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Edição 126 - Nov/Dez/2003

Transportes

Turismo quer recolocar os trens nos trilhos

Vontade existe, mas ainda falta coordenar os esforços

Carlos Pimentel Mendes (*)

Nos países mais adiantados, a chamada matriz dos transportes contempla em primeiro lugar as hidrovias, depois as ferrovias e só então as rodovias. No Brasil, além de ter sido virada de ponta-cabeça, a matriz de transportes chega a dar cambalhotas, por conta dos interesses em jogo. As ferrovias chegaram ao último lugar na ordem de prioridades, mesmo sendo o modo mais econômico de transportar por terra grandes carregamentos. Mas, a luz no fim do túnel já vem acompanhada do apito da locomotiva. Não da que traciona o trem-bala ultramoderno, mas a que, envolta na fumaça do vapor ou do óleo diesel, faz com que cada vez mais os turistas se deliciem com uma volta aos tempos antigos. É o turismo que impulsiona a nova tendência de recuperação da malha ferroviária nacional, neste final de 2003.

No dia 12/12/2003, por exemplo, a Rede Ferroviária Federal levou um grupo de convidados numa viagem pela Serra do Mar, até Santos, para anunciar seus planos de recriar a linha de passageiros entre a capital paulista e esta cidade. Bem, é um esforço, embora os visitantes tivessem de desembarcar em local um tanto distante da tradicional estação que, desde 1867, servia à antiga São Paulo Railway, no Largo Marquês de Monte Alegre. 

O detalhe, disfarçado com a desculpa das obras de restauração do complexo do Valongo, é que um muro construído em 2002 pela prefeitura santista cortou desde então o acesso ferroviário à estação... Mas, vale a intenção: o Executivo santista vem promovendo a restauração do secular edifício, para ali criar um museu dos transportes. E pode ser que o muro seja derrubado, ao sabor dos novos interesses...

Afinal, foi noticiado apenas alguns dias antes, que ainda em 12/2003 será divulgada uma resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para regulamentar a circulação de trens turísticos e culturais no País. Tal medida objetiva resgatar a importância deste tipo de transporte, além de aquecer o turismo dos municípios cortados por malha ferroviária...


O desabafo do preservacionista ferroviário, em 2003
Fotomontagem com o "carimbo": Marcello Tálamo

Esquecida – Pesquisadores ferroviários de várias partes do mundo estão atentos aos acontecimentos na região, considerada como a que reúne a maior diversidade, talvez do mundo, em bitolas ferroviárias, embora os próprios santistas não saibam disso. Além das duas mais conhecidas, das ferrovias Sorocabana e Santos-Jundiaí (para usar os nomes até hoje citados), existem ou existiram os trilhos das ferrovias do Jabaquara (para levar pedras do Marapé até o porto), os do próprio porto para trens e guindastes, os dos bondes que circulavam pelas ruas santistas, o funicular do Monte Serrat, o do morro Nova Cintra movido a água, as ferrovias bananeiras, as da área continental antiga de Santos (em Pilões, em Itatinga). Para citar apenas alguns exemplos.

Também há histórias curiosíssimas - mas igualmente esquecidas - sobre os equipamentos ferroviários antigos que (como vem acontecendo também com os mais recentes) foram muitas vezes sucateados e abandonados. Esqueçamos como os bondes santistas foram quase todos destruídos a machadadas numa noite de 1971, para evitar que alguém tivesse algum dia a idéia de reviver o sistema (não adiantou: Santos voltou a ter sua linha de bondes). 

Há uma outra história que também começa a ter final feliz. Quando o Brasil entrou na Primeira Guerra Mundial, em 1917, estava no porto um navio alemão, com três locomotivas militares que seguiam para a África do Sul, via Argentina. Foram consideradas presas de guerra, talvez as únicas do governo brasileiro que tenham hoje condições operativas. Na verdade, só duas delas, a terceira locomotiva foi destruída quando da explosão do Gasômetro de Santos, em 1967. As duas restantes, construídas em 1916 pela fábrica alemã Henshel & Sons, trafegaram por décadas na antiga Ferrovia de Pilões, mantida pela Cia. City of Santos - a mesma dos bondes e do gasômetro, aliás -, até 1974, quando uma enchente destruiu uma barragem e várias pontes daquela ferrovia.

Aposentadas, uma delas (prefixo 915) ficou em Cubatão, permanecendo exposta na Cidade da Criança (antigo Parque Anilinas), junto com um trole aberto para passageiros - que, na verdade, é um bonde que já circulou nas ruas de Santos, puxado por burros.

A outra locomotiva alemã (prefixo 811) não teve a sorte da Henschel 915: ficou por muito tempo estacionada no Conjunto Poliesportivo Constâncio Vaz Guimarães. Murada e entregue essa área ao Santos F.C. para servir como campo de treino de futebol, depois de certo tempo a locomotiva desapareceu - teria estado no Horto Municipal, ninguém lembra com certeza.

Depois de anos esquecida, foi reencontrada em abril de 2003 por um pesquisador ferroviário, num depósito santista de ferro-velho, pronta para o desmanche. Salva do maçarico, vem sendo recuperada (apesar do abandono, estava inteira e em bom estado, devido às robustas características construtivas) por pesquisadores ligados à organização virtual (só tem existência na Internet) EFBrasil, de preservação ferroviária. Essa ONG gostaria de recolocar a locomotiva 811 nos trilhos, junto com a gêmea 915 de Cubatão, numa atrativa linha turística que poderia ligar Santos e Cubatão. As prefeituras se habilitam?

 (*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do Jornal Eletrônico Novo Milênio.

Veja mais:
Locomotivas já foram presas de guerra (Santos)
Locomotivas já foram presas de guerra (Cubatão)
A história dessas locomotivas


Pesquisadores ferroviários Júlio César Paiva e Sérgio Mártire vistoriaram 
a locomotiva Henschel 811 encontrada no ferro-velho santista
Foto: abril de 2003, site Trilhos na Serra