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Edição 139 - Mar/2005
Cupim

Devorando a cidade

Tamanho do problema não permite que seja resolvido pelos cidadãos individualmente

Carlos Pimentel Mendes (*)

No mundo inteiro, calcula-se que o prejuízo anual ultrapasse os dez bilhões de dólares. Pesquisadores ingleses calcularam que seria preciso cerca de dois bilhões de dólares para desinfectar os edifícios contaminados no mundo. É a praga do cupim, que embora tenha importante papel como arejador e fertilizador do solo e reciclador de nutrientes na Natureza, ao perder seu habitat frente ao avanço das cidades, descobre nelas novos alimentos (fiação elétrica, concreto, livros raros...) e a vantagem de não ter predadores naturais: os pássaros desaparecem, por falta de árvores no ambiente urbano. Sua organização social complexa lhes dá ferramentas incomuns de sobrevivência, com reação rápida frente a eventuais ataques. 

Tais condições impedem que essa praga urbana seja resolvida apenas tratando esta ou aquela casa: mais e mais governos descobrem que este é um problema comunitário, bem ao estilo da antiga frase: ou a cidade como um todo ataca o cupim, ou o cupim devora a cidade.


Baixada Santista: já está na hora de o assunto merecer enfoque metropolitano
Imagem: Montagem sobre foto Secom/PMS

Uma palavra estranha ajuda a explicar a questão: trofalaxia. Certos insetos, como o cupim, participam de um sistema de alimentação coletiva, que é distribuída de indivíduo a indivíduo por contatos boca a boca. Essa é a chamada trofalaxia, que também proporciona uma forma de comunicação, com a transmissão de dezenas ou centenas de mensagens químicas numa só gota trocada entre os insetos. Até agora, só algumas dessas mensagens foram decifradas, como a que define a casta do cupim: se é operário, soldado, rainha. Então, se por algum motivo há mais operários que soldados, a mensagem química funciona como inibidora, fazendo com que as novas larvas se transformem em cupins operários. 

Também, no caso de um ataque ao cupinzeiro, essa organização permite que os cupins-soldados rapidamente bloqueiem os acessos do cupinzeiro ao local da agressão, protegendo o resto da comunidade. E, como o momento da revoada dos cupins (as aleluias) é crucial pois expõe os insetos aos ataques de predadores, novamente as mensagens químicas entram em ação, para definir o momento exato em que devem ocorrer as revoadas para o acasalamento com insetos de outras colônias.

Urbanização – O problema do cupim-praga começou a se destacar no Brasil na década de 1970, quando as cidades incharam com o êxodo da população rural para as zonas urbanas. A construção de prédios sem controle causou o desaparecimento de áreas verdes, e mais: os restos de construção quase sempre foram enterrados no solo. Em Santos, por exemplo, durante a construção de conjuntos habitacionais, esse fenômeno foi várias vezes observado e reportado. Com poucas árvores (e sem predadores naturais), os cupins encontraram nessa madeira podre enterrada nas construções farto alimento. Quando este acabou, passaram a atacar as edificações vizinhas, espalhando-se pela cidade. Lembrando-se que um cupinzeiro pode ocupar um bairro inteiro, facilmente se imagina o tamanho do problema a enfrentar.

O professor de Agronomia Euripedes Barsanulfo Menezes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com Mestrado em Entomologia, afirma que a comunidade científica internacional está cada vez mais empenhada em estudar meios e formas de controlar as pragas que atuam no campo e nas cidades. É um problema de crescente complexidade, diz ele, cuja solução demanda novas pesquisas e mais aportes de recursos financeiros, nem sempre disponíveis a países pobres em economia e tecnologia.

No Rio de Janeiro, acredita-se que 80% do estado esteja sob a ação dos cupins. Segundo o biólogo Nedson Araújo Silva, chefe da Divisão de Controle da Fundação Estadual de Engenharia do Meio-Ambiente (Feema), o cupim é uma praga difícil de combater, pois o ninho pode estar dezenas de metros distante do foco de infestação. Além disso, embora o habitat preferido do cupim seja o subsolo, um prédio pode ser atacado de cima para baixo: a colônia se instala em vãos entre lajes ou caixas d'água, nas juntas de dilatação, na casa de máquinas, e vai descendo pelas paredes.

Ocorre que, enquanto na capital paulista e em vários outros lugares o assunto vem recebento até enfoque metropolitano, em Santos e região os moradores ficam à mercê de empresas de dedetização e profissionais nem sempre preparados, que de qualquer forma apenas farão o serviço pelo qual são pagos: bloquear o acesso a uma residência, repassando o problema aos vizinhos (pois o cupim vai procurar novas fontes de alimento). Por um tempo, já que depois de devorar a casa vizinha, o cupim volta para ver se tem novidade na casa antes infestada.


Baixada Santista: já está na hora de o assunto merecer enfoque metropolitano
Imagem: Montagem sobre foto Secom/PMS

Combate - Se a infestação é localizada, como num início de ataque a um armário, até a aplicação de água boricada mata os cupins. Porém, como eles comem a madeira por dentro, nem sempre deixando sinais visíveis, muitas vezes um móvel aparentemente perfeito na verdade está destruído por dentro.

Técnicos no exterior usam inclusive pequenos microfones para detectar o ruído feito pelo cupim ao mastigar a celulose da madeira. E, localizado o problema, podem colocar no caminho do cupim madeira tratada com hormônio inibidor do crescimento, que não mata o cupim mas impede que as larvas cresçam, assim destruindo a colônia. Ou, madeira envenenada, que mata o cupim. Há também um tipo de isca que visa atingir a rainha do cupinzeiro, funcionando como um anticoncepcional.
Assim, a rainha perde a capacidade reprodutiva e morre de fome, de quatro a seis meses depois, quando a colônia entra em declínio. Mas é preciso sempre um estudo, pois métodos que funcionam em uma colônia podem falhar em outra. Afinal, existem pelo menos 2.500 espécies de cupins, embora apenas umas 250 se manifestem como pragas.

O cupim consegue perfurar até o concreto - o elevado Aristides Bastos Machado, em Santos, foi alvo de um desses ataques, anos atrás -, e ataca instalações elétricas e telefônicas, pois o inseto entende o impulso elétrico como uma agressão a ser combatida. Nas últimas décadas, com a retração do uso da madeira, houve necessidade de variação de cardápio e eles agora também atacam concreto, chumbo e até cabos telefônicos e fios de alta tensão. 

Em 1986, as atividades do aeroporto internacional do Rio de Janeiro foram parcialmente paralisadas, porque os cupins atravessaram as juntas de dilatação do prédio e passaram a devorar as fitas semi-condutoras dos cabos de energia, provocando um curto-circuito. Em um hotel de Belém, no Pará, depois de instalar uma colônia no sub-solo do edifício, os cupins subiram pelos dutos e praticamente destruíram alguns apartamentos do 14º andar do hotel.

Uma forma de diminuir a infestação é capturar os cupins na época da revoada, na primavera. Individualmente, pode-se fechar as janelas e colocar um balde com água embaixo da lâmpada (eles caem, atraídos pelo reflexo da luz na água). Usar madeiras tratadas e madeiras de lei, controlar os restos de construções, evitar áreas com umidade e sombra, também ajudam, mas não há prevenção totalmente eficaz.


Baixada Santista: já está na hora de o assunto merecer enfoque metropolitano
Imagem: Montagem sobre foto Secom/PMS

Problema coletivo - Por todos esses motivos é que as prefeituras precisam começar a tratar o problema do cupim como de solução coletiva, não basta aplicar venenos em uma casa ou outra, já que a colônia se refaz e o problema continua. Destruindo, às vezes, obras valiosas, como estava acontecendo na Igreja do Valongo, onde a falta de recursos para o combate à praga permitiu que livros e documentos raríssimos, de sua vasta biblioteca fossem destruídos. Para sempre, lógico.

Aliás, vale a curiosidade: um dos cupins mais destrutivos, o subterrâneo Coptotermes havilandi, de origem asiática, desembarcou no Brasil em 1905, via porto de Santos, em carregamentos de madeira.

Na capital paulista, a Secretaria do Verde e do Meio-Ambiente contratou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para desenvolver um estudo sobre diagnóstico e análise de risco de queda das árvores nas vias públicas, incluindo georeferenciamento, inspeções periódicas e a criação de um programa de computador para gestão da arborização urbana, com o cadastramento de cada árvore e todo o histórico de seu manejo. 

O trabalho leva em conta não apenas o cupim, mas outros fatores como fungos, apodrecimento, a ação do homem cortando raízes ou causando injúrias no tronco das árvores, e a própria velhice das árvores. Isso permitirá definir quais as espécies mais adequadas em termos de porte e resistência a pragas. O IPT também está desesnvolvendo um Sistema de Gestão Ambiental para controle de cupins subterrâneos na capital paulista, que envolve a presença desta praga nas edificações e nas árvores.

O instituto já percebeu, por exemplo, que algumas árvores são mais resistentes ao cupim: alecrim-de-campinas, alguns ipês, a quaresmeira. Porém, a maioria das árvores plantadas em ambiente urbano são suscetíveis: alfeneiro, tipuana, sibipiruna e outras.

Na Baixada Santista, só se tem conhecimento de uma preocupação governamental quanto ao cupim em Cubatão, onde a prefeitura iniciou no dia 10/3/2005 um trabalho de aplicação de iscas especiais nas árvores urbanas. Segundo informa a prefeitura, "das 20 mil árvores da área urbana de Cubatão, cerca de 1.500 apresentam ou problemas fitossanitários como cupins, bactérias e fungos ou de falta de espaço para o crescimento das raízes. Isso representa cerca de 8% do total, um número dentro dos padrões aceitáveis e que acompanha os números dos outros municípios da Baixada Santista. Estes novos métodos buscam reduzir o número de sacrifícios de árvores porque, mesmo com o replantio, ainda é necessário um certo tempo até que a massa vegetal seja reposta".

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio (www.novomilenio.inf.br)