Foto: Divulgação/CMPort
Ilegalidade
Repressão
é intensificada em Santos
Contrabando e narcotráfico
vão passando, entre "feras" e piratas...
Carlos Pimentel Mendes (*)
As aEntra
século e sai século, as táticas dos piratas, contrabandistas,
bucaneiros e outros do gênero vão mudando, as formas de repressão
também, mas quantidades fabulosas de produtos os mais diversos
continuam passando ilegalmente pelo porto santista (da mesma forma que
por outros pontos da fronteira nacional). Meio milênio depois que
os primeiros europeus chegaram ao Brasil, efeitos especiais continuam sendo
mostrados ao público, num cenário que esconde, nos bastidores,
ilícitos tão ou mais graves do que os "descobertos" pelos
órgãos encarregados da repressão aos tráficos
ilegais.
A última novidade é
uma certa Operação Fera, codinome para Força Especial
de Repressão Aduaneira, que estreou no dia 2 de fevereiro de 2005
apreendendo nove conteineres com mercadorias que estariam sendo transportadas
sem documentação ou com documentos impróprios. Isso
foi possível, segundo os fiscais, "através de cruzamento
de dados diversos e a constatação de fortes indícios
de falsidade ideológica". A nova operação deverá
ser repetida periodicamente, em locais e dias incertos, usando fiscais
de elite treinados em diversos países, buscando "causar o
menor desconforto possível ao contribuinte regular e cumpridor de
suas obrigações, concentrando toda sua energia em operações
de risco".
Ótimo que a fiscalização
esteja ativa e atenta, mas isso ela sempre disse estar. Na prática,
porém, sempre as autoridades teceram uma teia com muitos buracos.
E o curioso é que essa teia imperfeita pega facilmente os insetos
menores, raramente os grandes...
Falando mais claro: no início
da década de 80, apenas para dar um exemplo, praticamente (esse
"praticamente" é só para não dizer 100%) todo o uísque
legítimo (mas ilegal) consumido nos gabinetes oficiais em Brasília
tinha uma rota conhecida e jamais tocada: entrava pelo porto de Santos
e passava por certo depósito em São Vicente, de onde seguia
direto para a capital federal. Na mesma época, era bastante conhecido
um sujeito que transitava entre lugares próximos ao porto e a capital
paulista, levando uma carga preciosa: era a máfia dos rolamentos
em ação.
Logística perfeita - E só
depois de muitos anos foram criados mecanismos para fechar um conhecido
furo na teia aduaneira. Por ele, um produto destinado a Paranaguá,
por exemplo, era descarregado em Santos por algum motivo relevante qualquer,
devendo seguir por terra até o porto paranaense. O procedimento
correto era a autoridade aduaneira santista emitir um documento com torna-guia,
para ser carimbado pelos colegas fiscais parnanguaras, voltando a papelada
para Santos.
Mas o que se fazia era emitir documentação
sem torna-guia. Assim, a autoridade santista arquivava o documento emitido,
"presumindo" que a carga seria apresentada à fiscalização
em Paranaguá. A autoridade paranaense não presumia nada...
porque nem a carga, nem o documento, chegavam lá.
O conteiner com a mercadoria valiosa
era descarregado numa ruela paulistana, e o cofre-de-carga, se não
recebesse areia para ser exportada como café, seguia viagem com
algum produto nacional que em vizinho país seria nacionalizado e
vendido ao Brasil como "hecho en Paraguai". E, como seria improdutivo que
o conteiner voltasse vazio, aproveitava-se o retorno do mesmo para trazer
esse produto, levando à perfeição a logística
global... Contam as lendas que uma rede com essa envergadura não
era operada pelo camelô da esquina, não, mas as lendas param
aí, que com pirata protegido do rei ninguém se mete...
Rica história - Os
ladrões do mar eram mesmo chamados de pirata, palavra que em grego
significa assaltante. Mas, é bom lembrar: os antigos piratas eram
divididos em classes bem distintas. Por exemplo, os que caçavam
bois selvagens nas Antilhas eram denominados bucaneiros (porque grelhavam
a carne, produzindo a carne defumada, em francês boucan); os que
se especializavam na pilhagem de navios espanhóis, usando uma carta
de corso qualquer como precaução, eram chamados flibusteiros.
Já os nobres que recebiam autorização oficial para
pilhar naus inimigas (a chamada Carta de Corso) eram chamados de corsários.
Piratas de carteirinha, como talvez fossem chamados hoje.
Nessa história de caveiras
e bandeiras negras, vale um alerta a governantes descuidados: a História
registra que em 1066 o duque normando Guilherme montou uma expedição
contra a Inglaterra, capturou-a e fez-se rei: foi o maior assalto de pirataria
da História...
Nem tanto... ainda - No Brasil, agiam
principalmente os corsários franceses e holandeses, em busca do
pau-brasil que por um tratado entre Vaticano e ibéricos deveria
ser exclusividade lusa. Outra atividade rentável era a captura de
escravos indígenas. Não satisfeitos, vários piratas
saqueavam cidades litorâneas, como Santos, atacada diversas vezes.
Numa delas, as fortalezas já existiam, mas estavam desguarnecidas...
Mas a ilegalidade nas costas brasileiras
não se restringiu aos assaltos marítimos. No Brasil Colônia,
um carregamento de ouro das Minas Gerais destinado ao rei foi solenemente
aberto nos palácios lisboetas, perante toda a corte, como era costume.
Suprema ousadia dos criminosos: nas caixas só havia chumbo!
Para evitar fatos como esse, e proteger
a economia nacional, existem vários sistemas de fiscalização,
entre eles a aduaneira. Que às vezes exagera, e paga caro por isso,
como na situação (real) em que um fiscal estranhou certa
caixinha de pó trazida cuidadosamente por um chinês. Enquanto
não aparecia algum intérprete, o fiscal resolveu arriscar
uma verificação por conta própria, provando o estranho
pó escuro. Mas só quando o tradutor surgiu é que o
mistério se desfez, causando engulhos no zeloso funcionário
da Alfândega: eram as cinzas dos antepassados do tal chinês...
Cama de gato - Mas o contrabando
sempre existiu, de todo o tipo. Certa época (duas décadas
atrás), um oficial da Marinha, ao fazer a inspeção
em um navio, estranhou a altura do colchão, acima da peça
lateral de madeira que o protege contra o balanço da embarcação.
Investigando um pouco mais, descobriu um fundo falso, onde cabiam dois
clandestinos ou mercadorias ilegais diversas. Percorrendo o navio, descobriu
o mesmo esquema em quase todas as cabines. Conferindo outros navios, de
armadoras estatais e particulares, percebeu a monumental armação
- que era coisa de profissionais e só podia ter sido feita com uma
cobertura poderosa....
Outra história conhecida é
a de um submarino da Marinha que chegou ao porto de surpresa, à
noite, e pelo periscópio os tripulantes viram estranhas caixas flutuando
no mar. Dada a ordem de recolher as cerca de 30 caixas, descobriram nelas
um belo contrabando de videocassetes, que seria recolhido por canoas protegidas
pela escuridão noturna - na época um dos principais produtos
chegados ilegalmente.
Agora, o contrabando assume uma nova
forma, que não só atenta contra a saúde econômica
das nações, mas também contra a própria saúde
dos cidadãos: o narcotráfico. Tendo navios que escalam em
centenas de portos de todos os continentes, é evidente que Santos
é uma rota para o tráfico mundial de narcóticos. Mas,
quando se tentou apresentar a sério tal assunto, pouco mais de uma
década atrás, chegou ordem taxativa de Brasília para
afastar das funções a pessoa que ousava tratar de tal assunto.
Afinal, "não existia" rota alguma de narcotráfico passando
por Santos, era a posição oficial. Só não via
quem não queria.
E ouso afirmar que um país
rico do Hemisfério Norte que invade outro para colocar no poder
os cultivadores de papoula (refrescando a memória: membros da Aliança
do Norte, no Afeganistão), além de trocar drogas por armas
("Irã-contras", lembram?) e permitir que avionetas das próprias
agências de repressão ao contrabando (FBI...) pousem
em seu território em operações de narcotráfico,
não está falando sério quando aplica na América
Latina seus efeitos especiais de combate às drogas. Vamos falar
a sério?
Então, o recado é simples:
antes como agora, os personagens de toda essa história são
bem conhecidos. Se existe boa vontade em agir, pode-se dispensar codinomes
e efeitos especiais. É só agir, e agir firme, unindo (!)
as forças de combate ao crime, pois ações débeis
só mudam as moscas de lugar: os procedimentos ilegais apenas são
transferidos para outro local menos vigiado, até com um mero telefonema.
É só ir aos locais certos, na hora exata, e apanhar as pessoas
certas, com precauções adequadas para que nenhum juiz as
solte em seguida, alegando alguma firula da lei. Simples assim...
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo Milênio (www.novomilenio.inf.br) |