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Edição 142 - Jul/2005
Engenharia

Enfim, a Torre da Liberdade

Edifício será o mais alto dos EUA

Carlos Pimentel Mendes (*)

Talvez nenhum outro prédio no planeta tenha recebido tantos palpites em seu projeto, na forma de construí-lo, até quanto à necessidade de criá-lo. Antes mesmo de ser colocada a primeira pedra, mais de 700 brochuras com análises foram preparadas, concursos internacionais foram realizados, o tema foi debatido na imprensa mundial e em incontáveis reuniões com a população local, páginas na Internet e correspondência eletrônica. Inúmeras vezes os conceitos foram revistos e reformulados, para conciliar a vontade de criar um marco em memória da tragédia ali ocorrida com o desejo de aproveitar o espaço comercial mais valorizado da Terra.

Justifica-se tanta celeuma: estava e está em jogo a própria identidade e soberania de um país, cuja simbólica águia estava encolhida, abatida em pleno vôo, num trágico 11 de setembro de 2001. Naquele momento, outro símbolo tão caro aos estadunidenses, a liberdade, foi duramente atingido, com seguidas violações aos direitos individuais e coletivos em nome do combate ao terrorismo, atropelando o próprio conceito de democracia e a base de toda a legislação dos EUA.

Fazer uma praça, local de culto ao passado? Seria reconhecer a impotência do Golias perante os Davis e seus aviões-bomba. Reconstruir simplesmente as torres gêmeas? Seria um gesto de conformismo ante o grande prejuízo humano e material sofrido. 

Era preciso algo mais: uma obra que concilie passado e futuro e permita conjurar os fantasmas que rondam o local e as mentes das pessoas, um ícone e ao mesmo tempo um ponto de integração das diferentes atividades urbanas (finanças, turismo, lazer, comércio, transportes). Que sirva de base para a águia voltar a voar. Em liberdade.

"Elevar os espíritos e restaurar a paisagem", na definição dos responsáveis pela reconstrução do centro de New York, são os objetivos da Torre da Liberdade, que começa agora a ser erguida, para ser um testemunho da resistência e uma parte importante do memorial pelos heróis do World Trade Center, que em 2001 se havia transformado no Ground Zero, o ponto zero, o centro do terremoto que abalou as convicções de invencibilidade e segurança dos estadunidenses.

A construção do prédio deve gerar US$ 15 bilhões em movimentação econômica em New York, representando em média uns 8 mil postos de trabalho ao ano durante 13 anos. Além do espaço para escritórios, o edifício compreende áreas abertas, observatórios, restaurantes de classe internacional, acessos ao centro comercial e financeiro e à estação do metrô. 

Início de construção: primeiro trimestre de 2006. A estrutura metálica começa a aparecer em 2007 e atinge o topo em 2009. O edifício deve ser inaugurado em 2010. Seu nome: Torre da Liberdade.

Ícone – "Se eles odeiam nossos prédios, vamos reconstruí-los aqui; se eles odeiam nossa prosperidade, vamos prosperar aqui; se eles odeiam nossa cultura, vamos celebrá-la aqui; se eles odeiam nossas vidas, vamos vivê-las aqui", disse o professor James Young, da Universidade de Massachussets, no artigo "Celebrando vida com vida", a respeito desse prédio, que embora tendo concepção modernista, remete às tradições arquitetônicas novaiorquinas, como a imponência monumental (refletida em edificações como o Empire State e os edifícios Crysler e Woolworth).

Refletida é bem a palavra, pois o cubo de base tem lados com 64,8 x 64,8 metros (200 x 200 pés), lembrando a área que era ocupada pelas torres gêmeas destruídas em 2001. Mistura de aço inoxidável e titânio, deverá brilhar e refletir dinamicamente a luz, em tons cambiantes de acordo com o clima e as estações, o que lhe dará ao mesmo tempo uma grande leveza e fluidez de formas.

Dos cantos chanfrados dessa base surgirão oito triângulos isósceles que, vistos de cima, formarão um octágono perfeito. A partir da base, elevam-se 69 andares de escritórios, atingindo a altura de 1.120 pés (362,88 m). O prédio se completa com observatório e parapeito em vidro, nas alturas de 1.362 pés (441,29 m) e 1.368 pés (443,23 m), as alturas das torres gêmeas originais. Outros pisos e um mastro com a antena da Manhattan Television Alliance (MTVA) - que ali terá seus retransmissores) completam a altura final da obra, atingindo 1.776 pés (575,42 m). Esse mastro, criado por um grupo de arquitetos, artistas, projetistas de iluminação e engenheiros, e fixado por um sistema de cabos, nasce de um anel de suporte circular, similar à tocha da Estátua da Liberdade. Aliás, a composição inteira evoca a Estátua da Liberdade e deve emitir luz, possuindo seu próprio Farol da Liberdade.

A robustez da obra é assegurada por uma combinação de vigas e colunas ligadas por uma combinação de soldas e cavilhas, resistindo a cargas laterais através da inclinação dos elementos do quadro. Completado com um núcleo de concreto, deverá conferir substancial rigidez e redundância a toda a estrutura do prédio, ao mesmo tempo em que provê um interior livre de colunas para oferecer a máxima flexibilidade.

Generosos espaços abertos, preenchidos com árvores, conectam a obra às ruas vizinhas e dão acesso ao Memorial da Liberdade. Enquanto o memorial evoca o passado e as lembranças, a torre representa o futuro e as esperanças, elevando-se ao céu numa estrutura facetada de formas cristalinas, que refletem a luz. O conjunto evoca ainda as tradições arquitetônicas novaiorquinas de elegância e simetria, além de recuperar um quarto do total de áreas para escritórios anteriormente existentes naquele local.

A torre deve representar um novo marco tecnológico mundial em eficiência e conservação energética e suporte ambiental, destacando-se que a reciclagem e a reutilização de materiais construtivos contribuirão para a preservação ambiental. Vidros de alta transparência manterão a luz diurna no interior das instalações; a qualidade do ar no interior do edifício será preservada  pelo emprego de materiais construtivos não tóxicos, evitando-se o uso de componentes orgânicos voláteis; haverá economia de água pela reutilização de águas pluviais nos sistemas de refrigeração e irrigação; serão empregados recursos para co-geração de energia eólica e a partir de células fotoelétricas, bem como equipamentos que permitam reduzir a demanda de energia. 

Prevê-se a redução no tráfego de veículos pela proximidade dos meios de transporte e integração com ciclovias. Até os motores dos equipamentos usados na construção do prédio serão regulados para consumo de combustível com baixo teor de enxofre, para reduzir a emissão de poluentes.

Segurança – Mesmo incorporando requisitos sem precedentes de segurança, criando um novo padrão que excede o previsto nas já rígidas posturas municipais novaiorquinas, o prédio deverá se manter aberto e acessível, com entradas pelos quatro lados. Além da redundância estrutural e dos robustos padrões construtivos à prova de fogo, o prédio terá filtros biológicos e químicos no sistema de suprimento de ar. Para garantir essas capacidades, terá proteção para todos os sistemas anti-incêndio, escadas com ar pressurizado, iluminação de emergência, saídas de emergência redundantes e interconectadas para todas as ruas vizinhas, e todos os sistemas de segurança (escadas, comunicações, elevadores, sprinklers etc.) estarão encaixados em um muro central que chega a ter quase um metro de espessura em vários lugares.

O prédio foi planejado para facilitar o atendimento de emergência com robustos cabos de comunicação, uma escada especialmente projetada para uso pelos bombeiros, poderosos elevadores montados em um núcleo central do prédio que serve a cada andar do prédio. Além disso, "áreas de refúgio" serão criadas em cada andar. Para satisfazer requisitos de segurança, a obra teve aumentada em um terço a sua distância desde a Rua Oeste (rota 9a), para 29,16 metros (90 pés).

Equipe - Inúmeros especialistas e empresas estão envolvidos na obra, destacando-se: como desenvolvedor e proprietário, World Trade Center Properties, LLC (uma subsidiária de Silverstein Properties, Inc); como arrendatário, a autoridade portuária de New York e New Jersey; planejamento para a reconstrução da área de Baixa Manhattan, pela  Lower Manhattan Development Corporation; arquitetos, Skidmore, Owings & Merrill, LLP; gerentes de construção, Tishman Construction Corporation; engenheiros estruturais, Cantor Seinuk Group; engenheiros MEP, Jaros Baum & Bolles, Inc.; consultores de sustentação ambiental, Jaros Baum & Bolles, Inc. e GreenOrder; planejamento de iluminação por Claude R. Engle; engenharia civil e de transportes, Philip Habib & Associates; arquitetos paisagistas, Peter Walker Partners; segurança, Ducibella, Venter & Santore e Weidlinger  Associates; acústica, Cerami & Associates; transporte vertical, Jaros Baum & Bolles, Inc.; engenheiros geotécnicos, Mueser Rutledge Consulting Engineers; testes em túnel de vento por Rowan Williams Davies & Irwin Inc.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio


Imagens desta página:
O projeto da Torre da Liberdade: simulações de sua implantação no local
e na paisagem de New York
Imagens por Skidmore, Owings & Merrill