Cupim
Devorando a
cidade
Tamanho
do problema não permite que seja resolvido pelos cidadãos
individualmente
Carlos Pimentel Mendes (*)
No mundo
inteiro, calcula-se que o prejuízo anual ultrapasse os dez bilhões
de dólares. Pesquisadores ingleses calcularam que seria preciso
cerca de dois bilhões de dólares para desinfectar os edifícios
contaminados no mundo. É a praga do cupim, que embora tenha importante
papel como arejador e fertilizador do solo e reciclador de nutrientes na
Natureza, ao perder seu habitat frente ao avanço das cidades, descobre
nelas novos alimentos (fiação elétrica, concreto,
livros raros...) e a vantagem de não ter predadores naturais: os
pássaros desaparecem, por falta de árvores no ambiente urbano.
Sua organização social complexa lhes dá ferramentas
incomuns de sobrevivência, com reação rápida
frente a eventuais ataques.
Tais condições impedem
que essa praga urbana seja resolvida apenas tratando esta ou aquela casa:
mais e mais governos descobrem que este é um problema comunitário,
bem ao estilo da antiga frase: ou a cidade como um todo ataca o cupim,
ou o cupim devora a cidade.
Baixada
Santista: já está na hora de o assunto merecer enfoque metropolitano Imagem: Montagem
sobre foto Secom/PMS
Uma palavra estranha ajuda a explicar
a questão: trofalaxia. Certos insetos, como o cupim, participam
de um sistema de alimentação coletiva, que é distribuída
de indivíduo a indivíduo por contatos boca a boca. Essa é
a chamada trofalaxia, que também proporciona uma forma de comunicação,
com a transmissão de dezenas ou centenas de mensagens químicas
numa só gota trocada entre os insetos. Até agora, só
algumas dessas mensagens foram decifradas, como a que define a casta do
cupim: se é operário, soldado, rainha. Então, se por
algum motivo há mais operários que soldados, a mensagem química
funciona como inibidora, fazendo com que as novas larvas se transformem
em cupins operários.
Também, no caso de um ataque
ao cupinzeiro, essa organização permite que os cupins-soldados
rapidamente bloqueiem os acessos do cupinzeiro ao local da agressão,
protegendo o resto da comunidade. E, como o momento da revoada dos cupins
(as aleluias) é crucial pois expõe os insetos aos ataques
de predadores, novamente as mensagens químicas entram em ação,
para definir o momento exato em que devem ocorrer as revoadas para o acasalamento
com insetos de outras colônias.
Urbanização
– O problema do cupim-praga começou a se destacar no Brasil na década
de 1970, quando as cidades incharam com o êxodo da população
rural para as zonas urbanas. A construção de prédios
sem controle causou o desaparecimento de áreas verdes, e mais: os
restos de construção quase sempre foram enterrados no solo.
Em Santos, por exemplo, durante a construção de conjuntos
habitacionais, esse fenômeno foi várias vezes observado
e reportado. Com poucas árvores (e sem predadores naturais),
os cupins encontraram nessa madeira podre enterrada nas construções
farto alimento. Quando este acabou, passaram a atacar as edificações
vizinhas, espalhando-se pela cidade. Lembrando-se que um cupinzeiro pode
ocupar um bairro inteiro, facilmente se imagina o tamanho do problema a
enfrentar.
O professor de Agronomia Euripedes
Barsanulfo Menezes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
com Mestrado em Entomologia, afirma que a comunidade científica
internacional está cada vez mais empenhada em estudar meios e formas
de controlar as pragas que atuam no campo e nas cidades. É um problema
de crescente complexidade, diz ele, cuja solução demanda
novas pesquisas e mais aportes de recursos financeiros, nem sempre disponíveis
a países pobres em economia e tecnologia.
No Rio de Janeiro, acredita-se que
80% do estado esteja sob a ação dos cupins. Segundo o biólogo
Nedson Araújo Silva, chefe da Divisão de Controle da Fundação
Estadual de Engenharia do Meio-Ambiente (Feema), o cupim é uma praga
difícil de combater, pois o ninho pode estar dezenas de metros distante
do foco de infestação. Além disso, embora o habitat
preferido do cupim seja o subsolo, um prédio pode ser atacado de
cima para baixo: a colônia se instala em vãos entre lajes
ou caixas d'água, nas juntas de dilatação, na casa
de máquinas, e vai descendo pelas paredes.
Ocorre que, enquanto na capital paulista
e em vários outros lugares o assunto vem recebento até enfoque
metropolitano, em Santos e região os moradores ficam à mercê
de empresas de dedetização e profissionais nem sempre preparados,
que de qualquer forma apenas farão o serviço pelo qual são
pagos: bloquear o acesso a uma residência, repassando o problema
aos vizinhos (pois o cupim vai procurar novas fontes de alimento). Por
um tempo, já que depois de devorar a casa vizinha, o cupim volta
para ver se tem novidade na casa antes infestada.
Baixada
Santista: já está na hora de o assunto merecer enfoque metropolitano Imagem: Montagem
sobre foto Secom/PMS
Combate - Se a infestação
é localizada, como num início de ataque a um armário,
até a aplicação de água boricada mata os cupins.
Porém, como eles comem a madeira por dentro, nem sempre deixando
sinais visíveis, muitas vezes um móvel aparentemente perfeito
na verdade está destruído por dentro.
Técnicos no exterior usam
inclusive pequenos microfones para detectar o ruído feito pelo cupim
ao mastigar a celulose da madeira. E, localizado o problema, podem colocar
no caminho do cupim madeira tratada com hormônio inibidor do crescimento,
que não mata o cupim mas impede que as larvas cresçam, assim
destruindo a colônia. Ou, madeira envenenada, que mata o cupim. Há
também um tipo de isca que visa atingir a rainha do cupinzeiro,
funcionando como um anticoncepcional. Assim, a rainha perde a capacidade
reprodutiva e morre de fome, de quatro a seis meses depois, quando a colônia
entra em declínio. Mas é preciso sempre um estudo, pois métodos
que funcionam em uma colônia podem falhar em outra. Afinal, existem
pelo menos 2.500 espécies de cupins, embora apenas umas 250 se manifestem
como pragas.
O cupim consegue perfurar até
o concreto - o elevado Aristides Bastos
Machado, em Santos, foi alvo de um desses ataques, anos atrás
-, e ataca instalações elétricas e telefônicas,
pois o inseto entende o impulso elétrico como uma agressão
a ser combatida. Nas últimas décadas, com a retração
do uso da madeira, houve necessidade de variação de cardápio
e eles agora também atacam concreto, chumbo e até cabos telefônicos
e fios de alta tensão.
Em 1986, as atividades do aeroporto
internacional do Rio de Janeiro foram parcialmente paralisadas, porque
os cupins atravessaram as juntas de dilatação do prédio
e passaram a devorar as fitas semi-condutoras dos cabos de energia, provocando
um curto-circuito. Em um hotel de Belém, no Pará, depois
de instalar uma colônia no sub-solo do edifício, os cupins
subiram pelos dutos e praticamente destruíram alguns apartamentos
do 14º andar do hotel.
Uma forma de diminuir a infestação
é capturar os cupins na época da revoada, na primavera. Individualmente,
pode-se fechar as janelas e colocar um balde com água embaixo da
lâmpada (eles caem, atraídos pelo reflexo da luz na água).
Usar madeiras tratadas e madeiras de lei, controlar os restos de construções,
evitar áreas com umidade e sombra, também ajudam, mas não
há prevenção totalmente eficaz.
Baixada
Santista: já está na hora de o assunto merecer enfoque metropolitano Imagem: Montagem
sobre foto Secom/PMS
Problema coletivo - Por todos
esses motivos é que as prefeituras precisam começar a tratar
o problema do cupim como de solução coletiva, não
basta aplicar venenos em uma casa ou outra, já que a colônia
se refaz e o problema continua. Destruindo, às vezes, obras valiosas,
como estava acontecendo na Igreja do Valongo, onde a falta de recursos
para o combate à praga permitiu que livros e documentos raríssimos,
de sua vasta biblioteca fossem destruídos. Para sempre, lógico.
Aliás, vale a curiosidade:
um dos cupins mais destrutivos, o subterrâneo Coptotermes havilandi,
de origem asiática, desembarcou no Brasil em 1905, via porto de
Santos, em carregamentos de madeira.
Na capital paulista, a Secretaria
do Verde e do Meio-Ambiente contratou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas
(IPT) para desenvolver um estudo sobre diagnóstico e análise
de risco de queda das árvores nas vias públicas, incluindo
georeferenciamento, inspeções periódicas e a criação
de um programa de computador para gestão da arborização
urbana, com o cadastramento de cada árvore e todo o histórico
de seu manejo.
O trabalho leva em conta não
apenas o cupim, mas outros fatores como fungos, apodrecimento, a ação
do homem cortando raízes ou causando injúrias no tronco das
árvores, e a própria velhice das árvores. Isso permitirá
definir quais as espécies mais adequadas em termos de porte e resistência
a pragas. O IPT também está desesnvolvendo um Sistema de
Gestão Ambiental para controle de cupins subterrâneos na capital
paulista, que envolve a presença desta praga nas edificações
e nas árvores.
O instituto já percebeu, por
exemplo, que algumas árvores são mais resistentes ao cupim:
alecrim-de-campinas, alguns ipês, a quaresmeira. Porém, a
maioria das árvores plantadas em ambiente urbano são suscetíveis:
alfeneiro, tipuana, sibipiruna e outras.
Na Baixada Santista, só se
tem conhecimento de uma preocupação governamental quanto
ao cupim em Cubatão, onde a prefeitura iniciou no dia 10/3/2005
um trabalho de aplicação de iscas especiais nas árvores
urbanas. Segundo informa a prefeitura, "das 20 mil árvores da área
urbana de Cubatão, cerca de 1.500 apresentam ou problemas fitossanitários
como cupins, bactérias e fungos ou de falta de espaço para
o crescimento das raízes. Isso representa cerca de 8% do total,
um número dentro dos padrões aceitáveis e que acompanha
os números dos outros municípios da Baixada Santista. Estes
novos métodos buscam reduzir o número de sacrifícios
de árvores porque, mesmo com o replantio, ainda é necessário
um certo tempo até que a massa vegetal seja reposta".
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
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