Brasil
Cartéis
prejudicam construção
Um dos efeitos é o aumento
exagerado no preço dos insumos
Carlos Pimentel Mendes (*)
São
Paulo, 28 de maio de 2003.
Um homem, na cabina fechada de seu caminhão, tem um botijão
de gás entre as pernas e um isqueiro na mão. Do lado de fora,
bombeiros isolam o quarteirão que pode ir pelos ares a qualquer
momento. Pelo celular, o homem conta seu drama às equipes de dois
programas policiais da televisão. Explica que é dono de uma
frota de caminhões de transporte de cimento produzido pela Votorantim.
Foi incentivado por diretores desse grupo a ampliar a frota, com financiamento
do banco da própria Votorantim, pois teria mais carga para transportar.
Não veio a carga, mas veio a alta dos juros do banco, que agora
ameaçava tirar-lhe toda a frota, levando-o à falência.
O drama
de 28 de maio de 2003, às 18h09: no caminhão cercado, a ameaça
de explodir tudo Fotos: captura
de telas - transmissão ao vivo da rede SBT
Uma hora depois, convencido de que
teria o empenho das emissoras de TV para uma conversa direta com Antônio
Ermírio de Morais, ele se entregou à Polícia. Seria
mais um drama urbano, não fosse um detalhe: no meio da conversa
com os repórteres, ele contou que enquanto os depósitos de
material de construção lhe pediam cargas de cimento, a Votorantim,
com o depósito cheio, negava, para aumentar os preços do
produto.
É apenas a ponta do iceberg,
aliás uma das muitas, na história de práticas econômicas
pouco ortodoxas, para não dizer criminosas, de organizações
de empresários que agem em combinação (quando se forma
um cartel) e mesmo de único grupo empresarial que dita seus preços
de forma abusiva (o que caracteriza o monopólio), no fornecimento
de materiais de construção no Brasil. Práticas que
contribuem fortemente para a absurda elevação nos preços,
inviabilizando a construção civil no País e praticamente
paralisando o mercado, com o conseqüente desemprego de milhares de
pessoas, numa reação em cadeia que prejudica toda a economia
nacional (pois desempregado não consome, ou consome bem menos).
É um problema bastante antigo
- basta lembrar que na mais de 20 anos atrás chegou a ser colocado
um navio-fábrica de cimento no porto de Santos, pois era bem mais
barato importar os insumos de lugares como a Turquia e preparar o produto
final num navio atracado na Ilha Barnabé, que buscá-lo na
fábrica nacional. Mesmo assim, só agora começa a ser
denunciado, após mais uma onda de aumentos excessivos que reverteu
a fase de crescimento da construção civil verificada nos
últimos anos, mergulhando o setor numa fase de retração
que só deve se aprofundar nos próximos meses.
O drama
de 28 de maio de 2003, às 18h31: na cabina fechada, ele abre o botijão
de gás Foto: captura
de tela - transmissão ao vivo da rede Brandeirantes
Belo Horizonte, 18 de março
de 1999. Mineiro tem fama de fazer tudo calado, mas não foi
o que ocorreu num escritório da Avenida dos Andradas, onde se encontraram
executivos das siderúrgicas Gerdau, Barra Mansa (Grupo Votorantim)
e Belgo Mineira para a formação de um cartel do aço.
A descrição detalhada desse encontro é parte de um
explosivo parecer com 150 páginas da Secretaria de Direito Econômico
(SDE), do Ministério da Justiça, sobre a acusação
de que essas empresas combinaram preços, lotearam mercados e discriminaram
consumidores. As denúncias surgiram no Secovi-SP e no SindusCon-SP,
as entidades que representam empresas da construção civil,
e foram protocoladas na Secretaria de Acompanhamento Econômico em
setembro de 2000.
A revista Isto É/Dinheiro
revelou: os técnicos do governo conseguiram que um dos participantes
da reunião contasse o que ocorrera no dia 18 de março: a
reunião objetivava dividir mercados e combinar preços, de
forma que em qualquer cotação de que uma dessas empresas
participasse, as demais não poderiam apresentar valores inferiores.
Conforme o relatório, essas empresas criaram "currais de consumidores"
(logicamente, elas negam as acusações. O problema é
que não contrapuseram provas). De fato, desde então o preço
do vergalhão de aço, principal insumo da construção
civil, subiu cerca de 40% no Brasil. Em 2002, a Gerdau faturou R$ 11 bilhões
e a Belgo, mais de R$ 2 bilhões.
O drama
de 28 de maio de 2003, às 18h41: a negociação para
se render, via TV Fotos: captura
de telas - transmissão ao vivo das redes SBT e Bandeirantes
São Paulo, 10 de junho
de 2003. Alguns meses após a apresentação desse
parecer, presidente do Sindicato da Indústria da Construção
Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Artur Quaresma Filho,
classificou como um gol da sociedade em defesa da concorrência a
decisão da Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério
da Justiça, que obriga as siderúrgicas fornecedoras de vergalhões
de aço para o setor a justificar os recentes reajustes de preços.
Além disso, essas empresas têm de comunicar ao Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (Cade) as datas e o percentual de aumento de
seus produtos, e não poderão usar tabelas ou quaisquer outros
meios de divulgação antecipada de preços, para evitar
ações cartelizantes.
O drama
de 28 de maio de 2003, às 18h50: preparativos para a rendição Fotos: captura
de telas - transmissão ao vivo da rede Bandeirantes
São Paulo, 7 de janeiro
de 2003. "No aconchego de uma churrascaria, representantes de 25 empresas
que dominam a distribuição de areia na região metropolitana
de São Paulo combinam aplicar um aumento uniforme de R$ 4,00 por
metro cúbico do insumo comercializado e fixar preços mínimos,
entre R$ 31,00 e R$ 34,00, para entrega nas diversas regiões da
capital paulista e do ABCD".
Brasília, 17 de junho de
2003. "Acatando representação do Sinduscon-SP, a SDE
abriu processo administrativo contra o Sindicato das Empresas de Movimentação
de Areia e Pedra e Logística da Grande São Paulo (Sindapa)
e as mesmas 25 empresas. O objetivo é investigar prática
de cartel, o ajuste combinado de preços, prejudicando a concorrência
no setor de distribuição de areia e, por conseqüência,
as construtoras clientes daquelas empresas". As notícias de 7 de
janeiro e 17 de junho são de um boletim do Sinduscon-SP, e levantam
outra ponta do iceberg que explica a nova crise da construção
civil. A ação rápida da SDE foi porque a denúncia
incluía uma carta do próprio Sindapa testemunhando aquela
combinação, e documentos mostrando que o pacto foi de fato
cumprido, elevando os preços de forma bem superior aos aumentos
ocorridos em ouras regiões do Brasil.
O drama
de 28 de maio de 2003, às 18h51: fim do perigo imediato, com a rendição
do motorista Foto: captura
de tela - transmissão ao vivo da rede Brandeirantes
Brasil, maio de 2003. Persistiu
em abril de 2003 a queda de 5% no índice de emprego na construção
civil, representando o fechamento de 60,6 mil postos de trabalho. Somente
nos quatro primeiros meses do ano, as perdas acumuladas são de 17,2
mil postos de trabalho (-1,48%). Comparando o primeiro quadrimestre de
2003 com a variação acumulada no mesmo período do
ano passado, ocorreu uma queda de 3,65% no emprego do setor.
O dólar, que poderia servir
como justificativa para a crise, a partir da grande alta das cotações
às vésperas das eleições presidenciais de 2002,
já recuou a patamares aceitáveis. Os preços, não.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio.
Acusadas
de formar cartel têm páginas Web para divulgação
de suas atividades
|