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Edição 121 - JUN/2003 

Brasil

Cartéis prejudicam construção

Um dos efeitos é o aumento exagerado no preço dos insumos

Carlos Pimentel Mendes (*)

São Paulo, 28 de maio de 2003. Um homem, na cabina fechada de seu caminhão, tem um botijão de gás entre as pernas e um isqueiro na mão. Do lado de fora, bombeiros isolam o quarteirão que pode ir pelos ares a qualquer momento. Pelo celular, o homem conta seu drama às equipes de dois programas policiais da televisão. Explica que é dono de uma frota de caminhões de transporte de cimento produzido pela Votorantim. Foi incentivado por diretores desse grupo a ampliar a frota, com financiamento do banco da própria Votorantim, pois teria mais carga para transportar. Não veio a carga, mas veio a alta dos juros do banco, que agora ameaçava tirar-lhe toda a frota, levando-o à falência.
 

O drama de 28 de maio de 2003, às 18h09: no caminhão cercado, a ameaça de explodir tudo
Fotos: captura de telas - transmissão ao vivo da rede SBT

Uma hora depois, convencido de que teria o empenho das emissoras de TV para uma conversa direta com Antônio Ermírio de Morais, ele se entregou à Polícia. Seria mais um drama urbano, não fosse um detalhe: no meio da conversa com os repórteres, ele contou que enquanto os depósitos de material de construção lhe pediam cargas de cimento, a Votorantim, com o depósito cheio, negava, para aumentar os preços do produto.

É apenas a ponta do iceberg, aliás uma das muitas, na história de práticas econômicas pouco ortodoxas, para não dizer criminosas, de organizações de empresários que agem em combinação (quando se forma um cartel) e mesmo de único grupo empresarial que dita seus preços de forma abusiva (o que caracteriza o monopólio), no fornecimento de materiais de construção no Brasil. Práticas que contribuem fortemente para a absurda elevação nos preços, inviabilizando a construção civil no País e praticamente paralisando o mercado, com o conseqüente desemprego de milhares de pessoas, numa reação em cadeia que prejudica toda a economia nacional (pois desempregado não consome, ou consome bem menos).

É um problema bastante antigo - basta lembrar que na mais de 20 anos atrás chegou a ser colocado um navio-fábrica de cimento no porto de Santos, pois era bem mais barato importar os insumos de lugares como a Turquia e preparar o produto final num navio atracado na Ilha Barnabé, que buscá-lo na fábrica nacional. Mesmo assim, só agora começa a ser denunciado, após mais uma onda de aumentos excessivos que reverteu a fase de crescimento da construção civil verificada nos últimos anos, mergulhando o setor numa fase de retração que só deve se aprofundar nos próximos meses.

O drama de 28 de maio de 2003, às 18h31: na cabina fechada, ele abre o botijão de gás
Foto: captura de tela - transmissão ao vivo da rede Brandeirantes

Belo Horizonte, 18 de março de 1999. Mineiro tem fama de fazer tudo calado, mas não foi o que ocorreu num escritório da Avenida dos Andradas, onde se encontraram executivos das siderúrgicas Gerdau, Barra Mansa (Grupo Votorantim) e Belgo Mineira para a formação de um cartel do aço. A descrição detalhada desse encontro é parte de um explosivo parecer com 150 páginas da Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, sobre a acusação de que essas empresas combinaram preços, lotearam mercados e discriminaram consumidores. As denúncias surgiram no Secovi-SP e no SindusCon-SP, as entidades que representam empresas da construção civil, e foram protocoladas na Secretaria de Acompanhamento Econômico em setembro de 2000. 

A revista Isto É/Dinheiro revelou: os técnicos do governo conseguiram que um dos participantes da reunião contasse o que ocorrera no dia 18 de março: a reunião objetivava dividir mercados e combinar preços, de forma que em qualquer cotação de que uma dessas empresas participasse, as demais não poderiam apresentar valores inferiores. Conforme o relatório, essas empresas criaram "currais de consumidores" (logicamente, elas negam as acusações. O problema é que não contrapuseram provas). De fato, desde então o preço do vergalhão de aço, principal insumo da construção civil, subiu cerca de 40% no Brasil. Em 2002, a Gerdau faturou R$ 11 bilhões e a Belgo, mais de R$ 2 bilhões.
 

O drama de 28 de maio de 2003, às 18h41: a negociação para se render, via TV
Fotos: captura de telas - transmissão ao vivo das redes SBT e Bandeirantes

São Paulo, 10 de junho de 2003. Alguns meses após a apresentação desse parecer,  presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Artur Quaresma Filho, classificou como um gol da sociedade em defesa da concorrência a decisão da Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, que obriga as siderúrgicas fornecedoras de vergalhões de aço para o setor a justificar os recentes reajustes de preços. Além disso, essas empresas têm de comunicar ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) as datas e o percentual de aumento de seus produtos, e não poderão usar tabelas ou quaisquer outros meios de divulgação antecipada de preços, para evitar ações cartelizantes.
 

O drama de 28 de maio de 2003, às 18h50: preparativos para a rendição
Fotos: captura de telas - transmissão ao vivo da rede Bandeirantes

São Paulo, 7 de janeiro de 2003. "No aconchego de uma churrascaria, representantes de 25 empresas que dominam a distribuição de areia na região metropolitana de São Paulo combinam aplicar um aumento uniforme de R$ 4,00 por metro cúbico do insumo comercializado e fixar preços mínimos, entre R$ 31,00 e R$ 34,00, para entrega nas diversas regiões da capital paulista e do ABCD".

Brasília, 17 de junho de 2003. "Acatando representação do Sinduscon-SP, a SDE abriu processo administrativo contra o Sindicato das Empresas de Movimentação de Areia e Pedra e Logística da Grande São Paulo (Sindapa) e as mesmas 25 empresas. O objetivo é investigar prática de cartel, o ajuste combinado de preços, prejudicando a concorrência no setor de distribuição de areia e, por conseqüência, as construtoras clientes daquelas empresas". As notícias de 7 de janeiro e 17 de junho são de um boletim do Sinduscon-SP, e levantam outra ponta do iceberg que explica a nova crise da construção civil. A ação rápida da SDE foi porque a denúncia incluía uma carta do próprio Sindapa testemunhando aquela combinação, e documentos mostrando que o pacto foi de fato cumprido, elevando os preços de forma bem superior aos aumentos ocorridos em ouras regiões do Brasil.


O drama de 28 de maio de 2003, às 18h51: fim do perigo imediato, com a rendição do motorista
Foto: captura de tela - transmissão ao vivo da rede Brandeirantes

Brasil, maio de 2003. Persistiu em abril de 2003 a queda de 5% no índice de emprego na construção civil, representando o fechamento de 60,6 mil postos de trabalho. Somente nos quatro primeiros meses do ano, as perdas acumuladas são de 17,2 mil postos de trabalho (-1,48%). Comparando o primeiro quadrimestre de 2003 com a variação acumulada no mesmo período do ano passado, ocorreu uma queda de 3,65% no emprego do setor.

O dólar, que poderia servir como justificativa para a crise, a partir da grande alta das cotações às vésperas das eleições presidenciais de 2002, já recuou a patamares aceitáveis. Os preços, não.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.


Acusadas de formar cartel têm páginas Web para divulgação de suas atividades