Reconstrução
Nova New Orleans?
Polêmica nos EUA, após
a passagem do furacão Katrina
Carlos Pimentel Mendes (*)
Num tempo
em que muitas cidades no mundo planejam seu futuro dentro da metodologia
da Agenda 21, tentando diagnosticar a situação atual e corrigir
distorções, a comunidade estadunidense de New Orleans tem
uma oportunidade única de resolver seus maiores problemas estruturais
e se preparar seu desenvolvimento para as próximas décadas.
Parcialmente arrasada pelo recente furacão Katrina e pelas falhas
governamentais que agravaram ainda mais os estragos causados pela Natureza,
a cidade enfrenta, no entanto, um sério dilema, evidente quando
alguns opinam que ela sequer deveria ter sido criada ali. E alinham motivos
para que ela seja transferida para local mais seguro.
New Orleans Foto: Richard
Nowitz/New Orleans Metropolitan Convention and Visitors Bureau (New
Orleans CVB)
Reconstruir o quê? É
a primeira pergunta, que muitos fazem ao ver que o furacão destruiu
justamente a área de favelas, onde campeavam a violência e
os piores índices de qualidade de vida. Mas há quem defenda
a reconstrução exatamente como estava tudo, em nome do charme
da tradicional cidade. Bem, é o mesmo dilema que enfrentariam, por
exemplo, os cidadãos do Rio de Janeiro se uma catástrofe
natural ou política fizesse sumir as favelas cariocas: alguns reclamariam
a sua imediata reedificação, em nome da preservação
dos locais que inspiraram músicas como "Ave Maria no Morro" e se
tornaram um celeiro de escolas de samba.
Avanço
do furacão Katrina, em fins de agosto/2004, sobre New Orleans Foto: divulgação
Nas terras do Dixieland, as áreas
mais atingidas pelo furacão foram aquelas resgatadas do pântano,
incluindo aterro parcial do lago Pontchartrain, e mantidas secas por um
sistema de diques, que, devido à falta de conservação,
acabaram se rompendo com a tempestade. Se a decisão dos antigos
moradores for de não retornar a esses locais, poderia ser até
cancelada a reconstrução dos diques, privilegiando-se outras
formas de remodelação da área, menos agressivas à
Natureza.
Situação
da cidade após o foracão: zona turística preservada Foto: página
Web do New Orleans Real State Journal, de New Orleans
Na verdade, os tradicionais destinos
turísticos de New Orleans continuam lá: o Bairro Francês,
Garden District, Black Pearl e West Riverside sobreviveram e continuarão
atraindo os turistas. E, apesar do pessimismo reinante em alguns segmentos,
que não acreditam no retorno imediato das empresas e seus funcionários
à cidade – muitas delas, inclusive, já anunciaram ter desistido
de New Orleans –, já está surgindo uma euforia com as grandes
perspectivas de obras necessárias na região. O reverso do
desastre é a oportunidade da reconstrução. Até
a debandada de algumas empresas abre espaço para outras entrarem
no seu lugar.
Neste momento, o que os habitantes
(remanescentes) de New Orleans têm que definir primeiro é
resposta a estas questões: Qual é a alma da cidade, que características
são as responsáveis pela caracterização da
cidade como destino turístico peculiar? É a arquitetura peculiar,
sob marcada influência franco-afro-caribenha? São os habitantes
e sua cultura que fazem da cidade uma atração turística
internacional?
Barco de
pás, próximo à cidade de New Orleans Foto: Carl
Purcell/New Orleans Metropolitan Convention and Visitors Bureau (New
Orleans CVB)
Definidas essas questões,
terão de enfrentar os dilemas que certamente surgirão: o
que precisa ser preservado para manter esse prestígio como atração
turística, tanto em termos de arquitetura como de condição
de vida? E a que preço isso se dará? De que modo será
possível conciliar os interesses turísticos com os de qualidade
de vida da população?
Antes do
furacão, o planejamento para 2010 em New Orleans Imagem: captura
de tela - página
Top 10 by 2010
É quase consenso nos EUA que
esta é uma oportunidade única para a cidade repensar seu
futuro, depois de quatro séculos de ocupação desordenada,
que trouxeram como resultado principal, além de bolsões de
pobreza que estão entre os maiores do país, criminalidade
altíssima, indicadores mínimos de escolaridade e saúde.
Até por isso, por falta dessas definições básicas,
ainda não existem planos claros para reconstrução
da cidade.
Com a passagem
do furacão, foram grandes os estragos em toda a região Foto: divulgação
A área mais devastada, e que
fica abaixo do nível do mar, pode ser recuperada caso os diques
sejam refeitos – mas ninguém por lá confia muito nisso, já
que o governo Bush desviou boa parte do orçamento interno para a
"reconstrução" do Iraque e sua guerra crônica, sendo
esta a causa maior do agravamento das perdas humanas e materiais causadas
pelo furacão. Pelas mesmas razões, os fundos federais destinados
à recuperação da área serão quase que
totalmente gastos apenas na recomposição de estradas e outros
equipamentos essenciais. Aliás, já tem muita gente se perguntando
se a população de New Orleans tem menos direito que a iraquiana
de receber ajuda do governo federal norte-americano.
Caos urbano
em New Orleans, após a passagem do furacão Foto: divulgação
Quem não tinha seguro contra
enchentes, e mesmo quem tinha um seguro (limitado) poderá refazer
sua vida em qualquer outro lugar dos EUA, já que a apólice
não obriga à reconstrução dos imóveis
no mesmo local. Então, um dos desafios é dar condições
a que os habitantes de New Orleans permaneçam no local e ali reconstruam
suas atividades econômicas. Um plano do governo federal para estabelecer
uma espécie de zona franca de negócios, entretanto, tenderia
apenas a atrair empresas de fora, sendo contraproducente no aspecto de
apoiar os agentes econômicos locais.
Alagamento
das ruas situadas abaixo do nível do mar Foto: divulgação
Poderá se formar nos próximos
meses um consenso em torno de um plano que preveja a manutenção
de um distrito afro-americano e a construção de 25 mil moradias
em lugar não tão sensível às violências
da Natureza, coordenado com a criação de uma rede de trolebus
e uma série de ajardinamentos nas áreas baixas próximas
aos diques.
"Existe agora a possibilidade de
se obter substancial ajuda federal, que seria impossível antes do
Katrina", cita o sr. Kabakoff, cuja firma, Historical Restaurations Inc.,
teve de se mudar provisoriamente para Houma, uma cidade distante cerca
de 90 km de New Orleans. Ele avalia em US$ 200 bilhões o montante
dessa ajuda à região. Um sistema de veículos leves
sobre trilhos, ajardinamento na margem do rio, novas escolas, museus, são
algumas das possibilidades estudadas para essa área.
Secondline Parade, no Jazz Fest Foto: Carl Purcell/New
Orleans Metropolitan Convention and Visitors Bureau (New
Orleans CVB)
Para não repetir um dos erros
do passado e recriar as hiper-concentrações de pobreza, uma
das idéias é criar áreas economicamente integradas
nas redondezas (lugares como Fairfax County, na Virgínia, e Madison,
em Wisconsin), afirma um especialista em investimentos comunitários
da Brookings Institution, Bruce Katz, reconhecendo que um dos enigmas atuais
é sobre quando os participantes da diáspora causada pelo
Katrina voltarão à cidade, e quantos deles conseguirão
novas casas e empregos. Prevê-se que alto percentual da comunidade
pobre não terá motivo algum para retornar, o que poderá
facilitar a solução de alguns dos problemas locais.
Enquanto o turismo responde por 14%
dos empregos e é a atividade que mais cresce, as outras atividades
chaves da cidade são o porto, as áreas de energia (refinarias)
e educação. Recuperar a plena capacidade de operação
em todos os setores, retendo e atraindo negócios para a região,
é um desafio para anos, a exemplo da experiência de New York,
após os ataques de 11 de setembro de 2001. "Não desejamos diminuir a
cultura ou a tradição, mas estamos olhando à frente
para implementar todas as ótimas idéias que as pessoas tiverem",
disse o secretário para desenvolvimento econômico da Louisiana,
Michael Olivier.
Secondline Parade, no Jazz Fest de New Orleans Foto: Richard Nowitz/New
Orleans Metropolitan Convention and Visitors Bureau (New
Orleans CVB)
E uma das idéias poderá
ser tornar New Orleans a Las Vegas do Sul, com a instalação
de uma rede de cassinos ali, caso sejam superados os problemas de corrupção
e altas tarifas para liberação da atividade, que fazem com
que apenas uma empresa esteja instalada no local. Ron Reese, um porta-voz
da Las Vegas Sands Inc., de Nevada, já manifestou "algum" interesse,
lembrando que redes como a sua têm condições de instalar
grandes projetos, com hotéis, restaurantes, lojas e entretenimento,
mais cassinos.
E a outra é criar um grande
parque com o ajardinamento das terras ao longo do rio Mississipi. Que já
tem até nome: Parque Katrina.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo Milênio (www.novomilenio.inf.br)
Veja mais: New
Orleans - imagens
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