Transportes
Turismo quer
recolocar os trens nos trilhos
Vontade existe, mas ainda falta
coordenar os esforços
Carlos Pimentel Mendes (*)
Nos países
mais adiantados, a chamada matriz dos transportes contempla em primeiro
lugar as hidrovias, depois as ferrovias e só então as rodovias.
No Brasil, além de ter sido virada de ponta-cabeça, a matriz
de transportes chega a dar cambalhotas, por conta dos interesses em jogo.
As ferrovias chegaram ao último lugar na ordem de prioridades, mesmo
sendo o modo mais econômico de transportar por terra grandes carregamentos.
Mas, a luz no fim do túnel já vem acompanhada do apito da
locomotiva. Não da que traciona o trem-bala ultramoderno, mas a
que, envolta na fumaça do vapor ou do óleo diesel, faz com
que cada vez mais os turistas se deliciem com uma volta aos tempos antigos.
É o turismo que impulsiona a nova tendência de recuperação
da malha ferroviária nacional, neste final de 2003.
No dia 12/12/2003, por exemplo, a
Rede Ferroviária Federal levou um grupo de convidados numa viagem
pela Serra do Mar, até Santos, para anunciar seus planos de recriar
a linha de passageiros entre a capital paulista e esta cidade. Bem, é
um esforço, embora os visitantes tivessem de desembarcar em local
um tanto distante da tradicional estação que, desde 1867,
servia à antiga São Paulo Railway, no Largo Marquês
de Monte Alegre.
O detalhe, disfarçado com
a desculpa das obras de restauração do complexo do Valongo,
é que um muro construído em 2002 pela prefeitura santista
cortou desde então o acesso ferroviário à estação...
Mas, vale a intenção: o Executivo santista vem promovendo
a restauração do secular edifício, para ali criar
um museu dos transportes. E pode ser que o muro seja derrubado, ao sabor
dos novos interesses...
Afinal, foi noticiado apenas alguns
dias antes, que ainda em 12/2003 será divulgada uma resolução
da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para regulamentar
a circulação de trens turísticos e culturais no País.
Tal medida objetiva resgatar a importância deste tipo de transporte,
além de aquecer o turismo dos municípios cortados por malha
ferroviária...
O desabafo
do preservacionista ferroviário, em 2003 Fotomontagem
com o "carimbo": Marcello Tálamo
Esquecida – Pesquisadores
ferroviários de várias partes do mundo estão atentos
aos acontecimentos na região, considerada como a que reúne
a maior diversidade, talvez do mundo, em bitolas ferroviárias, embora
os próprios santistas não saibam disso. Além das duas
mais conhecidas, das ferrovias Sorocabana e Santos-Jundiaí (para
usar os nomes até hoje citados), existem ou existiram os trilhos
das ferrovias do Jabaquara (para levar pedras do Marapé até
o porto), os do próprio porto para trens e guindastes, os dos bondes
que circulavam pelas ruas santistas, o funicular do Monte Serrat, o do
morro Nova Cintra movido a água, as ferrovias bananeiras, as da
área continental antiga de Santos (em Pilões, em Itatinga).
Para citar apenas alguns exemplos.
Também há histórias
curiosíssimas - mas igualmente esquecidas - sobre os equipamentos
ferroviários antigos que (como vem acontecendo também com
os mais recentes) foram muitas vezes sucateados e abandonados. Esqueçamos
como os bondes santistas foram quase todos destruídos a machadadas
numa noite de 1971, para evitar que alguém tivesse algum dia a idéia
de reviver o sistema (não adiantou: Santos voltou a ter sua linha
de bondes).
Há uma outra história
que também começa a ter final feliz. Quando o Brasil entrou
na Primeira Guerra Mundial, em 1917, estava no porto um navio alemão,
com três locomotivas militares que seguiam para a África do
Sul, via Argentina. Foram consideradas presas de guerra, talvez as únicas
do governo brasileiro que tenham hoje condições operativas.
Na verdade, só duas delas, a terceira locomotiva foi destruída
quando da explosão do Gasômetro de Santos, em 1967. As duas
restantes, construídas em 1916 pela fábrica alemã
Henshel & Sons, trafegaram por décadas na antiga Ferrovia de
Pilões, mantida pela Cia. City of Santos - a mesma dos bondes e
do gasômetro, aliás -, até 1974, quando uma enchente
destruiu uma barragem e várias pontes daquela ferrovia.
Aposentadas, uma delas (prefixo 915)
ficou em Cubatão, permanecendo exposta na Cidade da Criança
(antigo Parque Anilinas), junto com um trole aberto para passageiros -
que, na verdade, é um bonde que já circulou nas ruas de Santos,
puxado por burros.
A outra locomotiva alemã (prefixo
811) não teve a sorte da Henschel 915: ficou por muito tempo estacionada
no Conjunto Poliesportivo Constâncio Vaz Guimarães. Murada
e entregue essa área ao Santos F.C. para servir como campo de treino
de futebol, depois de certo tempo a locomotiva desapareceu - teria estado
no Horto Municipal, ninguém lembra com certeza.
Depois de anos esquecida, foi reencontrada
em abril de 2003 por um pesquisador ferroviário, num depósito
santista de ferro-velho, pronta para o desmanche. Salva do maçarico,
vem sendo recuperada (apesar do abandono, estava inteira e em bom estado,
devido às robustas características construtivas) por pesquisadores
ligados à organização virtual (só tem existência
na Internet) EFBrasil, de preservação ferroviária.
Essa ONG gostaria de recolocar a locomotiva 811 nos trilhos, junto com
a gêmea 915 de Cubatão, numa atrativa linha turística
que poderia ligar Santos e Cubatão. As prefeituras se habilitam?
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do Jornal
Eletrônico Novo Milênio.
Veja mais: Locomotivas
já foram presas de guerra (Santos) Locomotivas
já foram presas de guerra (Cubatão) A
história dessas locomotivas
Pesquisadores
ferroviários Júlio César Paiva e Sérgio Mártire
vistoriaram a locomotiva
Henschel 811 encontrada no ferro-velho santista Foto: abril
de 2003, site
Trilhos na Serra
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