado? Quem foi Papai Noel?

Por outro lado, que é a Noite de São Bartolomeu (24/8/1572), senão o massacre de 70.000 protestantes, nas ruas de Paris, festejado pelo papa Gregório XII com um culto em ação de graças? E a Santa Inquisição, pouco antes? E os hoje escondidos laços entre o nazismo e a cúpula da igreja Católica? Por que essa comunidade, tão inflexível em normas como as do celibato e do divórcio, age tão diplomaticamente quando seus representantes maiores praticam atos condenáveis por qualquer moral? Se tantos passam fome no mundo, o que justifica a suntuosidade dos templos – aliás, não só católicos -, só comparável à dos bancos? 

E a paz, pela qual todas as religiões oficialmente suspiram, quem cuida dela? Os judeus, impedindo a formação da pátria palestina num solo biblicamente palestino? Os católicos e protestantes, lutando entre si pelo poder na Irlanda do Norte? Talvez a milionária Igreja Universal, expandindo suas bases econômicas (digo, de fiéis) na África, em atritos com as religiões dos povos locais? O não menos milionário Vaticano, que apesar das boas intenções de alguns de seus líderes, tem ramificações econômicas estranhas – como ser acionista de fábricas de armamentos e de laboratórios produtores de anticoncepcionais –, enquanto o papa faz discursos em prol da paz e condena o controle da natalidade...

Será que as religiões querem mesmo a paz? Antigamente, seus líderes se diziam apóstolos da fé. Hoje, são guerreiros na causa do Senhor. Guerreiros que transportam malas de dinheiro entre diferentes pontos do mundo, arrecadado da própria miséria intelectual de seus fiéis, que não percebem quando são manipulados para dar até o que não têm, sob pena do Divino Castigo - como se o Pai de Todos fosse um carrasco ególatra, vaidoso, que castiga os filhos que não O glorificarem (lógico, através dos "passadores de sacolinha", que evidentemente não dizem isso aos dizimistas, eles têm formas mais eficientes de aterrorizá-los com a cólera divina...).

E a Bíblia, o Alcorão e outros livros sempre têm uma frase que justifica qualquer coisa, desde que devidamente "interpretada"... Já os livros e filmes que contrariarem as interpretações "adequadas" são imediatamente expurgados, tanto pelos islâmicos como pelos católicos. Nos subterrâneos do papado, por exemplo, corre agora uma guerra para forçar uma interpretação do terceiro segredo de Nossa Senhora de Fátima, que o Vaticano quer considerar assunto encerrado, não hesitando até em adulterar uma mensagem escrita pela irmã Lúcia em maio de 1982, para esconder que nem a Rússia foi consagrada àquela santa, nem a profecia se refere ao ataque sofrido pelo papa João Paulo II. Esconder, portanto, que a profecia ainda não se cumpriu.

Os exemplos são recentes. Até mesmo nas escolas primárias de um país que investe alto na pesquisa científica, os EUA, tenta-se proibir o ensino da teoria evolucionista, comprovada nos principais pontos por evidências arqueológicas, colocando-se no seu lugar a nada científica tese revisionista.

No dia 24/1/2002, às 8h40, um trem especial deixou a estação do Vaticano, levando mais de 300 representantes de todas as principais religiões do mundo, numa viagem a Assis, promovida pelo próprio Papa João Paulo II. Ali, pela primeira vez, firmaram um solene compromisso pela paz, pelo fim da violência, das guerras, do terrorismo.

Mas, querem mesmo as religiões a paz? Como continuam então abrigando as respectivas facções fundamentalistas, que se acreditam as verdadeiras representantes de Deus na Terra, com a missão de expurgá-la de todos os não-fundamentalistas? Se o objetivo é o mesmo, por quê a Opus Dei briga com o Vaticano, e bispos evangélicos saem para fundar suas próprias "religiões"?

Ante essa atitude dupla ou dúbia, quem tem assumido o papel de promotor da paz, no lugar das religiões, é a sociedade civil, através de organizações não governamentais civis e laicas, que se articulam via celular e Internet, realizando, por exemplo, manifestações simultâneas mundiais contra a invasão do Iraque. Mesmo que Nações Unidas, governos e religiões finjam não ouvir o clamor internacional. 

Há quem diga que esses embates políticos e religiosos, toda a nossa perplexidade ante o crescimento dos atos ditos de "barbarismo" e dos entrechoques violentos de ideologias são parte de algo maior. Que são conseqüências necessárias do processo de mudança de mentalidade, de uma transição conduzida por espíritos de luz habitantes de dimensões paralelas, que nos guiam com suas altas vibrações.

A novidade é que já teríamos ultrapassado o "ponto sem volta" nessas mudanças: 2006 é apregoado como o ano em que a massa crítica dos seres humanos que completaram a transição para um nível superior torna possível enfim chegar ao clímax na transformação da terra. Um portal de luz foi aberto para nos ajudar nessa passagem, afirma-se.

Religião é uma palavra que vem de re-ligare, religar ou reconectar. Muitos acreditam que essa reconexão começa efetivamente agora, com os seres humanos assumindo os novos papéis a que estão destinados, como Trabalhadores da Luz, em seus papéis humanitários em todo o mundo. Como dizem eles, agora a luz vai chegar e "a festa vai começar". Oxalá...

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.

 

Todas as religiões buscam alcançar o Céu/Paraíso: muitas, na verdade, constróem grandes templos tentando alcançar o Céu terreno, o poder temporal. Daí as guerras, em que o interesse religioso é apenas desculpa. Nesse contexto, organizações leigas têm de intervir, mobilizando-se em busca da paz que as religiões não encontram.
Foto: divulgação