Dia internacional
O trabalho
se recicla
Antigas profissões desaparecem,
porém surgem novas atividades
Carlos Pimentel Mendes (*)
No
alvorecer do século XX, apagava-se nas cidades brasileiras a luz
dos lampiões de rua com o fedorento óleo de peixe e, na velocidade
dos elétrons, desapareciam os empregos dos acendedores de lampiões.
Mas surgia trabalho nas usinas elétricas, na manutenção
da rede de distribuição de energia e toda a imensa gama de
atividades que a eletricidade permitiu desenvolver. Naquela época,
os trabalhadores organizavam as primeiras manifestações de
1º de Maio, seja pelo fim de vários postos de trabalho, seja
pela exploração do trabalhador (sujeito a jornadas de até
mais de 16 horas diárias, sem férias e finais de semana).
Hoje, os
benefícios da eletricidade e das telecomunicações
permitem aos mesmos trabalhadores promover manifestações
sincronizadas de caráter internacional, e embora muito haja mudado,
a briga continua a mesma: contra a exploração do trabalhador
e contra o fim de vários postos de trabalho. Como antes, em meio
ao turbilhão das mudanças, poucos percebem que enquanto antigas
portas se fecham no mercado de trabalho, novas portas vão sendo
abertas para os mais atentos e preparados.
Acabaram
os empregos de carroceiro, mas surgiram os de condutor de ônibus;
acabaram certas funções de conferência de cargas, mas
surgiram trabalhos de confecção de páginas para a
Internet; os antigos escrivães de letra cursiva deram lugar aos
datilógrafos, que por sua vez deram lugar aos digitadores;
os lambe-lambes das praças ficaram na poeira dos tempos, e sua foto
desbotada é hoje colocada na Internet com um novo brilho, por fotógrafos
especializados em recuperação digital de imagens antigas.
Então,
no alvorecer do século XXI, mais que nunca o conselho continua válido:
não adianta reclamar do fim de antigas atividades, o melhor é
descobrir as novas oportunidades, prospectando o mercado e tentando antever
o futuro, com base nas tendências atuais da Humanidade.
As novas tendências
- Uma das mais importantes mudanças é no trato da questão
ambiental. Nos últimos 20 anos, no rastro das demandas dos ecologistas,
os governos, as empresas e outras organizações começaram
a se preocupar com essas questões. Como resultado, surgiu trabalho
especializado para assessores de relações públicas,
técnicos em segurança industrial, engenheiros ambientais
e até mesmo um novo ramo da velha contabilidade: a especializada
em lidar com ativos e passivos do balanço ambiental das empresas.
Nos próximos anos, veremos
se tornarem comuns coisas que hoje são ainda novidades, como empresas
poluidoras, de países desenvolvidos, comprarem créditos ambientais
de organizações do Terceiro Mundo dedicadas à recuperação
ecológica. Daí, o surgimento de trabalho para negociadores
especializados nesses créditos, talvez mesmo uma Bolsa de Valores
Ambientais, em moldes parecidos com os das atuais bolsas de valores onde
são negociadas as ações das sociedades anônimas.
A área ambiental também
abrirá mais e mais trabalhos para especialistas em despoluição
de todo tipo (terra, mar e ar, sonora, visual etc.), para mestres e pesquisadores,
cientistas e agrônomos etc. A agricultura transgênica, que
exige manuseio cuidadoso das espécies geneticamente modificadas
(para não contaminarem o ecossistema nas proximidades das plantações),
precisará de gente especializada, para não falar em toda
uma gama de atividades na área da criação desses produtos.
Por falar nisso, com tanta variedade
de produtos, uns surgindo e outros desaparecendo a cada dia, as atividades
ligadas à nutrição abrem cada vez mais campo para
gente preparada, capaz de combinar os alimentos a serem servidos em escolas,
empresas, eventos e até na casa do consumidor que precisa de dietas
balanceadas para suportar e compensar os esforços de suas atividades.
A bioquímica, a biologia e
ramos afins da Ciência são, por sua vez, os setores que se
acredita terão maior desenvolvimento neste primeiro século
do terceiro milênio. Tanto através do surgimento de novos
produtos alimentares, como de técnicas para cultivo sem agrotóxicos
(por exemplo, plantas resistentes a pragas e métodos biológicos
de controle dessas pragas, através da introdução no
ecossistema de predadores das espécies vivas daninhas).
Caímos então na Ética,
uma das partes da Filosofia que, repentinamente, desperta de sua letargia
secular e cai no centro das discussões. Profissionais precisarão
ser contratados para analisar e controlar o comportamento ético
das organizações empresariais e governamentais, frente a
questões cada vez mais delicadas como as suscitadas pelo avanço
da Bioquímica e da Medicina. Basta lembrar a briga mundial que está
sendo a questão da soja geneticamente modificada, como tem sido
a da produção e divulgação de cigarros e cervejas,
como será a questão da clonagem humana em todos os seus aspectos.
As
próprias universidades estão descobrindo que precisam se
adequar aos novos tempos: desaparecem as tradicionais faculdades que o
aluno cursava quatro, cinco anos e recebia um diploma; surgem os cursos
formados com disciplinas das mais diversas áreas do conhecimento,
numa visão em que cada vez mais existem profissionais exclusivos
em suas áreas, não mais categorias inteiras como antes. Por
exemplo, juntando conhecimentos de Direito e Medicina, surge um profissional
dedicado aos aspectos legais da prática médica, ou - numa
visão inversa - um médico especializado em cuidar de advogados,
quem sabe?
Bom lembrar, a quem pensa que não
há demanda para tais profissionais, que com o surgimento da Internet
acabou a limitação da concorrência à cidade
onde vive o especialista: seu mercado de trabalho é o mundo inteiro,
e seu concorrente direto pode residir do outro lado do planeta. Assim o
descobriram as lojas de discos que não conseguiram se adaptar plenamente
aos novos tempos: descobriram que seu cliente não apenas atravessava
a rua para comprar mais barato, agora se preciso for ele atravessa o mundo,
apenas com uns toques no teclado de seu computador. Quantas vezes, o produto
comprado na Europa é entregue primeiro que o encomendado à
loja da esquina?
Ainda é uma experiência,
mas um prédio de Atlanta, nos EUA, emprega um vigilante noturno
que reside na África do Sul. Câmeras e sensores e modernos
meios de comunicação eliminam a presença física
e permitem coisas assim. Os médicos experimentam telecomandar robôs
em microcirurgias transcontinentais, do mesmo jeito como os cientistas
comandam um jipe-robô que se movimenta no solo de Marte, ou uma sonda
espacial que já deixou o sistema solar em sua viagem rumo ao Infinito.
Nos
próximos anos, veremos se tornarem comuns coisas que hoje são
ainda novidades, como empresas poluidoras, de países desenvolvidos,
comprarem créditos ambientais de organizações do Terceiro
Mundo dedicadas à recuperação ecológica.
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Novo trabalho? - Enfim, neste
Dia do Trabalho de 2004, vale a reflexão: o trabalho está
mudando, formas tradicionais de emprego estão desaparecendo, mas
novas atividades estão surgindo, e para todas elas a palavra chave
é 'Conhecimento'. O esforço mecânico vai ficando para
as máquinas, resta aos humanos o trabalho intelectual.
Pode ser até que, em poucas
gerações mais, o próprio trabalho como o conhecemos
seja radicalmente mudado: com o avanço tecnológico, não
sendo mais necessária a presença física das pessoas
nos locais de trabalho, elas poderão trabalhar em casa.
As mudanças, segundo preconiza
o escritor Alvin Toffler, podem levar à volta do núcleo de
trabalho familiar: como no tempo das fazendas agrícolas, pessoas
de um mesmo núcleo familiar reúnem suas habilidades para
desenvolver uma atividade específica, em que cada membro da família
entra com sua parcela de conhecimento e trabalho.
Pode até mesmo ser extinto
o trabalho: então, as pessoas executariam tarefas não mais
pensando no ordenado no final do mês, e sim em termos de realização
pessoal, de sua contribuição para a sociedade. Utopia? Ninguém
sabe... Mas experimente olhar à sua volta, note como as mudanças
ocorrem rapidamente, e em que direções essas tendências
apontam...
(*) Carlos
Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo
Milênio |